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Foto de arquivo pessoal
Para o
criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado de 11 políticos e
empresários investigados pela operação Lava Jato, o Brasil vive "sem a
menor dúvida" um momento de "criminalização da riqueza", em que a
Justiça tenta a "qualquer custo jogar a sociedade contra quem tem algum
tipo de poder".
Em entrevista
por telefone, sentado num banco à beira do rio Sena, em Paris, ele
critica uma "antecipação de culpa dos investigados" e se lembra do dia
em que se formou pela Universidade de Brasília, em 1981, quando ainda
não sonhava reunir três ex-presidentes, 70 governadores, dezenas de
ministros e "quase todos os maiores empresários brasileiros" em sua
lista de clientes.
"Fui
orador e 70% da minha fala foi sobre pessoas em presídios", diz, nos
arredores de seu apartamento na capital francesa. Na época, ele conta,
criticou a situação de "pretos, pobres e prostitutas" mantidos presos
sem julgamento ou depois de já terem cumprido pena.
Mais
de três décadas depois, Kakay, como é conhecido, se mostra espantado.
"Hoje temos os dois problemas: o daquele que não tem acesso ao
Judiciário e o dos que são penalizados por serem ricos."
Em
quase uma hora de conversa, o atual responsável pelas defesas de Edison
Lobão (PMDB-MA), Roseana Sarney (PMDB-MA), Aécio Neves (PSDB-MG),
Romero Jucá (PMDB-RR), Ciro Nogueira (PP-PI) e "outros que prefiro não
falar", todos citados nas investigações sobre corrupção na Petrobras,
critica as delações premiadas e atribui apostos como "contramão dos
direitos constitucionais de qualquer pais democrático", "caça às bruxas"
e "obscurantismo" à Justiça brasileira.
Kakay
também ganhou notoriedade no processo do mensalão petista, ao defender o
marqueteiro Duda Mendonça, responsável pelas campanhas presidenciais de
Lula em 2002 e 2006. Mendonça, então investigado por suposta
participação em desvios de dinheiro público, foi inocentado em 2012.
"Seus
clientes são todos inocentes?", pergunta a reportagem ao especialista
em Direito Penal, que comemora "99% de sucesso" nos casos em que atua.
"Não tenho a menor dúvida", diz. "Estão todos soltos e por isso estou em Paris."
'Naturalmente maldosas'
Há
duas semanas, enquanto bebia com amigos no restaurante carioca Jobi, no
bairro do Leblon (onde também mantém um apartamento), Kakay se
surpreendeu na hora de pagar a conta.
"Estava
paga por um grupo de 10 advogados que me disseram 'olha, só você faz um
enfrentamento contra esse povo aí da Lava Jato'".
Ele
afirma que "a advocacia não serve a covardes". "Sei que faço parte de
um grupo absolutamente minoritário, porque evidentemente esses caras (da
Lava Jato) viraram heróis. Agora, se tiver medo, teria que largar a
advocacia para plantar vinho", brinca.
Dono
de uma coleção de amigos e desafetos importantes, Kakay costuma ser
criticado por sua proximidade com clientes e membros de tribunais.
"O
médico tem amigos no hospital, o advogado tem amigos no tribunal. É
natural", diz. "Nunca confundi as coisas. Embora as pessoas pensem
diferente, porque são naturalmente maldosas, nunca conversei sobre
qualquer processo meu fora de tribunais."
Ele
conta que faz 25 palestras por ano e costuma discutir a postura de
promotores e policiais, que confundiriam advogado e cliente.
Kakay
exemplifica: "Veja bem, eu hoje mandei um torpedo para o pessoal do meu
escritório e pedi para me mandarem um telefone fixo. Por quê? Porque
meu plano em Paris diz que de fixo a fixo é de graça. No entanto, na
visão medíocre e mesquinha desses tiras hermeneutas, que são os
policiais que ficam ouvindo frequentemente as pessoas, e de parte do MP,
que tem uma visão tacanha, eles já falam: 'Pede para falar no fixo
porque vai tratar de algo criminoso'."
Por
diversas vezes, Kakay critica a atuação do juiz federal Sergio Moro e
do Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, dupla que protagoniza as
investigações da Lava Jato.
