À frente da fábrica que a maior fabricante de caminhões da
China ergue no sul, o ex-ministro do governo de FHC se diz otimista com a
economia brasileira a partir de 2017
Por Eugênio Esber
Mendonção,
como é conhecido o economista e engenheiro Luiz Carlos Mendonça de
Barros, não costuma desviar de polêmicas. E elas foram muitas,
especialmente nos anos 90, quando integrou a cúpula do governo de
Fernando Henrique Cardoso e se colocou sob a artilharia pesada do PT
durante o processo de privatização das telecomunicações. A repercussão
do chamado “escândalo do grampo do BNDES”, banco que ele presidiu entre
1995 e 1998, o derrubou do posto de ministro das Comunicações em
novembro de 1998, pondo fim a uma gestão que durou apenas sete meses – o
suficiente para sacramentar a privatização do sistema Telebrás. Em
2009, quando o processo judicial chegou ao fim, absolvendo-o de todas as
acusações de improbidade no caso dos leilões das teles, Mendonça já
estava em outra. A cabeça estava do outro lado do mundo, literalmente.
Executivos da chinesa Foton Aumark, maior fabricante de caminhões do
mundo, andavam à procura de Mendonça para que os ajudasse a entrar no
Brasil.
A ligação dos chineses com Mendonça, hoje sócio e
presidente da Foton no Brasil, vem de seu período no comando do BNDES,
no primeiro mandato de FHC. A China havia decidido erguer a maior
hidrelétrica do mundo, a Usina de Três Gargantas, e veio buscar
financiamento e tecnologia na terra de Itaipu. Mendonça abriu as portas
do BNDES, e foi pessoalmente à inauguração da Usina. “A Três Gargantas
tem oito turbinas construídas no Brasil, financiadas pelo BNDES e foi
ali que eu tive o começo da minha relação com a China”, disse a AMANHÃ.
“Por isso é que, depois, quando a Foton olhou para o Brasil, eles vieram
com o meu nome para começar a conversar. Eles têm um respeito muito
grande por quem ocupou um cargo público. Principalmente ministro”.
Mendonça,
que tem uma trajetória ligada ao mercado financeiro, estabeleceu
negociações com quatro Estados para a instalação da fábrica de caminhões
da Foton. São Paulo e Espírito Santo foram descartados. O Rio de
Janeiro estava levando a melhor sobre o Rio Grande do Sul por razões
logísticas, mas um problema ambiental na área escolhida deu chance ao
governo gaúcho – que venceu a parada ao concordar em entrar de sócio do
empreendimento com um aporte de R$ 40 milhões. Mendonça, que ganhou
dinheiro com o mercado financeiro e de capitais, também participa do
capital da Foton.
Aos 72 anos, Mendonça se notabiliza por
publicar artigos e realizar palestras em que se mostra otimista com os
rumos do Brasil, na contramão do discurso dos próceres, antigos e
atuais, do PSDB. “Não sou filiado ao PSDB”, esclarece. “Sou próximo.
Trabalhei muito com o Fernando Henrique. Trabalhei na primeira eleição
dele ao Senado, em 77. Mas nunca tive uma vida partidária”, ressalva.
AMANHÃ o convida a analisar os dois principais líderes do Brasil. Algum
dia eles se aproximarão, de algum modo? “Não”, interrompe Mendonção.
“São dois grandes partidos antagônicos e em uma democracia é muito
importante que um contraponha o outro, mas de forma civilizada, como é
hoje. O Fernando Henrique e o Lula sabem que o sucesso do Brasil de hoje
foi a combinação dos dois. Nada do que tem hoje existiria se houvesse
um só”, completa.
Veja a seguir o que tem hoje no Brasil pelas lentes de Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Quando a economia brasileira voltará a crescer?
Isso
ainda é uma coisa difícil de prever. O que eu acho importante é que,
claramente, a presidente Dilma mudou o software econômico do governo
neste segundo mandato. Esta mudança é extremamente relevante porque a
partir dela é que podemos fazer projeções. A Dilma no primeiro mandato
inovou em relação ao presidente Lula, no sentido de que ela trouxe para o
governo um pensamento tradicional do PT na economia – e em outros
setores também, mas aqui estamos falando de economia.
Qual a diferença básica que Dilma estabeleceu em relação ao período Lula?
