Depois de 30 anos advogando, Antônio Amaral Maia
decidiu criar uma empresa que oferece serviço jurídico e novas
tecnologias. A iniciativa foi testada por conta própria, depois que ele
decidiu trocar o sistema de acompanhamento de processos do seu
escritório.
Utilizando até então um aplicativo generalista de gestão de documentos, o Evernote, Maia adaptou-o para uso nas suas tarefas diárias, envolvendo casos ligados à infraestrutura, em contratos com a administração pública. A partir daí começou o trabalho da Tikal Tech, que nasceu em 2015 e hoje fornece outros serviços.
Maia critica duramente o papel que a Ordem dos Advogados do Brasil faz como reguladora: “A OAB não permite que o advogado empreenda. São as restrições que empobrecem a classe, que impedem que o profissional barateie o serviço dele contra a tabela para ganhar escala e ganhar mais dinheiro”, afirma.
Ele também defende a liberdade de contratação entre o advogado e seus clientes. “Sempre se teve uma vergonha de tratar o direito como negócio, na profissão. Mas o Direito é um negócio, tem dinheiro envolvido, prestação de serviço.” Para o advogado, tabelar honorários equivale a orquestrar preço. “A GM pode combinar preço com a Ford? Não. E por que nós podemos combinar preço? Há a necessidade de se caminhar para isso, em se ter essa liberdade.”
Antônio Amaral Maia é advogado há 30 anos, sócio-fundador do Amaral Maia Sociedade de Advogados e um dos sócios da Tikal Tech com Erica Motta, Derek Oedenkoven e Fernando Freitas Alves. Escreve o blog Advogado do Futuro, sobre Legal Services e Legal Tech.
As atividades da empresa incluem o robô ELI, que automatiza tarefas e cálculos: quando o advogado cadastra nomes de clientes no ELI ICMS Energia, por exemplo, a ferramenta busca contas de energia elétrica em nome dos consumidores, calcula eventuais tributações indevidas e gera já uma petição inicial com as principais informações, inclusive com valores corrigidos com base na inflação.
Há também o LegalNote, plataforma digital de acompanhamento processual por celular, tablet ou notebook, hoje com mais de 92 mil usuários. Já o Diligeiro ajuda a buscar contratação de correspondentes jurídicos por meio da descrição da demanda, com localização por GPS – são 28.657 disponíveis na plataforma para cumprir diligências.
Confira a entrevista:
ConJur — Como o senhor avalia o cenário dos escritórios de advocacia hoje em dia?
Amaral Maia — Falta o espírito empreendedor nos escritórios e todo o uso de tecnologia, como novas maneiras de cobrar honorários. Falta espírito empreendedor para oferecer serviços empacotados de maneira diferente, precificados de maneira diferente, em que de alguma forma esteja um pouquinho mais voltado ao risco da atividade do cliente. O problema é os advogados não serem empreendedores: essa é a grande âncora que amarra a nossa carreira e é infelizmente o que dá força a esse discurso retrógrado da OAB, essa pouca familiaridade dos advogados em geral a assumir mais riscos. Tudo isso impede que eu mude a minha maneira de trabalhar e impede que eu combine várias disciplinas na prestação de serviços.
ConJur — O fenômeno das startups ligadas ao Direito esbarra em entendimentos da OAB?
Antonio Amaral Maia — O advogado pode lançar mão de qualquer novidade tecnológica, de qualquer software na condição de sua atividade, ele é o soberano de como vai conduzir a solução para aquele determinado problema. A Tikal sempre soube muito bem o que estava fazendo. Existem alguns advogados que consultam a OAB quando vão contratar o ELI. A pessoa vai lá e fala "estou em vias de contratar esse robô e eu queria saber se vou estar de acordo com a ética"; o Tribunal de Ética libera.
ConJur — Então não existe controvérsia?
