Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea: "A primeira semana de abril foi a melhor desde 2014" (Crédito:Divulgação)
RESUMO
•
Executivo diz que o projeto de incentivo à descarbonização, junto com
outras medidas, garantiu o maior montante de investimentos da história
no setor, de R$ 123 bilhões.
• Para ele, a
aproximação da indústria com o governo tem trazido resultados positivos,
como a alta de 12% na produção do primeiro trimestre em relação ao ano
passado
Há dois anos na presidência da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite tem o que comemorar. Somente nos três primeiros meses deste ano, as principais indústrias do segmento já se comprometeram a investir mais de R$ 123 bilhões no País. Além disso, a primeira semana de abril de 2024 é a melhor para o mês desde 2014. Os dados de março da indústria automobilística dão suporte ao otimismo do setor. A produção de 195,8 mil veículos foi a melhor em quatro meses e superou em 3,2% o volume de fevereiro. No acumulado do 1º trimestre, 538 mil unidades deixaram as linhas de montagem, 0,4% a mais que no mesmo período do ano passado. Já nas vendas internas, a média diária foi de 9,4 mil unidades em março, uma alta de 7,9% em relação a fevereiro e 8,5% sobre março de 2023. No ano, a média diária de emplacamentos já é 12,6% superior à do primeiro trimestre de 2023. Em entrevista à DINHEIRO, o presidente avalia que os próximos meses devem ser marcados pelo aumento contínuo na produção, e 2024 deve fechar com 6% de aumento em relação ao ano passado – indo de 2,3 milhões de automóveis em 2023 para 2,47 milhões projetados para este ano.
DINHEIRO – Nesses quase dois anos à frente da Anfavea, quais foram as principais conquistas da indústria?
MÁRCIO DE LIMA LEITE –
A gente vive um bom momento. O que queríamos desde o início era que o
governo tivesse previsibilidade, e até agora está acontecendo. A Anfavea
está com uma relação mais próxima do governo. Independentemente de
partido, temos que trabalhar juntos para o País crescer e gerar
empregos. Nós também podemos
celebrar a política que batalhamos para definir as regras de importação
de veículos de novas tecnologias, como híbridos e elétricos, que tinham
uma alíquota de 0%, ou seja, muito aberto para importações e gerando
zero investimentos, pois ninguém investiria em um país que não cobra
tarifa para importar. A primeira coisa foi a mudança
nessa regra, que foi uma grande conquista do setor. Concomitante a isso,
também celebramos o Marco Legal das Garantias (sancionado pelo
presidente Lula no ano passado), possibilitando que um bem possa ser
utilizado como garantia em mais de um empréstimo, a redução no spread
bancário e maior agilidade na recuperação dos itens, o que representa
oferecer um crédito mais barato ao consumidor.
O sr. citou o Programa Mover na apresentação dos resultados. O que pode avançar com ele?
Também ficamos muito satisfeitos com a assinatura do decreto do
Programa Mover [Programa de Mobilidade Verde] no mês passado pelo
governo federal. Foi o resultado de muitas sugestões da nossa parte,
além da academia e do setor de autopeças.
Temos a certeza de que estamos diante de um programa que será
referência para o mundo em termos de descarbonização, com a liberdade de
escolha para os consumidores, que poderão optar pela rota tecnológica
mais interessante às suas necessidades. Após essas
medidas, foram R$ 123 bilhões de investimentos anunciados, o maior
montante da história. Então vejo como um momento muito importante, pois o
setor foi ouvido e conseguiu alguns reconhecimentos relevantes do papel
da indústria automotiva no PIB brasileiro.
“Precisamos de uma indústria local de semicondutores, pois a crise está superada neste momento, mas o Brasil continua dependente, o que não é bom’’
A crise na cadeia de semicondutores já foi superada?
Sim, ela foi superada e está 100% equacionada, no entanto, esse é um
ponto que a gente precisa desenvolver no País. Precisamos de uma
indústria local de semicondutores, pois a crise está superada neste
momento, mas o Brasil continua dependente, o que não é bom. Por isso,
estamos conversando muito com o governo, isso faz parte da nossa agenda,
a necessidade de avançarmos com a indústria. O terremoto que ocorreu em Taiwan, por exemplo, já exige da gente algum grau de preocupação, tamanha a dependência.
Vemos
um crescimento da produção de veículos nos últimos anos, mas ainda
estamos longe do recorde da indústria, do ano de 2013, com 3,7 milhões
de veículos fabricados. Existe uma projeção para superar essa meta?
Nós estamos apresentando crescimento constante. Esse primeiro trimestre foi 12% superior ao ano passado. A primeira semana de abril foi a melhor desde 2014. Tem
crescido bastante, mas o número de 2013, de 3,7 milhões, ainda vamos
demorar para alcançar. No entanto, nós trabalhamos com um número mágico,
que é de produzir 3 milhões de unidades. Esse número nós acreditamos
que iremos alcançar em dois anos.
Como estão as vendas de veículos pesados e agrícolas?
Em ônibus há uma expectativa de alta com a retomada do programa
Caminhos da Escola, do governo federal, que visa comprar ônibus
escolares novos. Além disso, como estamos em ano de eleição, as
renovações de frotas das cidades tendem a aumentar. Nos caminhões e
máquinas agrícolas, apesar de uma projeção de queda na safra de soja,
isso não será suficiente para impactar as vendas. Nesse segmento nós
estamos otimistas com a Agrishow e as feiras do setor agropecuário, que
sempre impulsionam as vendas desses produtos.