No
seu primeiro mandato Dilma seguiu um pensamento econômico muito claro
que o PT defende desde sua fundação. É o pensamento dominante na escola
em que ela estudou, a Unicamp. Alguns dos elementos importantes do PT
também estudaram lá, como o {Luiz Gonzaga) Belluzzo, o Luciano Coutinho,
que presidiu o BNDES, e o {Aloizio) Mercadante, hoje o segundo homem
mais importante do governo, e que por muito tempo deu aula na Unicamp. O
{Guido} Mantega, embora não pertencesse à Unicamp, fez toda a carreira
dele na FGV de São Paulo, que segue a mesma escola. O Lula, por uma
certa razão, manteve, em seus oito anos de mandato, basicamente o
software econômico do Fernando Henrique. A Dilma, não. Ela inovou,
trocou todo mundo e seguiu à risca nos primeiros quatro anos o que esta
escola tradicional do PT pensa sobre economia e sobre a melhor forma de
administrar a política econômica no Brasil.
E como o senhor avalia o experimento de Dilma?
O
resultado foi muito ruim. Mas agora temos um fato econômico importante,
e que mostra que no segundo mandato ela claramente rompeu com esta
escola econômica. Apesar de o Mercadante continuar no governo, ela
trouxe para o Ministério da Fazenda, que é o centro de poder na gestão
da economia brasileira, o {Joaquim} Levy, que é formado na escola de
Chicago. E Chicago é a antítese da Unicamp. Estas duas escolas brigam
aqui no Brasil há muito tempo...
Qual o divisor de águas entre estas duas escolas?
A
escola Unicamp representa aqui no Brasil uma das vertentes do
pensamento keynesianista, que segue em duas direções. Quando Keynes
morreu, nos anos 40, deixou pouca coisa escrita e definida, mas deixou
muitas ideias. Uma vertente keynesiana atua na Inglaterra, em Cambridge.
E outra nos Estados Unidos, em várias universidades. Cada uma destas
escolas pegou o que existia de pensamento keynesianista e tocou para a
frente. E se separaram radicalmente ao longo do tempo. Tanto que o
pessoal da Unicamp chama a americana de keynesianismo bastardo. Só por
isso já fica claro o grau de divergência. Esta escola que a Unicamp
acabou representando é socialista, levou o pensamento de Keynes a uma
intervenção sistemática do governo na economia. É muito voltada para a
intervenção microeconômica, para o estímulo a setores industriais.
E o ramo norte-americano do Keynesianismo?
A
escola americana acabou desenvolvendo o pensamento mais neoclássico,
onde a intervenção do governo na economia é feita no nível macro e não
no micro. Esta é a grande divergência. Embora defendendo a presença do
Estado, esta vertente americana acha que a função do governo é trabalhar
na parte fiscal, na parte monetária, na parte regulatória. E, então,
temos a terceira corrente, que hoje é representada pela PUC do Rio, que é
a chamada escola monetarista, do Milton Friedman, que diz o seguinte: o
governo não tem que se meter na economia, que é uma questão meramente
privada. O governo tem que cuidar de outras coisas. Na economia, apenas
manter a parte fiscal e a parte monetária corretamente, e não exercer
nenhuma interferência microeconômica, em benefício de setores.
Dilma seguiu à risca o programa do PT. E o resultado foi muito ruim. Ela certamente tomou um susto na eleição”
Zero de política industrial, portanto.
A
política industrial é um um divisor de águas. E até mesmo no âmbito do
Keynesianismo, porque os ingleses acham que dar estímulos a certos
setores não é pecado mortal de um governo – ao contrário, é uma
obrigação do governo, que seria o principal elemento da economia. E o
Keynesianismo americano acha que o governo é um ator secundário na
economia, e que só deve aparecer quando há distorções a corrigir,
desequilíbrios.
O senhor já esteve no front deste debate muitas vezes, não?