Antonio Amaral Maia — Tem algumas startups que fazem um tipo de contratação muito parecida com leilão. O advogado interage com a plataforma, dando lances. É o chamado leilão reverso, em função daquele serviço. E a OAB acha que isso avilta os honorários, e esse tipo de empresa é processada. A Ordem usa a ação civil pública para proteção dos advogados, vai na Justiça para tentar derrubar essas empresas. Mas aí acontece uma coisa bem interessante: quando a empresa é legítima, mesmo a OAB não pode fazer nada contra ela. O comportamento ético é do advogado, não do empresário. O empresário não está sujeito ao Código de Ética da OAB, ninguém está, só o advogado. Então a Ordem não pode alegar violação ética para fechar startup. Principalmente se ela não puniu eticamente os advogados que usam aquela startup.
ConJur — Os advogados dessas startups estão sendo punidos?
Antonio Amaral Maia — Não, não. As empresas que foram punidas nem têm advogados como donos. O que acontece? Alguns advogados usam a startup ou outra estrutura empresarial para driblar os impedimentos éticos. Isso é mais com modelos de negócio tipo aquelas associações de mutuários, de quem briga com construtora. Você sabe que tem várias pessoas com problema de financiamento de imóveis, mas não pode acessar essas pessoas porque o advogado tem que ter uma publicidade passiva. Então certos profissionais criam uma associação de mutuários, disfarçam os honorários de contribuição associativa e captam no escritório um serviço que veio da associação. Aí claramente a associação é dissolvida. Mas não porque a associação comete falta ética, mas porque o objeto social dela é ilícito: mascarar uma conduta vetada eticamente. A OAB só consegue derrubar uma empresa quando a empresa é usada por algum advogado para burlar uma proibição ética. O advogado em si, usando tecnologia, não infringe regra nenhuma.
ConJur — Com essa oferta de serviços, advogados poderiam ser mais agressivos na publicidade?
Antonio Amaral Maia — A Ordem dos Advogados do Brasil tem uma posição estranha em relação a isso: nossa classe é vista como se fôssemos artesãos, como se trabalhássemos numa oficina qualquer em que falar de dinheiro é até feio. Sempre se teve uma vergonha de tratar o Direito como negócio, na profissão. Mas o Direito é um negócio, tem dinheiro envolvido, prestação de serviço. Se você não cobra os seus honorários a Ordem teoricamente pode até te punir por falta ética. Por isso há a necessidade de se caminhar para se ter essa liberdade, porque normalmente a regulação muito dura da OAB pune basicamente os advogados mais pobres e os advogados em começo de carreira.
ConJur — São os que mais precisam de publicidade, aparecer.
Antonio Amaral Maia — Basicamente, a OAB impede a concorrência de outros profissionais com os advogados, externamente. Internamente, impedir a concorrência dos mais novos contra os mais velhos. Então a Ordem vive brigando com contador, vive brigando com auditor, vive tentando passar lei para colocar mediação como ato privativo de advogado, ou mesmo querer colocar as startups como exercício ilegal de profissão, ampliar a ideia de conceito jurídico para poder punir as startups ou ameaçá-las de punição criminal.
A entidade tenta controlar esse tipo de concorrência institucionalmente. Quando se impede que o advogado trate a profissão dele como um negócio, coloca-se menos dinheiro no mercado; quando tem menos dinheiro no mercado vende-se menos tecnologia, então nesse sentido nos prejudica. São as restrições que empobrecem a classe, são essas restrições que impedem que o profissional barateie o serviço dele contra a tabela para ganhar escala e ganhar mais dinheiro. Entende? É a OAB que não deixa que ele empreenda...
ConJur – E quanto à estipulação de valores de honorários?
Antonio Amaral Maia — Deveríamos tratar os honorários como preço do serviço por uma atividade profissional regulamentada e organizada. A advocacia ficaria sujeita às leis do mercado. A justificativa de que o problema é o excesso de advogado no Brasil é uma besteira, argumento para justificar nossos problemas. Esse tipo de paternalismo normalmente dá com os burros n’água, porque não adianta passar uma tabela se ninguém cumpre… Até porque o cliente também não está obrigado pela tabela. O cliente não comete falta ética, e o cliente não existe para respeitar a dignidade da advocacia. Na minha opinião, só é digno o advogado que cumpre a sua função social.
ConJur — A tabela não deveria existir, na sua opinião?