"As
pessoas estão se dando muita importância. Esses juízes que pensam que
são deuses, esses procuradores que pensam que são semideuses...", diz,
antes de citar o poeta Fernando Pessoa.
"Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?".
Procurada,
a Justiça Federal do Paraná afirmou, em nota, que "o juiz federal
Sergio Moro não irá se manifestar" sobre os comentários. A Procuradoria
Geral da República não respondeu aos questionamentos da reportagem.
'Quando vem a fragilidade, me ligam'
Simpático
e acessível – atendeu à reportagem no intervalo entre almoços com
clientes e embaixadores, corridas diárias ao longo do rio Sena e visitas
a vinícolas produtoras de champanhe –, Kakay revela o lado frágil e
inseguro dos poderosos.
"Eles podem ser pessoas importantes num momento específico, mas quando vem a fragilidade me ligam", diz.
"Pega
a Roseana (Sarney), por exemplo, nós ganhamos o caso dela. Mas até
ganhar tem todo um embate, um desgaste pessoal. O presidente Sarney me
liga e eu passo na casa dele no sábado às 20, às 22h, e converso com ele
por 2h. É claro que é trabalho, mas é um prazer também. São pessoas
interessantíssimas."
À BBC Brasil, ele conta que nas conversas de bastidores com poderosos é preciso ser "rigorosamente técnico".
"Quando
começa a falar sobre a investigação, quase todo político diz: 'Ah, é a
política, eu estou sendo perseguido'. Eu falo: 'Olha, aqui não tem
perseguição, é uma coisa técnica, você está sendo acusado disso, disso
ou daquilo'", diz.
O
criminalista conta que, recentemente, contratou dois novos advogados
para seu escritório em Brasília - agora são cinco no total.
"O
momento é de muito trabalho. Só na Lava Jato eu tenho 11 clientes,
entende? Eu gosto de fazer uma dedicação especial, pessoal, sou eu que
faço as reuniões, que faço as teses, que defendo, que converso. Além de
advogado, eu tento estar no dia a dia do cliente."
Novos
clientes da Lava Jato virão? "Quem sabe?", responde Kakay. "Pode ser
que apareça alguém a quem eu tenha interesse especial. Mas eu espero que
não."
Odebrecht e OAS
O advogado reitera durante toda a entrevista a importância do direito constitucional à presunção de inocência.
"Não
estou dizendo que não tenha que ser investigado, tem que ser", diz.
"Não admito que nenhum procurador, juiz ou quem quer que seja diga que
quer um país melhor do que o que eu quero".
Ele
reclama do longo período de detenção de acusados mais proeminentes da
Lava Jato detidos na penitenciária da Papuda. "Qual é o sentido de
manter o Marcelo Odebrecht preso por tanto tempo?", indaga o
criminalista, que também responde: "É um escárnio com a Constituição".
Sobre
o presidente da construtora Odebrecht (detido desde junho do ano
passado junto a executivos de outras empreiteiras, como Camargo Corrêa,
OAS e Queiroz Galvão) recaem acusações de formação de cartel para desvio
de dinheiro público.
Kakay afirma que "prisões antecipadas" não podem ser regra. "Isso é um mal economicamente também."
"Para
que quebrar estas empresas? Estes empresários são pessoas que
sustentaram o Brasil, fizeram a riqueza do país e têm relações com
políticos de todos os partidos importantes, sem exceção. Tornar essa
relação crime é o atraso do atraso".
O
criminalista também cita o empresário Leo Pinheiro, dono da construtora
OAS, que recorre em prisão domiciliar a uma condenação a 16 anos e 4
meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização
criminosa.
"Leo é uma pessoa
queridíssima, conversava com todos os partidos, PSDB, PT, PMDB. É um
grande empresário, principalmente figura humana, amigo de todo mundo no
Brasil", diz.
Anfitrião de festas disputadas em sua mansão de Brasília, Kakay se diz "vacinado" contra os críticos.
"Estou
em Paris, trabalhando e tomando meu champanhe. É a minha vida. Cada um
leva a sua como pode. E como quer. Eu levo a minha com toda a seriedade
possível."