No
governo do Fernando Henrique havia um conflito parecido entre os tais
monetaristas e os desenvolvimentistas. Eu era do grupo chamado
desenvolvimentista, que segue um pouco o keynesianismo americano – no
sentido de acreditar que o governo tem que intervir em determinadas
circunstâncias, mas sempre de uma forma acessória. Porque o grande
responsável pelo desenvolvimento econômico é o setor privado. Ao governo
cabe o papel de dar ao setor privado condições de levar adiante essa
missão. Só que em algum momento, o setor privado começa a fazer um monte
de besteira e aí o governo tem que interferir. Foi o que aconteceu nos
EUA agora, nesta crise de 2008. Lembra que o governo americano comprou
ações da Chrysler e da GE? Então, a Dilma em um primeiro momento de
quatro anos, como é uma pessoa disciplinada, seguiu à risca tudo o que
esse pessoal mandava ela fazer. Tudo foi feito, e o resultado foi muito
ruim: o crescimento desapareceu, a inflação está aí de volta,
desequilíbrios fiscais, desequilíbrios externos... Ela certamente tomou
um susto na eleição. A coisa ficou muito próxima de uma derrota.
O senhor conhece a presidente?
Eu
não a conheço pessoalmente. Mas certamente quem chega a esta função a
que ela chegou – e depois de quatro anos de mandato – é alguém que tem
uma visão das coisas. Ela falou o seguinte: eu tenho mais quatro anos
para fazer a minha história e a politica econômica dos primeiros quatro
anos quase me custaram demais. O Lula já fez a sua experiência nos oito
anos dele...por que que eu não posso fazer? E achou uma pessoa que,
vamos dizer assim, está surpreendendo mesmo desenvolvimentistas como eu
.... Porque ele veio do núcleo duro do monetarismo. Ele é um Malanzinho –
ou um Malanzão... Só que ele, como é uma pessoa que viveu, tem uma
história, quando vemos o discurso de posse dele, vemos que ele esta
claramente fazendo uma adaptação. Ele não é o monetarista histórico que
ele sempre foi, mas está fazendo uma adaptação meio desenvolvimentista
na história.
Já é efeito de um jogo de cintura que ele adquiriu para conviver com uma presidente com o perfil de Dilma, não?
Lógico.
Ele é funcionário da presidente. E, portanto, no fundo, ele tem que
fazer o que ela quer que ele faça. Só que ela aceitou trilhar um caminho
diferente, mas com seu limite. Ele não vai fazer uma revolução liberal
no governo e na economia. Por exemplo, uma das questões centrais do
discurso dele é o reconhecimento de que ao longo dos oito anos do
governo Lula, e um pouco do de Dilma, se criou uma classe média nova no
Brasil e isso ele fez questão de citar. O PSDB tem uma dificuldade
imensa de aceitar, por um problema psicológico, sei lá, de não poder
reconhecer no governo do Lula nada do que foi feito. No governo Lula, e
isso é claro hoje, há uma mudança extraordinária que é o tamanho da
classe média brasileira. A classe média brasileira no final do governo
do Fernando Henrique era um terço da sociedade e hoje é 70%.
Este fenômeno não aconteceu em outras nações emergentes, e mesmo na América Latina, na década passada?
Não,
nada. Na América Latina foi só o Brasil. E no âmbito global foram
somente dois países que representaram isso: Brasil e China. Aí vem o
PSDB e diz “Ah, mas foi causa da commodities...” Mas do ponto de vista
político e social não interessa isso. O sujeito que vivia na
informalidade e hoje é uma classe média com carteira assinada está pouco
se “lixando” se foi problema da China ou do real. Ele associa de uma
maneira muito clara essa melhoria de vida dele ao governo do Lula. Só
que ao governo do Lula com uma política econômica desenvolvimentista,
não com uma política do PT. A Dilma que resolveu voltar às origens,
deu-se mal e está fazendo agora uma volta ao ensinamento do período do
Lula.
Ironicamente, Dilma, que não é egressa no PT na origem, foi mais petista na política econômica que Lula.
Porque
ela é uma mulher inteligente. Não é possível que uma pessoa com uma
carreira como a dela seja ignorante. Ela pode ter problema de
personalidade, mas é uma pessoa que consegue ler as coisas. Ela leu. Eu
mesmo escrevi várias colunas e na última delas eu dizia: presidente, não
trilhe o caminho anterior, volte para o caminho do Lula. E foi o que
ela fez. Tanto que há na imprensa hoje certa perplexidade com o
movimento dela. Mas ela fez. Achou uma pessoa que me parece totalmente
adequada para este papel, porque, mesmo tendo a origem e um pensamento
mais ortodoxo, está conseguindo fazer uma adaptação. Mudou tudo. Tanto é
verdade que está trocando na presidência do BNDES o sr. Luciano
Coutinho, que é um dos melhores economistas da Unicamp – e que era um
dos executores dessa política de intervenção na economia. Ele vai
embora. Para quem mantém os olhos abertos para os sinais que a política
manda, é claro que essa é a coisa mais importante desta mudança. Na
minha visão, este é o começo da solução dos problemas da economia
brasileira. Para recolocar a economia em crescimento necessariamente
teria que fazer esta mudança, e ela fez.