Antonio Amaral Maia — Não deveria existir, até porque a tabela mesma é questionada. Existe mais de um processo administrativo no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] questionando a medida. Porque é orquestração de preço, nós somos um mercado relevante. A GM pode combinar preço com a Ford? Não. E por que nós podemos combinar preço? É inaceitável! Os planos de saúde já derrubaram as tabelas médicas há muito tempo. No fundo quem sofre os efeitos da tabela é a população mais pobre e desassistida.
O novo Código de Ética estabeleceu a falta ética por não obedecer a tabela. E aí o Tribunal de Ética fica naquela situação: toda hora tem que analisar a conduta de advogados, com base no contexto.
ConJur — Como o senhor começou a empreender?
Antonio Amaral Maia — A iniciativa nasceu dentro do meu escritório. Quando decidi trocar o meu sistema de acompanhamento de processos, concluí que nenhum dos que existiam, ou pelo menos dos que eu conhecia na época, eram bons. Aí eu resolvi utilizar o Evernote, um aplicativo generalista de gestão de documentos, e adaptar para uso do escritório de advocacia. Foi um projeto muito interessante, custou perto de R$ 7,5 mil, um custo ridículo perto do que a gente tinha feito.
ConJur — Como era esse aplicativo?
Antonio Amaral Maia — No finzinho de 2014 a gente trabalhou muito na ideia e apareceu um nome, que foi o LegalNote, a empresa inteira era para chamar LegalNote. No ano seguinte já tínhamos um lema, de que ela seria o “escritório no bolso”. Eu queria que as pessoas fizessem tudo pelo celular. O "produto mínimo viável" seria pegar os processos do site do tribunal pelo CNPJ e o aplicativo baixava tudo para o Evernote, abria uma nota ali e enviava uma notificação para o usuário, passando a pegar todos os andamentos a partir de então.
ConJur — O que tem de diferente nesses aplicativos em relação aos sistemas de consulta processual oficiais dos tribunais?
Antonio Amaral Maia — O que é “J Intimação”? As pessoas não sabem, porque aquela informação do site do tribunal não é feita para que as pessoas entendam, ela é feita para guiar a atuação do cartorário. Na verdade a Justiça é o povo. Então era preciso fazer um sistema que explicasse o negócio. Nós temos o dever moral de simplificar esse acesso, por mais que seja um negócio.
ConJur — Mas se alguém se cadastra no seu aplicativo, consegue acesso a informações de terceiros? E terceiros podem conseguir minhas informações? Não é perigoso?
Antonio Amaral Maia — É um ponto sensível, a Tikal já sofreu processo por isso, mais de uma vez, mas fomos vitoriosos em todos. Se você entrar no meu site com o nome pode ser que encontre informações, mas não é tão simples. A gente vai questionar ‘com quem você litiga?’, ‘quais são os nomes das partes?’. Não contribuímos com a indústria nefasta da lista negra e muito menos admitimos que uma empresa nos contrate para fazer lista negra. Os robôs da Tikal trabalham só com as informações permitidas: número do processo e nome das partes, só, nós não cruzamos outras informações. Mas como indexamos as nossas intimações em mais ou menos 360 mil intimações por dia, temos uma política: se a pessoa reclamar, a gente desindexa a página na hora.
Quando o ELI foi criado, fomos ao mercado, começamos a oferecer para alguns advogados para que eles nos relatassem seus problemas e suas necessidades e nos ajudassem a desenvolver teses que pudessem ser automatizadas. Hoje, o advogado procura a Tikal e fala o problema que ele quer resolver.
ConJur — O que faz o ELI?
Antonio Amaral Maia — A partir do que o cliente necessita, a gente monta o robô, desde que envolva automação de documentos e a inteligência gerando a classificação. O robô combina uma dessas habilidades para resolver um problema específico do cliente. O ELI busca informações em outros sites e classifica os processos e documentos. Ele pode, por exemplo, ir no site da CPFL, baixar 60 contas, ler e cadastrar e extrair informações sobre o ICMS dessas contas. E gerar uma planilha e uma petição.
ConJur — O senhor disse que a empresa é procurada por advogados. O profissional da área quer compartilhar o conhecimento que tem?
