Conglomerados de países emergentes e fundos de investimento
estão sondando usinas sucroalcooleiras com problemas financeiros no
Brasil interessados em fazer eventuais aquisições. A expectativa é de
que alguns desses negócios saiam neste ano, segundo fontes ligadas às
negociações. Os fundos avaliam uma incursão de curto prazo no segmento,
mas há grandes grupos com atuação em outros setores que estão mirando
investimentos de longo prazo diante do cenário de capacidade restrita de
produção de açúcar pelos próximos anos no mundo.
Entre esses
conglomerados estão o grupo Cevital, maior companhia privada da Argélia,
e o Fatima, um dos maiores grupos do Paquistão. Na lista de gestoras de
fundos e consultorias que vêm colhendo informações sobre usinas estão o
Amerra, o Proterra Investments Partners (que tem como um dos acionistas
a Cargill), o Castlelake e a RK Partners.
O Fatima está avaliando a
possibilidade de adquirir a usina Madhu, atualmente da indiana Renuka, e
ativos da espanhola Abengoa Bioenergia, que busca reestruturar sua
dívida desde o ano passado. O grupo paquistanês, que atua no setor
sucroalcooleiro em seu país, além de ter negócios de trading de
commodities, fertilizantes, têxteis, mineração e energia, já tem uma
relação comercial bastante próxima com a companhia indiana. Procurado, o
representante do grupo no Brasil não quis comentar.
A usina Madhu
deve passar por uma segunda tentativa de leilão judicial no próximo dia
23, mas até agora houve poucas consultas à base de informações que a
companhia disponibilizou sobre sua unidade. Segundo fonte ligada à
Renuka, é mais provável que os investidores interessados façam propostas
pela totalidade dos ativos da companhia indiana no Brasil depois do
leilão.
Com a Abengoa Bioenergia, a Fatima está em negociação e está
em análise a possibilidade de assunção de dívidas da espanhola.
Procurada, a Abengoa Bioenergia informou que tem ocorrido "levantamentos
de informações por parte de possíveis investidores e compradores", mas
"esclarece que até o momento não há nenhuma negociação concluída" e que,
por enquanto, continua com foco para moer 6 milhões de toneladas de
cana na próxima safra (2017/18).
Por sua vez, o grupo Cevital já
demonstrou interesse em companhias do setor, como a Usina São Fernando,
da família do empresário José Carlos Bumlai e que está em recuperação
judicial. A companhia argelina é dona da maior refinaria de açúcar do
mundo e atua em diversos segmentos do agronegócio, da indústria e do
setor automotivo em vários países da Ásia e da Europa. Procurado, o
representante do Cevital no Brasil preferiu não comentar.
Esse
apetite, porém, não é unânime. A Cofco Agri, controlada pela estatal
chinesa Cofco e que já tem quatro usinas em São Paulo, chegou a
prospectar negócios no ano passado, inclusive com a Renuka, mas desistiu
do negócio. Ao Valor, Marcelo Andrade, presidente global de açúcar da
Cofco Agri, disse que a empresa está focada em preencher com cana a
capacidade de suas usinas e que os preços atuais de venda dos ativos
estão "fora da realidade".
As mesmas usinas também estão sendo
cortejadas por fundos de investimento. O Proterra Investments Partners e
o Castlelake já assinaram acordo de confidencialidade para acessar a
base de dados a respeito da usina Madhu, o que significa que eles têm
interesse em dar lance no leilão, embora não seja uma garantia de que
isso ocorra.
O Proterra já fez sua primeira incursão no segmento em
2016, quando assumiu o Grupo Ruette, após a gestora de recursos Black
River acertar a aquisição em 2015. Já a entrada do Castlelake seria uma
novidade para o setor. Procurado, o Proterra não quis se manifestar,
enquanto representantes do Castlelake não retornaram os pedidos de
entrevista.
A brasileira RK Partners, que tem uma joint venture com a
Cerberus Capital Management (uma das maiores gestoras de private equity
do mundo) especializada em negócios com ativos "distressed"
(depreciados), entrou em contato com representantes da Renuka para
avaliar uma possível aquisição de ativos.
O Amerra é outro fundo que
desde 2016 tem indicado interesse em aquisição no Brasil. O alvo é a
Usina São Fernando. Contudo, as tratativas encontraram uma barreira
desde que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) suspendeu a
assembleia de credores da usina.
Preço dos ativos é fator de atração
O interesse de novos investidores em usinas sucroalcooleiras do país pode levar a um aumento nas operações de fusão e aquisição no setor
neste ano em relação a 2016, mas a falta de oferta de cana-de-açúcar,
decorrente dos baixos investimentos nas lavouras nos últimos anos, pode
limitar o valor das transações.
‘Há uns cinco ou seis negócios para sair neste ano’, avalia Luis
Felipe Trindade, diretor de finanças corporativas da consultoria
Czarnikow.
A persistência das dificuldades financeiras de algumas usinas tornou
seus ativos ‘baratos’ para potenciais interessados, principalmente
diante da falta de investimentos para expandir a capacidade de produção
no mundo, em um mercado em que a demanda cresce a um ritmo constante de
1% a 2% ao ano.
No ano passado, o valor dos ativos negociados foi bem menor do que no
‘boom’ do início da década. Estudo realizado a pedido do Valor pela
consultoria EXM Partners indica que o valor das aquisições fechadas em
2016 por tonelada de cana que a usina é capaz de moer ficou entre R$
62,70 e R$ 229,49, ou US$ 19,10 a US$ 67,90.
Nada comparado aos níveis de 2010, segundo Ângelo Guera Netto, sócio
da EXM. ‘Aquela euforia fez com que negócios fossem fechados a US$ 116
por tonelada. Por mais que se recuperem negócios agora, não voltaremos
ao mesmo patamar’, diz. Ele avalia que o valor dos próximos negócios
pode ir a US$ 75 por tonelada de capacidade instalada. Segundo Netto, os
fundos, que têm visão de curto prazo, estão avaliando aquisições ‘com
um prazo de saída de uns três anos, a um preço de US$ 85 a tonelada’.
Há no mercado, contudo, quem acredite que os negócios não deverão
superar os US$ 60 a tonelada, já que muitas usinas à procura de
compradores – mesmo com um bom potencial de moagem – não têm oferta de
cana suficiente para garantir níveis ‘satisfatórios’ de produção de
açúcar e etanol. Além disso, as incertezas políticas e a falta de
crédito ‘devem manter os preços do ativos baixos’, avalia Netto.
Trindade, da Czarnikow, diz que há uma pressão crescente para que os
negócios com usinas com alto passivo financeiro sejam feitos com deságio
na dívida. ‘A transação típica é assumir a dívida, o que pode incorrer
em ‘haircut’, enquanto o capital é mais direcionado ao próprio negócio,
em linhas de capital de giro’.
A maior parte dos negócios no ano passado ocorreu por meio de leilões
judiciais ou pela decisão da Petrobras de sair do segmento para focar
em petróleo.
Encaixam-se no primeiro caso as aquisições das usinas da Infinity
Bioenergia pelas gestoras de fundos americanas Amerra e Carval e a
compra de uma unidade da Unialco pela trading suíça Glencore. No caso
das vendas feitas pela Petrobras, houve a alienação da participação na
Nova Fronteira à São Martinho e da participação na Guarani à francesa
Tereos.
O único negócio que fugiu a essa tônica foi a saída da Americana ADM
da usina em Limeira do Oeste (MG). A unidade foi vendida para a JFLim
Participações, de um fundo gerido pela BRL Trust Investimentos, a um
valor não revelado
(Assessoria de Comunicação, 16/1/17)
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