É o suficiente para retomar o crescimento?
Eu
consigo ver a economia voltando a crescer em 2017, 2018. Em 2015, a
economia não vai crescer porque vão estar sendo feitas uma série de
mudanças, de ajustes. 2016 já deve trazer uma melhora na economia. Mas o
crescimento do emprego, por exemplo, não vai acontecer em 2016, pelo
contrário. 2015 e 2016 serão dois anos em que o emprego vai crescer
muito pouco. Mas o volume de pessoas empregadas e tendo renda vai estar
preservado. Quem vai sofrer mais é o pessoal de alguns segmentos, como a
indústria automobilística que está tendo que adequar o número de
funcionários a uma demanda mais fraca, mas ainda assim somos o quarto ou
o quinto maior mercado do mundo. Mas com este movimento ela pode ter
criado dois anos com alguma amolação, mas lançará a semente... E é o que
interessa, do ponto de vista eleitoral, na história dela. A Dilma vai
ser avaliada por 2017 e 2018 e não por 2015. Eu acredito que ela fez o
movimento correto, eu acredito que vamos passar um dois anos aí andando
de lado, mas...
Qual é o tamanho do solavanco que o país vai enfrentar em 2015?
Não
vai ser muito grande. Alguns setores vão sofrer. Que setores são esses?
Aqueles em que a demanda cresceu demais e agora vai ter alguma
acomodação. Por exemplo, o automóvel. O Brasil vendia 100 mil carros por
mês em 2005. Em 2012, 2013, chegou a vender 330 mil. Multiplicou por
mais do que três. Agora vai cair um pouquinho, 10 ou 15%. Mas quando se
olhar este período, o desempenho ainda é extraordinário.
A China mudou. Tem lá hoje 700 milhões de chineses de classe média. Crescem menos. Mas são a maior economia do mundo”
Qual vai ser o drive de crescimento da economia brasileira?
Recentemente nós tivemos a alavanca do crescimento chinês e que agora
perde vigor, e tivemos o estímulo do consumo interno, que agora também
esbarra em uma certa exaustão...
Mas se mantém. Vou dar um
dado para você. O Serasa divulgou o resultado do comércio do Brasil em
2014 e a manchete do jornal foi o seguinte: Crescimento do comércio em
2014 foi o mais baixo dos últimos 11 anos. Quando se lê uma manchete
desta, se imagina “poxa, deve ter sido um desastre...” Mas não: cresceu
3,7% no ano passado em relação a 2013. O que é um crescimento
extraordinário. A massa de salários, que é o volume total de salários
formais pagos no Brasil cresceu 3%. Ou seja, ninguém perdeu renda,
ninguém perdeu emprego. Por isso que estou dizendo: era o momento
correto para fazer isso, dar essa freada de arrumação porque o nível de
bem-estar está alto e, assim, permitir que nos dois últimos anos do
governo possamos realmente voltar a crescer. Eu estou confiante.
E
sobre o comportamento menos acelerado da China, que ganhou muita
relevância para a economia mundial. Como é que você este processo?
Vejo
muito bem. Faz 30 anos que a China mudou do socialismo troglodita do
Mao para um socialismo meio temperado com mercado, e ela cresceu
extraordinariamente. Só que nestes 30 anos ela já mudou a forma de
crescer por três vezes. Porque a sociedade vai mudando. Tem lá hoje 700
milhões de chineses de classe média. A venda de automóveis na China foi
de 27 milhões de veículos. Os Estados Unidos venderam 17 milhões. E a
Europa 10 milhões... E eles, os chineses, estão fazendo agora uma
terceira mudança que é sair da dependência do investimento do governo e
das exportações baratas para o consumo interno. E é evidente que o
tamanho da economia chinesa cresceu muito. Uma coisa é você crescer 17%,
12%, quando a economia é pequenininha. Agora eles são a maior economia
do mundo. Não dá mais para crescer daquele jeito... Eles vão reduzir
este crescimento para uns 6% ou 5% do PIB. Mas 5% do PIB de hoje é dez
vezes mais que aquele crescimento de 17% de muito tempo atrás...