Antonio Amaral Maia — Quer. O que limita o advogado a pegar novos clientes? Ele está limitado pela clientela. E a ampliação da clientela é limitada geograficamente. É o seguinte: se minha tese é nacional, mas meus clientes estão em Goiás, não vou pegar nenhum cliente no Rio Grande do Norte, no Pará. Por isso faz sentido que eu disponibilize isso. Se a tese é nacional e eu não tenho condições de trabalhar nela de maneira nacional, vou licenciar minha tese para outros escritórios e aí a gente reparte o lucro.
ConJur — Os sistemas processuais dos tribunais causam algum obstáculo?
Antonio Amaral Maia — É uma missão hercúlea, até hoje não terminada e ninguém vai terminar nunca, porque é uma enxugação de gelo, que é fazer os robozinhos funcionarem em todos os 27 tribunais de Justiça. Cada estado tem um sistema diferente. Quantos sistemas são ao todo? Uma coisa de 60, 70 sistemas. Cada um é de um jeito, às vezes o estado do Tribunal de Justiça é de um jeito e o Juizado Especial é de outro. Às vezes, não. Na Justiça Federal são diferentes. Na Justiça do Trabalho tem os captchas [sistemas de verificação para acesso aos bancos de dados], um grande desserviço que os tribunais prestam.
ConJur — Como tribunais podem usar os serviços de automação para organização e estratégia?
Amaral Maia — O problema de se atacar acervo é que não existe tecnologia isenta. Se crio um algoritmo para atacar um acervo, quem programar esse algoritmo vai ter a palavra final. Nos Estados Unidos essa discussão é presente, eu tenho o software que avalia reincidência e a possibilidade de se soltar um preso. Isso é uma coisa grave para um tribunal deixar na mão de um software, porque o robô em si vai refletir os vieses que quem o programou tiver.
ConJur — Então de que maneira a inteligência artificial pode ser útil para os serviços públicos do Estado?
Antonio Amaral Maia — Permitir a rápida classificação dos litígios é uma prática isenta: criar os chamados clusters, classificando rapidamente todas as ações e permitindo que o juiz escolha a solução que vai dar naquele lote de ações conexas. O juiz poderia automatizar um sistema de classificação, e não propriamente um sistema de inteligência artificial, na montagem das respostas. Isso já seria um grande avanço.
Utilizando até então um aplicativo generalista de gestão de documentos, o Evernote, Maia adaptou-o para uso nas suas tarefas diárias, envolvendo casos ligados à infraestrutura, em contratos com a administração pública. A partir daí começou o trabalho da Tikal Tech, que nasceu em 2015 e hoje fornece outros serviços.
Maia critica duramente o papel que a Ordem dos Advogados do Brasil faz como reguladora: “A OAB não permite que o advogado empreenda. São as restrições que empobrecem a classe, que impedem que o profissional barateie o serviço dele contra a tabela para ganhar escala e ganhar mais dinheiro”, afirma.
Ele também defende a liberdade de contratação entre o advogado e seus clientes. “Sempre se teve uma vergonha de tratar o direito como negócio, na profissão. Mas o Direito é um negócio, tem dinheiro envolvido, prestação de serviço.” Para o advogado, tabelar honorários equivale a orquestrar preço. “A GM pode combinar preço com a Ford? Não. E por que nós podemos combinar preço? Há a necessidade de se caminhar para isso, em se ter essa liberdade.”
Antônio Amaral Maia é advogado há 30 anos, sócio-fundador do Amaral Maia Sociedade de Advogados e um dos sócios da Tikal Tech com Erica Motta, Derek Oedenkoven e Fernando Freitas Alves. Escreve o blog Advogado do Futuro, sobre Legal Services e Legal Tech.
As atividades da empresa incluem o robô ELI, que automatiza tarefas e cálculos: quando o advogado cadastra nomes de clientes no ELI ICMS Energia, por exemplo, a ferramenta busca contas de energia elétrica em nome dos consumidores, calcula eventuais tributações indevidas e gera já uma petição inicial com as principais informações, inclusive com valores corrigidos com base na inflação.
Há também o LegalNote, plataforma digital de acompanhamento processual por celular, tablet ou notebook, hoje com mais de 92 mil usuários. Já o Diligeiro ajuda a buscar contratação de correspondentes jurídicos por meio da descrição da demanda, com localização por GPS – são 28.657 disponíveis na plataforma para cumprir diligências.
