Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Quem não conhece as duas adaptações para o cinema do livro infantil de 1964 A Fantástica Fábrica de Chocolate?
As aventuras de Charlie Bucket na incrível fabrica de Willy Wonka,
porém, passam longe de ser tão inventivas quanto o maior antro de
criatividade extravagante, a mais fantástica fábrica que existe no
Brasil: o nosso jornalismo. Só que o produto não é o delicioso derivado
do cacau. Ela fabrica polêmicas.
A imprensa vive em um universo paralelo a
criar polêmicas onde não existem, substituindo-se à sociedade e aos
fatos no seu papel de gerar as pautas. Não é preciso mais cobrir ou
discutir o que existe; é mais fácil inventar. Isso parte das pequenas
coisas, como escândalos de celebridades ou bobagens ditas em programas
de auditório dominicais.
“Fala de Fulano no Domingão do Faustão
cria polêmica”, diz a manchete. Às vezes, a tal polêmica é uma meia
dúzia de comentários no Instagram, mas aquilo gera uma grande pauta
social a ser repercutida e devassada. Na “sociedade do espetáculo” –
expressão de Guy Debord, um dos inspiradores do movimento esquerdista de
maio de 68 na França, mas que nem por isso deve ser imediatamente
descartada -, é o que importa.
Muito que bem, que remédio… Contudo, às
vezes a coisa é mais grave. Nem se está falando aqui de mentiras
deslavadas. Elas também acontecem, e vindo justamente de quem hoje se
diz insurgente contra as “Fake News”. Foi o caso, esta semana, de
manchetes dos jornais O Globo e Extra noticiando o
assassinato de uma jovem de 17 anos no Rio porque ela “reagiu ao
assalto”. Uma farsa midiática conveniente para dar suporte a uma agenda
vitimista e desarmamentista, indo ao cúmulo de responsabilizar a vítima,
quando o que sabemos é que a jovem demorou a desbloquear seu aparelho
celular para entregá-lo ao criminoso.
Não é esse o ponto. Muitas vezes os
fatos são reais, o mote é verdadeiro, mas cria-se sobre eles um
espetáculo circense de dúvida e discussão onde o que existe no seio
social é a ampla concordância em torno de um ponto de vista que
desagrada aos “intelectuais” da redação do jornal e, por isso,
julgando-se representantes de um colossal segmento da opinião pública,
pintam um cenário de profunda divisão e cizânia da sociedade – quando o
único duelo significativo existente é o travado entre o seu mundinho de
cristal, mantido entre as quatro paredes do escritório, e a “certeza
opressora” do povo do lado de fora.
O exemplo mais recente foi a história de
Kátia da Silva Saustre, uma policial militar de folga que, nos
arredores de uma escola em São Paulo, percebeu um assaltante armado, se
posicionou devidamente e o baleou. O criminoso faleceu no hospital e foi identificado como chefe de uma quadrilha que roubou, matou e queimou um aposentado.
Que fez a Globo News? Em uma
edição de um de seus telejornais, na segunda-feira (14), com
apresentação da jornalista Leilane Neubarth Teixeira, foi veiculada a
seguinte pergunta aos telespectadores: “Policiais de folga devem reagir a assaltos?”.
É o tipo de pergunta que, para qualquer
cidadão normal, não é efetivamente uma questão. Uma profissional
treinada para exercer seu ofício, que pode, exercido da maneira correta,
proteger vidas e patrimônios, públicos ou privados, encontra-se numa
situação em que, embora não esteja no seu “expediente”, tem condições de
agir e impedir que o malfeito seja perpetrado apenas pelo destemor de
obstáculos e punições. Quer dizer que ela, então, nessas circunstâncias,
deveria simplesmente se abster?
Multiplicaram-se deboches nas redes
sociais, e não é para menos. Vimos muitos internautas se perguntarem:
deve um médico deixar alguém morrer, apenas por estar de folga? Deve um
mecânico de folga deixar o carro quebrado do amigo parado no meio da
rua? Vimos até exemplos pitorescos e cômicos, como a pergunta sobre se
as prostitutas deveriam fazer o “rala-e-rola” em dias de folga.
É escárnio mesmo o que merece a emissora
cuja redação jornalística é capaz de propor um questionamento bizarro
como esse. Seria motivo para apenas rir, não fosse a emissora mais
poderosa e influente do país. Nas aulas de Jornalismo nas nossas
faculdades, os professores – majoritariamente esquerdistas – costumam
enfatizar a necessidade de “desnaturalizar” o olhar sobre a realidade
para encontrar problemas, questões e aspectos diferenciados, capazes de
sustentar pautas.
Definitivamente, os alunos estão indo
longe demais na hora de executar o conselho.
“Desnaturalizam” tanto que
retiram as pautas exclusivamente da própria imaginação perturbada.
http://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/jornalismo-brasileiro-fantastica-fabrica-de-polemicas/?utm_medium=feed&utm_source=feedpress.me&utm_campaign=Feed%3A+rconstantino
http://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/jornalismo-brasileiro-fantastica-fabrica-de-polemicas/?utm_medium=feed&utm_source=feedpress.me&utm_campaign=Feed%3A+rconstantino
Nenhum comentário:
Postar um comentário