Não se trata de discutir, então, se o jumbo chinês vai aterrissar de modo suave ou não?
Não.
O que há é uma mudança na forma de crescimento da China. E que acaba
afetando um pouco o Brasil porque sai um pouco do crescimento de
commodities – a gente exporta minério de ferro, basicamente – para um
outro tipo de produto. Mas o Brasil está exportando carne, café. É uma
mudança de matriz, e neste processo tem quem ganha e tem quem perde. Mas
a economia chinesa continua sendo hoje o maior crescimento de PIB do
mundo em dólar e vai continuar sendo por muito tempo ainda. Mudou a
forma de a China crescer e o Brasil também... Agora, a China, para nós,
é... a imagem que eu sempre uso é a de um foguete que vai lançar um
satélite. Este foguete tem pelo menos três estágios. O primeiro estágio é
um motor superpotente. Por quê? Porque tem que vencer a gravidade.
Depois que o foguete venceu a gravidade os outros segmentos são motores
muito mais rápidos porque você já venceu a gravidade. O Brasil venceu a
gravidade desta falta de uma classe média grande. Porque o crescimento
chinês levou neste primeiro estágio, que nós tivemos, a classe média de
um terço para 70%. A partir de agora eu não preciso da força chinesa
para crescer. É é preciso usar outros tipos de motores, que é o que o
governo vai tentar fazer agora.
Quando o Brasil ocupará um espaço minimamente relevante no comércio internacional?
Acho
difícil porque o Brasil é um país de consumo. Dois terços do PIB
brasileiro é consumo das famílias. Normalmente, a indústria brasileira
não vai ser uma indústria exportadora. Por causa do tamanho do mercado
interno, por causa do consumo. É como nos Estados Unidos. Eles têm
déficit comercial todo ano. Porque há um apetite de consumo tão grande
que eles precisam comprar do mundo todo. Há exceções, claro. A Embraer é
um caso atípico. Ou o ramo de alimentos. Porque produzimos alimento em
volume muito maior do que consumimos, e de modo eficiente.
A
Foton, hoje, é simplesmente um sinal do que vai acontecer a partir de
2017: uma migração muito grande de empresas chinesas para cá”
O senhor preside a Foton, montadora chinesa de caminhões que
está se instalando no sul do Brasil. Como você vê a disposição dos
chineses de entrar no país? Há setores que temem uma invasão chinesa, e
até se atribui a este receio a lei de terras, que limita a propriedade
estrangeira de áreas no Brasil.
A China, como eu te falei, é
um país em transformação muito radical. De um país agrário para um país
industrial. E eu sinto isso de uma forma bem particular por causa desta
associação com a Foton. Se há alguém no Brasil que consegue entender um
pouco do que vai acontecer com o investimento chinês somos nós, aqui,
porque estamos trabalhando com a maior empresa de caminhões de lá. E o
que estamos vendo, no caso da Foton, é uma visão estratégica de entrar
no mercado brasileiro. Já estamos começando a operar aqui e a construir a
fábrica. Mas a decisão deles é vir aqui e ser um dos cinco, talvez
quatro, grandes produtores, de caminhões aqui no Brasil. E por quê? Por
uma questão estratégica. Eles querem se transformar em uma potência
mundial e eles sabem que, para isso, as empresas chinesas tem que ir
para o mundo. Agora, o caso Foton é ainda muito particular, mas {a
chegada dos chineses} já está acontecendo. Recentemente o segundo maior
banco chinês comprou um banco brasileiro o Bicbanco. Eu conversei com os
chineses e eles têm, lá, uns 30 clientes grandes na China que estão em
processo de criar investimentos aqui no Brasil, e é por isso que o banco
chinês está vindo para cá – para servir como alavanca para estes
clientes.
Por que o senhor diz que a Foton é um caso particular?
A
Foton, hoje, é simplesmente um sinal do que eu acho que vai acontecer a
partir de 2017, 2018: uma migração muito grande de empresas chinesas
para batalhar pelo mercado aqui no Brasil. Entre outras razões, porque a
qualidade dos produtos industriais da China ainda é muito inferior em
relação aos da Europa e dos EUA. E no caso específico de caminhões, o
que eles perceberam é quem para evoluir tecnologicamente e entrar na
Europa e nos EUA, o Brasil é um bom ponto de entrada. Porque é um
mercado que exige muita qualidade do produto. O caminhão brasileiro é um
dos melhores do mundo em termos de qualidade. Então, ao vir para cá
eles começam a aprender a trabalhar com esse nível de qualidade. Este é o
objetivo deles com a fábrica da Foton perto de Porto Alegre.