Confira a entrevista:
ConJur — Como o senhor avalia o cenário dos escritórios de advocacia hoje em dia?
Amaral Maia — Falta o espírito empreendedor nos escritórios e todo o uso de tecnologia, como novas maneiras de cobrar honorários. Falta espírito empreendedor para oferecer serviços empacotados de maneira diferente, precificados de maneira diferente, em que de alguma forma esteja um pouquinho mais voltado ao risco da atividade do cliente. O problema é os advogados não serem empreendedores: essa é a grande âncora que amarra a nossa carreira e é infelizmente o que dá força a esse discurso retrógrado da OAB, essa pouca familiaridade dos advogados em geral a assumir mais riscos. Tudo isso impede que eu mude a minha maneira de trabalhar e impede que eu combine várias disciplinas na prestação de serviços.
ConJur — O fenômeno das startups ligadas ao Direito esbarra em entendimentos da OAB?
Antonio Amaral Maia — O advogado pode lançar mão de qualquer novidade tecnológica, de qualquer software na condição de sua atividade, ele é o soberano de como vai conduzir a solução para aquele determinado problema. A Tikal sempre soube muito bem o que estava fazendo. Existem alguns advogados que consultam a OAB quando vão contratar o ELI. A pessoa vai lá e fala "estou em vias de contratar esse robô e eu queria saber se vou estar de acordo com a ética"; o Tribunal de Ética libera.
ConJur — Então não existe controvérsia?
Antonio Amaral Maia — Tem algumas startups que fazem um tipo de contratação muito parecida com leilão. O advogado interage com a plataforma, dando lances. É o chamado leilão reverso, em função daquele serviço. E a OAB acha que isso avilta os honorários, e esse tipo de empresa é processada. A Ordem usa a ação civil pública para proteção dos advogados, vai na Justiça para tentar derrubar essas empresas. Mas aí acontece uma coisa bem interessante: quando a empresa é legítima, mesmo a OAB não pode fazer nada contra ela. O comportamento ético é do advogado, não do empresário. O empresário não está sujeito ao Código de Ética da OAB, ninguém está, só o advogado. Então a Ordem não pode alegar violação ética para fechar startup. Principalmente se ela não puniu eticamente os advogados que usam aquela startup.
ConJur — Os advogados dessas startups estão sendo punidos?
Antonio Amaral Maia — Não, não. As empresas que foram punidas nem têm advogados como donos. O que acontece? Alguns advogados usam a startup ou outra estrutura empresarial para driblar os impedimentos éticos. Isso é mais com modelos de negócio tipo aquelas associações de mutuários, de quem briga com construtora. Você sabe que tem várias pessoas com problema de financiamento de imóveis, mas não pode acessar essas pessoas porque o advogado tem que ter uma publicidade passiva. Então certos profissionais criam uma associação de mutuários, disfarçam os honorários de contribuição associativa e captam no escritório um serviço que veio da associação. Aí claramente a associação é dissolvida. Mas não porque a associação comete falta ética, mas porque o objeto social dela é ilícito: mascarar uma conduta vetada eticamente. A OAB só consegue derrubar uma empresa quando a empresa é usada por algum advogado para burlar uma proibição ética. O advogado em si, usando tecnologia, não infringe regra nenhuma.
ConJur — Com essa oferta de serviços, advogados poderiam ser mais agressivos na publicidade?
Antonio Amaral Maia — A Ordem dos Advogados do Brasil tem uma posição estranha em relação a isso: nossa classe é vista como se fôssemos artesãos, como se trabalhássemos numa oficina qualquer em que falar de dinheiro é até feio. Sempre se teve uma vergonha de tratar o Direito como negócio, na profissão. Mas o Direito é um negócio, tem dinheiro envolvido, prestação de serviço. Se você não cobra os seus honorários a Ordem teoricamente pode até te punir por falta ética. Por isso há a necessidade de se caminhar para se ter essa liberdade, porque normalmente a regulação muito dura da OAB pune basicamente os advogados mais pobres e os advogados em começo de carreira.
ConJur — São os que mais precisam de publicidade, aparecer.
