Depois de investir R$ 3 bilhões na compra de 12 empresas, a NotreDame Intermédica já tem dez novos alvos na mira. E, com o caixa abastecido após um IPO que captou R$ 2,7 bilhões, o grupo busca operações que combinam planos de saúde e hospitais
Nesse curto período, ampliou o faturamento do grupo em cinco vezes, para os R$ 5,3 bilhões registrados no ano passado. Como ele conseguiu essa façanha em apenas três anos e meio? Simples. No período, investiu R$ 3 bilhões na compra de 12 companhias. E não vai parar por aí. Outros dez novos ativos estão no alvo. “Se somarmos as últimas aquisições, atingimos 3,6 milhões de clientes e assumimos a primeira posição em São Paulo”, disse Machado, durante evento realizado na segunda-feira 24 para uma plateia composta pelos maiores grupos de corretores e clientes corporativos, como o Grupo Pão de Açúcar (GPA). “Agora, temos a grande oportunidade de nos tornarmos a maior empresa do setor nos próximos três anos.”
Com a última aquisição anunciada, no início deste mês, do grupo paulistano Greenline, por R$ 1,2 bilhão, a companhia chegará a 4 milhões de vidas. A Amil, empresa do grupo americano UnitedHealth e a atual líder do segmento, possui 5,5 milhões de beneficiários. No mesmo evento, o executivo anunciou ainda a criação de uma marca própria de laboratórios de exames, a NotreLabs, que vai aproveitar muitos dos recursos incorporados por meio de aquisições recentes. Outra novidade foi o lançamento de um aplicativo que permite aos usuários de seus planos de saúde marcarem exames e consultas.
O apetite para a consolidação, no entanto, segue sendo o principal eixo da estratégia de crescimento da NotreDame. Para acelerar a expansão da operadora, Machado montou um time de fusões e aquisições, com o objetivo de selecionar, comprar e integrar empresas. Formada por nove executivos, que respondem diretamente ao presidente, essa equipe foi responsável pelo mapeamento de 240 companhias que poderiam se tornar alvos de uma investida do grupo.
Antes da chegada de Machado e da Bain Capital, o grupo, fundado pelo empresário Paulo Barbanti e negociado por R$ 2 bilhões, em 2014, nunca havia adotado a estratégia de fusões em cinco décadas de existência. As últimas três aquisições, da Samed, da Medplan e do grupo Greenline, aconteceram depois da abertura de capital, em abril deste ano, que levantou R$ 2,7 bilhões. No entanto, a maior parte desse valor não foi direcionada à operação, mas sim para remunerar o fundo controlador. “As nossas aquisições estão sendo financiadas com a geração própria de caixa”, afirma Machado. “Apenas no caso do Greenline, que foi um negócio de maior porte, utilizamos financiamento bancário.”
No plano traçado pela NotreDame, o objetivo é integrar rapidamente cada ativo adquirido à rede, para ganhar benefícios de escala e de uniformização de operações. Para isso, a área de fusões e aquisições mapeia os processos e inicia o trabalho de integração, com o objetivo de finalizar o projeto em até 100 dias. No caso do grupo Greenline, esse método deve levar um pouco mais de tempo, em virtude da complexidade da operação. Afinal, o acordo envolve um plano de saúde, o Laboratório Bio Master, o Pronto Socorro Itamaraty e a Maternidade Brás. Ao todo, são dois hospitais, 10 prontos-socorros e nove centros clínicos.
Com tantas frentes de atuação, a NotreDame surpreendeu o mercado de ações. O grupo chegou à B3 em abril, exatamente na mesma semana em que a sua concorrente Hapvida, que fatura R$ 3,8 bilhões e captou R$ 3,4 bilhões com a abertura de capital. Focada no Norte e no Nordeste, a rival, fundada pelo médico Cândido Pinheiro, era vista como a mais atrativa das duas pelos investidores. Apesar de um faturamento menor, mesmo atingindo mais clientes, a Hapvida apresentava maior lucro e rentabilidade. Em 2017, a empresa lucrou R$ 651 milhões e reportou uma margem de 21,4%.