O Brasil será uma plataforma de exportação para a Foton?
Não
tanto de exportação, mas é de aprendizado, de como é que se constrói um
caminhão de qualidade. Se você olhar o caminhão chinês que nós vamos
produzir em Porto Alegre e compará-lo com o chinês, ele é muito melhor.
Isso é dito pelos próprios engenheiros da China. Então, um dos objetivos
deles é se transformar em uma líder mundial. Se eles querem isso tem
que produzir no Brasil, porque a Volvo, Volkswagen, a Mercedes, todas
estão aqui. E, em segundo lugar, eles perceberam que para treinar a
engenharia deles na construção de produtos de qualidade, a melhor coisa
que eles tem que fazer é aprender aqui no Brasil. O nosso caminhão de 10
toneladas que vai ser produzido aqui, acabou de ganhar um prêmio de
qualidade no Brasil. Ganhou da Vokswagen, da Mercedes. Por quê? Por que
na China o consumidor não tem vez nenhuma. O cara comprou o caminhão e
dane-se. E aqui no Brasil o consumidor é um chato de galocha. Ele exige
atenção, exige qualidade.
As missões que levam industriais brasileiros à China funcionam para abrir frentes de negócios.
Esse
processo é bom. Mas... ainda está cedo. Por que é que a Foton do Brasil
conseguiu nestes quatro anos este sucesso que a gente está tendo? Uma
das razões é que, desde que eu estava no governo, eu acompanhei muito o
desenvolvimento chinês, li muito. Então eu aprendi, comecei a entender o
chinês que é um sujeito muito nacionalista, muito fechado. E fizemos
uma coisa que hoje é fundamental. Nós conseguimos um chinês, que é sócio
nosso, que mora na China. Então, ele consegue traduzir daqui para lá e
de lá para cá uma linguagem cultural complexa. Essa vai ser a grande
dificuldade que este pessoal daqui vai começar a entender. Só que tem
uma outra geração de chineses que hoje deve ter uns 40 anos, que já é
uma geração diferente, que fala inglês muito bem. Mas este pessoal não
chegou ainda no nível de mando das empresas. Embora esteja a caminho.
Qual é o ruído mais frequente na tentativa de aproximação de um brasileiro e um chinês para fazer negócios?
O
primeiro aspecto a considerar é que você precisa ter uma contrapartida,
na China, de uma empresa que esteja neste processo de
internacionalização. Porque há empresas chinesas que não estão neste
caminho. São empresas que só olham para o mercado chinês. Aí é difícil,
porque elas simplesmente olham para o Brasil como um mercado para
vender. Mas tem varias indústrias na China que estão interessadas em se
internacionalizar, como o banco chinês que mencionei antes, como uma
empresas de guindastes que se instalou em Minas... O potencial de
desenvolvimento de negócios é grande. Tanto que nós temos um terreno
muito grande que já está sendo cogitado por outras empresas para fazer
um parque chinês em Guaíba, na Grande Porto Alegre.
O
industrial brasileiro deve olhar o chinês como um competidor a ser
combatido ou como um sócio, já que em muitos casos não tem como
vencê-lo?
Como um parceiro. Veja o caso da Maxxion, por
exemplo, que nunca vendeu seus produtos para a Foton China está
começando a discutir a possibilidade de exportar para lá. E a relação
conosco é parceria, não é nem sociedade. Eles têm interesse. E em alguns
segmentos nós somos absurdamente competitivos com eles. Agora, dá um
grande trabalho – porque lidar com chinês, principalmente com os mais
velhos, não é fácil. Afinal, quantas décadas eles viveram absolutamente
fechados e olhando o ocidental como um inimigo. Só que isso está
mudando, e então você vai ter que... Olha, não adianta, o industrial
brasileiro vai ter que sair daquela moleza de um mercado relativamente
grande e protegido, para passar para um mercado maior, mas com mais
competição. Quem não olhar o mundo desta forma nova, e a China é o
grande elemento do mundo do futuro, vai ficar de fora. Tudo que é
novidade, tudo que é fronteira, dá trabalho...