Antonio Amaral Maia — Basicamente, a OAB impede a concorrência de outros profissionais com os advogados, externamente. Internamente, impedir a concorrência dos mais novos contra os mais velhos. Então a Ordem vive brigando com contador, vive brigando com auditor, vive tentando passar lei para colocar mediação como ato privativo de advogado, ou mesmo querer colocar as startups como exercício ilegal de profissão, ampliar a ideia de conceito jurídico para poder punir as startups ou ameaçá-las de punição criminal.
A entidade tenta controlar esse tipo de concorrência institucionalmente. Quando se impede que o advogado trate a profissão dele como um negócio, coloca-se menos dinheiro no mercado; quando tem menos dinheiro no mercado vende-se menos tecnologia, então nesse sentido nos prejudica. São as restrições que empobrecem a classe, são essas restrições que impedem que o profissional barateie o serviço dele contra a tabela para ganhar escala e ganhar mais dinheiro. Entende? É a OAB que não deixa que ele empreenda...
ConJur – E quanto à estipulação de valores de honorários?
Antonio Amaral Maia — Deveríamos tratar os honorários como preço do serviço por uma atividade profissional regulamentada e organizada. A advocacia ficaria sujeita às leis do mercado. A justificativa de que o problema é o excesso de advogado no Brasil é uma besteira, argumento para justificar nossos problemas. Esse tipo de paternalismo normalmente dá com os burros n’água, porque não adianta passar uma tabela se ninguém cumpre… Até porque o cliente também não está obrigado pela tabela. O cliente não comete falta ética, e o cliente não existe para respeitar a dignidade da advocacia. Na minha opinião, só é digno o advogado que cumpre a sua função social.
ConJur — A tabela não deveria existir, na sua opinião?
Antonio Amaral Maia — Não deveria existir, até porque a tabela mesma é questionada. Existe mais de um processo administrativo no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] questionando a medida. Porque é orquestração de preço, nós somos um mercado relevante. A GM pode combinar preço com a Ford? Não. E por que nós podemos combinar preço? É inaceitável! Os planos de saúde já derrubaram as tabelas médicas há muito tempo. No fundo quem sofre os efeitos da tabela é a população mais pobre e desassistida.
O novo Código de Ética estabeleceu a falta ética por não obedecer a tabela. E aí o Tribunal de Ética fica naquela situação: toda hora tem que analisar a conduta de advogados, com base no contexto.
ConJur — Como o senhor começou a empreender?
Antonio Amaral Maia — A iniciativa nasceu dentro do meu escritório. Quando decidi trocar o meu sistema de acompanhamento de processos, concluí que nenhum dos que existiam, ou pelo menos dos que eu conhecia na época, eram bons. Aí eu resolvi utilizar o Evernote, um aplicativo generalista de gestão de documentos, e adaptar para uso do escritório de advocacia. Foi um projeto muito interessante, custou perto de R$ 7,5 mil, um custo ridículo perto do que a gente tinha feito.
ConJur — Como era esse aplicativo?
Antonio Amaral Maia — No finzinho de 2014 a gente trabalhou muito na ideia e apareceu um nome, que foi o LegalNote, a empresa inteira era para chamar LegalNote. No ano seguinte já tínhamos um lema, de que ela seria o “escritório no bolso”. Eu queria que as pessoas fizessem tudo pelo celular. O "produto mínimo viável" seria pegar os processos do site do tribunal pelo CNPJ e o aplicativo baixava tudo para o Evernote, abria uma nota ali e enviava uma notificação para o usuário, passando a pegar todos os andamentos a partir de então.
ConJur — O que tem de diferente nesses aplicativos em relação aos sistemas de consulta processual oficiais dos tribunais?
Antonio Amaral Maia — O que é “J Intimação”? As pessoas não sabem, porque aquela informação do site do tribunal não é feita para que as pessoas entendam, ela é feita para guiar a atuação do cartorário. Na verdade a Justiça é o povo. Então era preciso fazer um sistema que explicasse o negócio. Nós temos o dever moral de simplificar esse acesso, por mais que seja um negócio.
ConJur — Mas se alguém se cadastra no seu aplicativo, consegue acesso a informações de terceiros? E terceiros podem conseguir minhas informações? Não é perigoso?
