Ato em apoio à Lava Jato em frente ao edifício da PGR em Brasília
A
operação que prometia combater a corrupção no setor de petróleo e
gás
custou caro à economia e deixa o desafio da reconstrução de setores . A
Lava Jato resultou na destruição de 4,44 milhões de empregos entre 2014 e
2017 e reduziu o Produto Interno Bruto (PIB) em 3,6% no mesmo período.
De 2015 a 2018, as maiores construtoras brasileiras perderam 85% da
receita.
As
conclusões constam de dois estudos que analisaram o impacto econômico
da Lava Jato, que completa 10 anos. O primeiro, do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
rastreou os efeitos de 2014 a 2017 dos setores afetados diretamente e
indiretamente pela operação. O segundo, das universidades Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mensurou as
consequências sobre as construtoras e a indústria pesada.
O
estudo da UFRJ e da Uerj estimou em R$ 142 bilhões as perdas nos
setores de construção civil, indústria naval, engenharia pesada e
indústria metalmecânica. Os efeitos, no entanto, vão além dos segmentos
diretamente investigados pela operação e que tiveram de fechar delações
premiadas e acordos de leniência.
Segundo o Dieese, dos 4,44
milhões de postos de trabalho perdidos, 2,05 milhões ocorreram nos
setores e nas cadeias produtivas diretamente afetadas pela Lava Jato. Os
2,39 milhões de empregos restantes foram destruídos em setores
prejudicados pela queda da renda e do consumo, como comércio, transporte
e alimentação.
Menos emprego e renda se traduzem em investimentos
menores. O estudo do Dieese estima que a Lava Jato reduziu os
investimentos públicos e privados em R$ 172,2 milhões entre 2014 e 2017.
O segmento mais atingido foi a construção civil, com perda de R$ 35,9
bilhões, seguido por comércio (R$ 30,9 bilhões); extração de petróleo e
gás, inclusive setores de apoio (R$ 29,2 bilhões); atividades
imobiliárias (R$ 22 bilhões); e intermediação financeira, seguros e
previdência complementar (R$ 17,5 bilhões).
“Nosso
estudo abordou o impacto em cadeia, porque os setores da economia são
interligados e perdas em um segmento podem transbordar para toda a
economia”, explica o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior. A
entidade usou a técnica de matriz insumo-produção, que registra os
fluxos de bens e serviços e demonstra as relações intersetoriais dentro
do sistema econômico de um país.
Impostos
Com a destruição
de postos de trabalho, a massa salarial caiu R$ 85,4 bilhões de 2014 a
2017. Uma economia que emprega, investe e produz menos paga menos
impostos. No período analisado, o governo deixou de arrecadar R$ 47,4
bilhões em tributos e R$ 20,3 bilhões em contribuições para a
Previdência Social e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
O
diretor do Dieese acrescenta que os efeitos da Lava Jato não se
manifestaram apenas no encadeamento dos setores, mas com a
desestruturação de tecnologias na cadeia produtiva de petróleo e gás e
na construção civil que fariam a economia brasileira evoluir no médio e
no longo prazo.
“No meio de tudo isso, a gente perdeu também o que
chamamos de inteligência de engenharia. Os engenheiros não
desapareceram, estão aí, mas as grandes equipes foram desmontadas. Mesmo
com o investimento chegando, levará um tempo para reconstituir essas
equipes. Talvez algumas nem sequer consigam ser remontadas porque a Lava
Jato deixou um legado de desorganização da nossa indústria de
infraestrutura”, diz.
Reconstrução
No
décimo aniversário da Lava Jato, a reestruturação dos segmentos
afetados pela operação representa o maior desafio. Mesmo com a
recuperação da economia brasileira e com as promessas de investimento e
de diversificação de atividades na Petrobras, a falta de investimentos
nos últimos anos prejudicou a estatal.
“Por causa da Lava Jato, a
Petrobras, a partir do governo [do ex-presidente] Michel Temer,
concentrou-se na atividade primária, a extração de petróleo e gás,
deixando de lado investimentos no refino e em tecnologia para
privilegiar a maximização de lucro por acionista. A empresa passou a se
orientar por uma perspectiva de gerar lucros no curto prazo e
distribuir para os acionistas”, explica o professor Luiz Fernando de
Paula.
Segundo o professor da UFRJ e da Uerj, a Petrobras ainda
tem chances de recuperar o planejamento de longo prazo, ao investir na
transição ecológica enquanto busca retomar a construção da Refinaria
Abreu e Lima, em Pernambuco, cujas obras foram interrompidas em 2015 por
causa da Lava Jato.
“Uma coisa não impede a outra. A Petrobras
pode modernizar o refino de combustível fóssil e pensar na transição
para a energia limpa. A Petrobras está numa mudança, na forma de gestão,
não acredito que vai haver um retorno ao modelo do primeiro governo
Dilma [Rousseff], que nacionalizou as compras. Mas acho que dá para a
empresa buscar um protagonismo maior dentro de uma perspectiva
administrativa, na diversificação das suas atividades. Aí, tem um fator
novo, importante”, diz.
Em
relação à construção civil, o diretor do Dieese diz que o
desmantelamento das maiores empreiteiras do país provocou danos
permanentes para o setor. “É importante lembrar que os prejuízos para as
empreiteiras não decorreram apenas de acordos de leniência e de
bloqueios de bens, mas houve dano de imagem para todo um setor. A
Odebrecht, por exemplo, quase faliu e mudou de nome”, ressalta.
A recente suspensão de acordos de leniência da Odebrecht,
determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abre brecha para um
processo de reerguimento da construção civil pesada, mas Fausto adverte
que a reconstrução do setor levará décadas. “Esses acordos de leniência,
em alguns casos, representaram uma pá de cal sobre várias dessas
empresas. A suspensão de parte desses possibilita agora um processo de
reconstrução, mas não é uma reconstrução simples”, avalia.
Os dois
especialistas concordam que o grande problema da Lava Jato consistiu em
não separar a punição de executivos das atividades das empresas
investigadas. “A grande lição da Lava Jato é que não se pode expor
pessoas e empresas midiaticamente da forma como aconteceu. Estamos
falando de um processo jurídico, em que se devem guardar as devidas
proporções porque as empresas foram muito mais punidas que as pessoas
físicas, com as companhias tendo os nomes e as marcas jogadas no lixo”,
critica Fausto.
“Na época da operação, não se dava a devida
atenção para os efeitos econômicos, mas esses dados hoje estão bastante
consolidados. As pessoas não se atentavam para os efeitos econômicos e
sociais da Operação Lava Jato. A gente que tem de achar um jeito de
punir os executivos, as pessoas, mas não castigar as empresas nem
destruir empregos”, avalia Luiz Fernando, da UFRJ e da Uerj.