Na NotreDame, o resultado do período ficou em R$ 240 milhões e 13,4%, respectivamente. Mas a desconfiança acabou rapidamente. Desde o IPO, as ações da companhia subiram mais de 30%. “Eles estão cumprindo todas as promessas feitas na abertura de capital. Havia certa ansiedade em relação ao crescimento e à rentabilidade, mas estão entregando o que o mercado desejava”, diz Thiago Macruz, analista de investimentos do Itaú BBA. Ele observa que as ações subiram muito depois da compra da Greenline, o que foi visto como um movimento estratégico para evitar a competição. “Se a Hapvida quiser entrar no mercado de São Paulo, será muito complicado e precisará acontecer por crescimento orgânico.”
Desde o início da crise econômica, uma das grandes preocupações do setor de saúde são os antigos clientes que perderam empregos formais e, com isso, também os seus planos. O segmento superou 50 milhões de beneficiários por apenas um ano, em 2015. Desde então, 3 milhões de pessoas deixaram o sistema. Em receita, o segmento seguiu crescendo, atingindo R$ 196 bilhões de faturamento em 2017, o que coloca o Brasil atrás apenas dos EUA. Mas a maior parte desse valor serviu apenas para repassar a inflação médica, que avança acima de 10% ao ano. “O ganho de escala é salutar”, afirma Novais. “Por isso, é importante a consolidação do mercado.” Segundo a associação, existem 730 operadoras de planos médicos que possuem clientes (algumas detêm o registro na ANS mas não estão operando), e outras 300 voltadas apenas a planos odontológicos. De todas essas, as mais propensas a sobreviverem ou serem adquiridas são aquelas que buscam estratégias de ampliação de margem de rentabilidade, que, na média do setor, costuma ser baixa, em torno de 2%.
A mais testada e aprovada dessas estratégias é a verticalização. Ela consiste em ter uma rede própria de hospitais e clínicas, para realizar consultas e internações dentro de casa, impondo maior controle de custos e evitando tratamentos e cirurgias desnecessários. O setor estima haver uma perda de R$ 25 bilhões em fraudes na saúde, diz Machado. A Amil foi uma das pioneiras em buscar uma atuação verticalizada. A Hapvida e a NotreDame também seguiram a cartilha com afinco. Muitas das aquisições recentes do grupo comandado por Machado foram de hospitais, como o Cruzeiro do Sul, o São Bernardo e o Samcil. “A verticalização parece ser, de fato, uma forma eficiente de controle de sinistros”, afirma Macruz, do Itaú BBA. “O maior custo dos planos de saúde está nas internações, por isso faz sentido começar esse esforço pelos hospitais próprios. Depois, numa segunda posição, mais remota, estão os gastos com exames.” Nesse segundo ponto, fica fácil explicar a criação da marca NotreLabs, anunciada na semana passada.
O objetivo é utilizar melhor um recurso que foi adquirido em meio à compra de tantas empresas. Quando a NotreDame adquiriu o Santamália Saúde, em 2015, e o Cruzeiro do Sul, em 2018, trouxe no pacote laboratórios de diagnósticos. O mesmo acontece com a aquisição recente do Greenline. A rede NotreLabs nasce com 20 pontos. Mas, considerando a existência de 18 hospitais e outros 90 centros clínicos e prontos-socorros na empresa, o crescimento deve acontecer de forma rápida. “A ideia agora é utilizar a capacidade de 500 mil análises por mês desses laboratórios para atender nossos beneficiários de planos de saúde”, diz Machado. “Para a abertura dos pontos de coleta dentro da rede própria, o investimento é marginal.” Dessa forma, o caixa de R$ 1,2 bilhão do grupo poderá ser utilizado para aquilo a que parece destinado: comprar mais empresas.