Antonio Amaral Maia — É um ponto sensível, a Tikal já sofreu processo por isso, mais de uma vez, mas fomos vitoriosos em todos. Se você entrar no meu site com o nome pode ser que encontre informações, mas não é tão simples. A gente vai questionar ‘com quem você litiga?’, ‘quais são os nomes das partes?’. Não contribuímos com a indústria nefasta da lista negra e muito menos admitimos que uma empresa nos contrate para fazer lista negra. Os robôs da Tikal trabalham só com as informações permitidas: número do processo e nome das partes, só, nós não cruzamos outras informações. Mas como indexamos as nossas intimações em mais ou menos 360 mil intimações por dia, temos uma política: se a pessoa reclamar, a gente desindexa a página na hora.
Quando o ELI foi criado, fomos ao mercado, começamos a oferecer para alguns advogados para que eles nos relatassem seus problemas e suas necessidades e nos ajudassem a desenvolver teses que pudessem ser automatizadas. Hoje, o advogado procura a Tikal e fala o problema que ele quer resolver.
ConJur — O que faz o ELI?
Antonio Amaral Maia — A partir do que o cliente necessita, a gente monta o robô, desde que envolva automação de documentos e a inteligência gerando a classificação. O robô combina uma dessas habilidades para resolver um problema específico do cliente. O ELI busca informações em outros sites e classifica os processos e documentos. Ele pode, por exemplo, ir no site da CPFL, baixar 60 contas, ler e cadastrar e extrair informações sobre o ICMS dessas contas. E gerar uma planilha e uma petição.
ConJur — O senhor disse que a empresa é procurada por advogados. O profissional da área quer compartilhar o conhecimento que tem?
Antonio Amaral Maia — Quer. O que limita o advogado a pegar novos clientes? Ele está limitado pela clientela. E a ampliação da clientela é limitada geograficamente. É o seguinte: se minha tese é nacional, mas meus clientes estão em Goiás, não vou pegar nenhum cliente no Rio Grande do Norte, no Pará. Por isso faz sentido que eu disponibilize isso. Se a tese é nacional e eu não tenho condições de trabalhar nela de maneira nacional, vou licenciar minha tese para outros escritórios e aí a gente reparte o lucro.
ConJur — Os sistemas processuais dos tribunais causam algum obstáculo?
Antonio Amaral Maia — É uma missão hercúlea, até hoje não terminada e ninguém vai terminar nunca, porque é uma enxugação de gelo, que é fazer os robozinhos funcionarem em todos os 27 tribunais de Justiça. Cada estado tem um sistema diferente. Quantos sistemas são ao todo? Uma coisa de 60, 70 sistemas. Cada um é de um jeito, às vezes o estado do Tribunal de Justiça é de um jeito e o Juizado Especial é de outro. Às vezes, não. Na Justiça Federal são diferentes. Na Justiça do Trabalho tem os captchas [sistemas de verificação para acesso aos bancos de dados], um grande desserviço que os tribunais prestam.
ConJur — Como tribunais podem usar os serviços de automação para organização e estratégia?
Amaral Maia — O problema de se atacar acervo é que não existe tecnologia isenta. Se crio um algoritmo para atacar um acervo, quem programar esse algoritmo vai ter a palavra final. Nos Estados Unidos essa discussão é presente, eu tenho o software que avalia reincidência e a possibilidade de se soltar um preso. Isso é uma coisa grave para um tribunal deixar na mão de um software, porque o robô em si vai refletir os vieses que quem o programou tiver.
ConJur — Então de que maneira a inteligência artificial pode ser útil para os serviços públicos do Estado?
Antonio Amaral Maia — Permitir a rápida classificação dos litígios é uma prática isenta: criar os chamados clusters, classificando rapidamente todas as ações e permitindo que o juiz escolha a solução que vai dar naquele lote de ações conexas. O juiz poderia automatizar um sistema de classificação, e não propriamente um sistema de inteligência artificial, na montagem das respostas. Isso já seria um grande avanço.
Thiago Crepaldi é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 17 de junho de 2018, 10h10
https://www.conjur.com.br/2018-jun-17/entrevista-antonio-amaral-maia-advogado-socio-tikal-tech