“O Brasil precisa alavancar as exportações, precisamos ter mais acordos bilaterais, com a América Latina e outros países. É um trabalho que o setor precisa fazer junto ao governo. É o nosso grande calcanhar de Aquiles’’
No
1º trimestre houve um aumento nas vendas (9,1%), mas a alta da produção
não ocorreu na mesma intensidade (0,4%). O que aconteceu?
Apesar de o mercado ter crescido, a produção não acompanhou o mesmo
ritmo em função da alta nas importações. Foram 25 mil unidades
importadas no período. Além disso, as exportações tiveram queda de 28%,
sendo 30 mil carros exportados a menos. A produção brasileira foi
impactada em quase 60 mil unidades, mas como ela cresceu 10%, teve um
efeito quase neutro de 0,5%. Nosso desafio é fazer crescer o mercado
interno, ampliar exportações e olhar com cuidado para importações, que
trazem consigo tecnologia, mas que não podem impactar nos nossos
empregos. Quando a gente fala da atenção para as importações, é porque
na produção estão os empregos. Quando
falamos que a produção não cresceu tanto, apesar do mercado ter
crescido, alguém supriu essa demanda. A grande questão é que nós
precisamos monitorar a todo momento a entrada de produtos de fora do
Brasil, que acabam impactando direto as nossas produções locais.
A Anfavea estima quantos empregos novos gerados pela indústria nos próximos anos?
Não temos esse número. O que nós temos são 1,2 milhão de pessoas
empregadas em toda a cadeia da indústria. Para cada emprego direto,
geramos de 10 a 11 indiretos. Somente agora, neste mês, geramos 700
empregos diretos, o que equivale a cerca de 7 mil postos gerados em um
mês. É um efeito multiplicador.
Está havendo alguma dificuldade de liberação de importados?
Houve uma mudança na sistemática de liberação por parte dos órgãos
ambientais e isso tem ocasionado um pouco mais de demora nas liberações.
Tanto é que hoje nós temos 25 mil veículos aguardando liberação, um prejuízo para o mercado. E
tem a demora para importar peças. Isso é um assunto que estamos
procurando entender melhor. Os elétricos não sofrem com isso, pois não
existem as mesmas restrições ambientais, então a importação é mais
rápida do que a de híbridos e carros a combustão. Recentemente fomos
acionados porque o Mercosul está começando a discutir essa maior
lentidão na liberação das importações pelo Brasil. O fluxo vindo da
Argentina está sendo tratado com maior lentidão, causando um tratamento
mais moroso por parte deles também. Fazendo essa pergunta na Argentina,
sim, isso impacta para eles, que começam a se perguntar se isso não
agride a regra do Mercosul. Então queremos ver uma forma de termos uma
liberação mais ágil, principalmente para o que está no âmbito do mercado
sul-americano.
Falando
nos elétricos, o início da produção da BYD no Brasil vai gerar um
impacto positivo forte na produção nacional e na redução da importação?
Sem dúvida, hoje os maiores volumes de importações são das empresas que
estão vindo para produzir no País, o que é algo muito positivo. Temos
esse crescimento nas importações, mas que logo será substituído pela
produção local.
E as exportações, por que estão caindo?
Esse é o nosso grande calcanhar de Aquiles. O Brasil precisa alavancar
as exportações, precisamos ter mais acordos bilaterais, com América
Latina e outros países. Esse é um trabalho que o setor precisa fazer
junto ao governo, pois vivemos um momento de forte queda em relação a
nossa média histórica. O México
vive um grande momento e é nosso maior destino de exportações,
compensando em parte as perdas nas vendas para outros países
historicamente parceiros. A Argentina, que sempre foi
nossa maior parceira, vive um momento de transição, com mudanças
estruturais sendo realizadas, mas é um país que, sem a menor sombra de
dúvida, está encontrando seu caminho. Acredito que em breve nossas
exportações para eles terão um fluxo maior.
Pretendem expandir as exportações para outros países além da América Latina?
Há sim um trabalho na busca de novos mercados, não há dúvidas sobre
isso, inclusive com o governo brasileiro, ter um foco nesses países
também, apresentar o que o Brasil tem de melhor e a possibilidade de
exportações. Há essa busca constante de novos mercados.
O Salão do Automóvel, que aconteceu pela última vez em 2018, vai voltar a acontecer em 2024?
Está caminhando bem. O
problema das importações, toda vez que tem alguma instabilidade, ou
algum fluxo, acaba tendo algum impacto nos custos do evento, pois tem
toda uma logística complexa para trazer veículos para um evento desse
tipo. E o que nós temos visto ao longo dos últimos meses
tem causado um certo incômodo, mas não o suficiente para impedir a
realização do evento.
Como o sr. enxerga o futuro do mercado de carros no Brasil? As ruas serão dominadas pelos elétricos, híbridos, flex?
As ruas do Brasil serão ecléticas. Um
dos grandes méritos do Programa Mover é incentivar a descarbonização,
independentemente da rota tecnológica, algo que não ocorre em outros
países. No Brasil, o consumidor terá liberdade de
escolher entre veículos elétricos, híbridos, híbridos plug-in, a etanol,
no caso de pesados a GNV, biometano ou a qualquer outra tecnologia que
surja com o objetivo de neutralizar a pegada de carbono. Caberá a cada
fabricante calibrar suas estratégias de motorização às demandas de seus
clientes.
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