Longe
da meta – A quantidade de emissões de gases do efeito estufa durante a
competição em 2014 pode prejudicar os planos brasileiros de realizar uma
Copa sustentável – promessa assumida quando o país foi escolhido para
ser anfitrião. O Brasil tem avançado em diversos pontos, como a
certificação ambiental dos estádios, mas pode finalizar o evento com uma
conta alta de C02 por neutralizar.
As grandes distâncias entre as cidades-sede e a dependência dos
transportes rodoviário e aéreo, mais poluentes, são um grande desafio
para o país. Daniel Bleher, pesquisador da consultoria Öko Institut,
responsável pelo projeto ambiental de gestão de emissões da Copa do
Mundo de 2006 na Alemanha, afirma que é difícil comparar os dois países.
“O Brasil é muito maior e não tem uma rede de transporte ferroviário
desenvolvido. Por isso não tenho certeza se será uma Copa muito
sustentável”, explica.
O governo brasileiro ainda não possui uma estimativa oficial de
quanto será emitido durante o evento. Neste momento, preparam o
inventário final da Copa das Confederações, que deve ser entregue ainda
em novembro. Um estudo preliminar do governo de Minas Gerais aponta que
um total de 804 mil toneladas de C02 equivalente serão geradas com a
Copa apenas no estado. Na Alemanha, foram contabilizadas 92 mil
toneladas, emitidas durante todo o evento.
Segundo a diretora de licenciamento e avaliação ambiental do
Ministério do Meio Ambiente, Karen Cope, a estimativa de Minas Gerais
pode ser usada como referência, mas este número não é definitivo. “Eles
usaram uma metodologia própria e, no âmbito do projeto do governo
federal, estão revisando esta estimativa. Então esse número deve cair
bastante”, afirma.
Falta de estimativas é um problema
Para Bleher, o resultado preliminar de Minas Gerais é preocupante.
“Parece muito alto esse número”, diz o especialista, mas ele ressalta
que as dimensões continentais brasileiras têm um grande peso nisso: “A
maioria dos torcedores vão ter que ir de avião de uma cidade para a
outra, o que não acontecia na Alemanha”. Além disso, as 92 mil toneladas
da Copa do Mundo alemã não incluíam as viagens internacionais dos
visitantes, que foram contabilizadas na estimativa brasileira. Segundo
Bleher, os voos internacionais representam cerca de 50% das emissões
totais, mas, no Brasil, este percentual pode ser mais alto.
A falta de uma estimativa também é um ponto negativo. “Não é possível
fazer um cálculo concreto a essa altura. Mas seria bom que o governo
informasse ao menos uma dimensão das emissões da Copa”, diz Bleher.
Beatriz Kiss, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade
da FGV/EAESP, concorda. “É importante ter uma estimativa desde antes das
construções.” Segundo o governo, a contabilidade da Copa das
Confederações já faz parte desses preparativos. “Não é um evento
separado, é como se fosse um ensaio da Copa e já vai ser um teste da
metodologia”, diz Karen Cope, do Ministério do Meio Ambiente.
Ela ressalta, assim como os especialistas, que a matriz energética do
Brasil é mais limpa em comparação aos últimos dois países que receberam
a Copa: “Só isso já vai tirar um custo de emissão muito significativo,
porque o Mundial tem um uso intensivo de energia”.
Estádios com certificação
Outro ponto positivo em relação a Copas anteriores, segundo a
diretora, é que todos os estádios receberam algum grau de certificação
ambiental, o que também pode significar uma redução dos gases do efeito
estufa, além de outros benefícios ambientais.
Apesar disso, Bleher lembra que as emissões derivadas da construção
costumam representar uma parcela minoritária na conta final de C02. De
fato, como mostra o estudo preliminar do governo de Minas Gerais,
estádio e infraestrutura associados aos projetos da Copa do Mundo são
responsáveis por 21% da pegada de carbono. A maior parte, 76%, é gerada
pelos espectadores e inclui deslocamento, acomodação, alimentação, entre
outros.
