São Paulo - A convite de EXAME.com, Beto Veiga, doutor e mestre em
economia pela UnB, advogado especialista em direito financeiro e
professor de direito bancário, escreveu o artigo de opinião seguir, que
analisa o impacto do banco
BTG Pactual para o sistema financeiro nacional e para o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) após a prisão de
André Esteves, ex-presidente e controlador do banco.
Confira a seguir o artigo assinado por Beto Veiga.
Em geral, a grande dúvida que paira sobre acontecimentos das mais
diversas naturezas que causam impacto no sistema bancário levam sempre à
pergunta: qual é o tamanho do estrago que uma dada situação pode
ocasionar? No caso de um
banco do tamanho do BTG, então, a dúvida é mais do que pertinente. E a resposta é: na maioria das vezes, não temos a menor ideia.
Antes de partir especificamente para o caso do BTG, me permita um
preâmbulo para explicar algumas questões sobre o nível de segurança do
sistema financeiro nacional hoje.
No Brasil, o
Banco Central
(BC) faz o monitoramento da teia de relacionamentos das instituições
financeiras para procurar métricas capazes de apontar o risco sistêmico.
Entre as várias ferramentas de que dispõe o departamento do BC encarregado de prever efeitos danosos ao
sistema financeiro
como um todo, um elemento importante é a relação de operações em bolsas
e interbancárias, que mostra as responsabilidades e riscos assumidos
pelos bancos entre si (o que um banco deve a outro).
Não posso deixar de mencionar também o Sistema de Informações de Crédito
(SCR), que é a central de risco de crédito do BC, que apura o
endividamento de empresas e famílias junto ao Sistema Financeiro
Nacional.
A intrincada teia de relacionamentos pode ser rastreada com boa
confiabilidade, diferentemente do que acontece em outros países, por
incrível que pareça, tendo em conta a quantidade descomunal de
informação privada que é compartilhada entre os bancos e o Banco
Central.
O que falta ao BC é a possibilidade de entender o que os controladores à
frente das instituições financeiras estão fazendo que pode ser
classificado como “fora do convencional”.
Essa preocupação havia fugido do radar por um tempo quando, em razão do
primeiro Acordo da Basiléia, o foco passou a ser a estrutura de capital
dos bancos. Resumidamente, a capacidade das instituições para absorver
perdas decorrentes de seus ativos.
Desvio de conduta era um tema fora de moda no âmbito dos fiscais
“modernos”. O bonito mesmo era falar sobre os modelos matemáticos de
gestão de risco de mercado e de
crédito.
Tal estado de coisas durou até que o Terceiro Milênio chegou com vasta
oferta de motivos para que eles se lembrassem de que existe o fator
governança, que deve ser observado muito de perto em suas atividades de
supervisão.
De forma geral, a situação de uma instituição financeira é muito frágil
em função do que se denomina alavancagem. Nos referimos a isso quando
queremos dizer, de maneira vulgar, que o banco trabalha com o dinheiro
dos outros.
Os
bancos de investimento
apresentam, em geral, baixa alavancagem, porque tendem a concentrar
seus negócios na compra e venda de empresas e em reestruturações
financeiras. O financiamento é utilizado muitas vezes para possibilitar
fusões ou posteriores vendas de firmas dos mais diversos segmentos.
Por outro lado, nos Estados Unidos, foi justamente a atuação dos reguladores que instaurou a gigantesca
crise
cujos frutos ainda estamos a digerir. Eles deixaram que ativos tóxicos
se espalhassem por todo o mercado e, quando lhes foi dada a
possibilidade de resgatar uma instituição, optaram por permitir a quebra
do banco de investimento Lehman Brothers, episódio que acendeu a
centelha que faltava para a crise.
Caso BTG
Feitas as observações, abordo agora o caso do BTG, que é registrado
junto ao BC como um banco múltiplo, mas com ênfase prioritária na
atividade de banco de investimento.
Começo pelo balanço de junho de 2015 (não usarei o de setembro em razão
de estar consolidado com o banco BSI, adquirido na Suíça), disponível no
BC, que apresentava um patrimônio líquido de 16,3 bilhões de reais. Em
junho de 2015, o banco captava recursos (funding) no mercado para fazer
suas operações de crédito por meio de diversas fontes, mas focarei
naquelas que mais diretamente afetam os clientes pessoa física:
Depósitos à vista: 385 milhões de reais;
Depósitos interfinanceiros: 903 milhões de reais;
Depósitos a prazo: 17.604 milhões de reais;
Vemos que os depósitos à vista e a prazo somavam 18 bilhões de reais,
montante cujos credores (depositantes) estão parcialmente sujeitos à
proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). O
FGC
é uma entidade mantida pelas próprias instituições financeiras com o
propósito de manter a segurança e solidez do sistema bancário. Logo na
sequência tratarei da estimativa que fiz sobre a parcela desses
depósitos que é protegida pelo FGC.
Por falar no FGC, na ocasião da
aquisição do banco Panamericano pelo BTG,
em 2011, foi concedida uma aplicação no banco, que foi feita com o
objetivo de dar mais liquidez ao BTG. Foi praticamente um brinde
concedido ao BTG, sem contar o fato de o Fundo ter permitido a
realização do financiamento em um prazo fora do convencional.