Torcedor tem que participar
Neste sentido, uma neutralização das emissões que não contemple os
torcedores será bastante restrita. Na Alemanha, o projeto de
compensação, financiado pela Federação Alemã de Futebol (DFB) em
parceria com empresas, FIFA e Comitê Organizador Local neutralizou 100
mil toneladas de carbono, oito mil a mais do que foi emitido, inclusive
pelos torcedores. As viagens internacionais, entretanto, ficaram de
fora.
No Brasil, os planos de compensação ainda não estão bem definidos. O
governo pretende usar Reduções Certificadas de Emissão (RCEs), oriundas
de projetos brasileiros do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Mas, por enquanto, não foi decidido se o Estado vai assumir os gastos
com as emissões dos torcedores. “A gente deve sim contabilizar o efeito
total da Copa, mas a responsabilidade sobre a mitigação e a compensação
vai ser distribuída entre espectadores, FIFA, governo federal, municipal
e, se for o caso, estadual. Quem gerou a emissão assume a
responsabilidade”, argumenta Karen Cope.
Perguntada se, a exemplo da Alemanha, onde a Federação Nacional de
Futebol financiou a compensação, a CBF teria alguma participação nas
neutralizações das emissões dos torcedores, a diretora do Ministério do
Meio Ambiente disse que a confederação não deu “nenhuma indicação neste
sentido”.
Para Bleher, se as emissões dos espectadores não forem neutralizadas,
será “decepcionante”. “Um país grande como o Brasil poderia fazer mais,
porque os custos dos programas ambientais são muito baixos comparados
aos gastos para receber a Copa do Mundo”, defende.
Ele afirma que é difícil definir se uma Copa será verde ou não: “O
problema é que todo mundo pode dizer que tem um evento verde ou neutro
em carbono. É um slogan e não há um padrão que defina isso”. Ele explica
que o resultado das emissões depende muito como é realizado o cálculo.
“No final, ninguém se questiona se realmente um evento é mais verde que
outro”, conta.
Karen Cope acredita que os gases do efeito estufa não serão um
problema. “Não acho que vamos ter uma Copa tão emissora quanto alguns
estão preocupados”, diz. Ela cita como um possível atenuante, o uso de
bioquerosene em voos durante a competição. No dia 23 de outubro, a
companhia Gol Linhas Aéreas realizou o primeiro voo comercial brasileiro
com este tipo de combustível. A iniciativa é parte da Plataforma
Brasileira do Bioquerosene, apoiada pela indústria e pelo governo. “A
previsão inicial é de 200 voos durante a Copa, mas nós estamos
trabalhando para aumentar esse número”, assegura a diretora do
Ministério do Meio Ambiente.
Capacitação para uma Copa verde
Segundo Denise Hamú, Representante do Pnuma, Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente no Brasil, fazer uma Copa do Mundo
sustentável no país é um desafio enorme. “Nós achamos que o Brasil está
perseguindo esta sustentabilidade. A gente sempre pode querer mais, mas
esse ingrediente está presente sim e é uma preocupação do Ministério do
Meio Ambiente que o evento seja o mais verde possível”, afirma Hamú.
O Pnuma apoia ações do governo de gestão das emissões de C02. Uma
dessas parcerias são os workshops sobre o inventário da Copa do Mundo,
que estão sendo realizados desde outubro e seguem até o final de
novembro em diversas cidades-sede. As oficinas vão treinar agentes
locais para contabilizar os gases do efeito estufa durante o evento.
Para Beatriz Kiss, da FGV/EAESP, ter pessoas capacitadas para fazer a
conta já é um grande passo. Ela espera que a Copa do Mundo possa
influenciar positivamente os próximos eventos. “O país tem uma meta
voluntária de redução de emissões, então faz todo sentido investir
nisso”, diz.
No mesmo sentido, Karen Cope defende que o principal legado será a
capacitação dos estados e municípios em gestão do carbono: “Isso se
reflete em políticas públicas de mudança do clima, com compras
sustentáveis e tecnologias de baixa emissão”.
A ênfase no legado do evento é defendida também por Daniel Bleher, do
Öko Institut. Segundo ele, focar somente na Copa do Mundo não é
suficiente: “A herança de sustentabilidade é importante, mais do que
apenas compensar todas as emissões.” (Deutsche Welle)