A aplicação foi realizada pela administradora do
Bradesco,
que cuida de um fundo exclusivo que tem apenas o FGC como cotista e
colocou na carteira um título do BTG, no montante de 5,7 bilhões de
reais, segundo informações divulgadas pela própria administradora. Em
outras palavras, o FGC (que era o único investidor desse fundo) fez um
depósito no valor de 5,7 bilhões de reais no BTG, com a intermediação,
exclusivamente operacional, do Bradesco.
Assim, o risco que o BTG traz ao FGC é, de cara, equivalente a quase 13%
do patrimônio total do Fundo Garantidor de Créditos. Mas não para por
aí.
Como o BTG tinha 18 bilhões de reais em depósitos, parte deste valor
está coberta pelo FGC. Lembro que os clientes que fizeram depósitos à
vista ou a prazo (ao comprar
CDBs,
por exemplo) no BTG - assim como ocorreria com qualquer outro banco -
contam com a garantia do FGC, que em caso de quebra da instituição
reembolsa aos clientes seus prejuízos até o limite de 250 mil reais.
Infelizmente, não podemos precisar qual é a parcela exata de depósitos à
vista e a prazo do BTG que contam com a garantia do FGC. Mas, ao
considerar os dados do FGC sobre o sistema bancário no geral, a garantia
do Fundo engloba 45% do valor total dos depósitos feitos em bancos
hoje. Assim, se os depósitos do BTG seguirem a mesma linha e 45% deles
estiverem dentro da cobertura do FGC, isso significa que um total de 8
bilhões de reais poderiam ter de ser reembolsados a clientes do BTG pelo
FGC.
Essa, no entanto, é apenas uma estimativa grosseira, porque a carteira
do BTG conta com clientes de maior porte do que aquela dos bancos de
varejo, assim, muitos deles possuem altos valores aplicados, o que reduz
a cobertura em relação ao total depositado. Como a garantia está
limitada a 250 mil reais, um banco de varejo tenderá a apresentar um
percentual de cobertura mais próximo dos 45% do saldo do que o BTG, que
tem uma clientela mais abastada e possui depósitos que podem superar o
limite de 250 mil reais.
Vale lembrar que uma das razões da existência do FGC é justamente
contornar possíveis impactos danosos que instituições financeiras possam
causar ao sistema. Isso quer dizer que está na essência do FGC socorrer
os bancos e, como consequência, solicitar novos aportes às instituições
para recompor seu patrimônio.
Competirá, portanto, às demais instituições financeiras repor os
recursos, como forma de manter ativa esta ferramenta de seguro de
depósitos.
Finalmente, destaco que a parcela de recursos investidos no BTG que não
está coberta pelo FGC pode causar impacto à própria carteira de fundos
de investimentos que têm papéis do banco nessa situação.
Podemos supor, com base na estimativa limite feita anteriormente, que
algo em torno de 10 bilhões de reais seriam suportados diretamente pelos
cotistas individuais, ou seja, pelos investidores pessoa físcia.
Conforme EXAME já informou, vários
fundos de investimento e
de pensão têm papeis do banco, sendo os principais alguns fundos do BB,
Caixa, Bradesco, Santander, HSBC, JP Morgan e, inclusive, do próprio
BTG.
Após os eventos ocorridos no final de novembro, a própria administradora
do BTG informou que retirou da carteira dos seus fundos os papéis
emitidos pelo BTG. Por falar nisso, o que se espera em uma situação
assim é que as demais administradoras também retirem ativos do BTG de
suas carteiras, assim o banco pode ter dificuldade de obter recursos. A
propósito,
o BTG colocou à venda o recém-adquirido banco suíço BSI com a finalidade de fazer caixa.
Pouco importa o perfil banco, mas sim sua teia de relacionamentos
Concluindo, muito mais do que o tipo de instituição financeira – se ela é
um grande banco de varejo ou um banco de investimentos - o que importa
para a estabilidade do sistema é a teia de relacionamentos, ou seja, o
quanto ela está conectada com as demais instituições.
No caso em questão, essa teia está muito ligada ao FGC. Mas, como o
Fundo pode sempre chamar seus participantes a fazerem aportes extras e o
volume que discutimos é compatível com a dimensão do FGC, não vejo
nenhum problema a esse respeito.
Sem abordar a governança do FGC, que acaba decidindo quem fica ou quem
sai do sistema (tema que daria um outro longo artigo), do ponto de vista
do
investidor pequeno e médio, portanto, as aplicações financeiras que não tenham títulos do BTG na carteira não serão afetadas.
Já aquelas que tiverem, podem sofrer redução no valor das cotas em
função da desvalorização dos papéis da instituição nesse momento e, em
último caso, podem enfrentar alguma perda no principal, equivalente ao
montante de recursos que o fundo estiver aplicando.
Essa segunda hipótese, no entanto, aconteceria apenas se o banco
sofresse demais com os acontecimentos e acabasse submetido a processo de
intervenção ou liquidação, sem que fosse desenhada uma solução de
mercado, como a venda do negócio (em geral, o controle é transferido
para outra grande instituição para que os clientes não tenham perdas).
Beto Veiga é doutor e mestre em Economia pela UnB, advogado
especialista em direito financeiro e professor de direito bancário,
autor do livro "Case com seu banco com separação de bens".