Atuação:
Consultoria multidisciplinar, onde desenvolvemos trabalhos nas seguintes áreas: fusão e aquisição e internacionalização de empresas, tributária, linhas de crédito nacionais e internacionais, inclusive para as áreas culturais e políticas públicas.
As recentes projeções do PIB, que jogaram a previsão de crescimento
para menos de 1% este ano, acentuam o desânimo do mercado da construção
civil no País. Conhecido por ser um dos principais motores da economia, o
setor sofre com a falta de confiança e de financiamento. Mesmo que a
reforma da Previdência seja aprovada já no início do segundo semestre,
qualquer melhora só é esperada para o fim do ano. E será muito pequena,
insuficiente para recuperar os empregos perdidos na crise. Para tentar
salvar alguma fatia do setor, o presidente da Câmara Brasileira da
Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Rodrigues Martins, tem se
empenhado pessoalmente a convencer políticos em Brasília de que é hora
de retomar as obras públicas paralisadas. É uma tentativa de criar,
rapidamente, 500 mil empregos.
DINHEIRO – Como o senhor vê a atual conjuntura?
JOSÉ CARLOS RODRIGUES MARTINS – Cerca de
50% dos investimentos do Brasil são na construção. É uma atividade que
demanda recursos e requer confiança no futuro. Ninguém assume um
financiamento no longo prazo sem saber se vai ter emprego no mês que
vem. Ninguém assume uma dívida se tem uma dúvida. A decisão de comprar
uma casa é racional. O grande problema que vivemos hoje é o mesmo de um
diabético em uma loja de doce. A gente vê a necessidade de as pessoas
comprarem imóveis, mas elas estão reticentes de assumir o risco. Uma das
pessoas que participou de uma rodada de conversas no exterior com
investidores ficou impressionada com o apetite que eles têm no Brasil,
mas todos dizem que só vão colocar dinheiro aqui após a reforma da
Previdência. Aí, entram outros pontos de interrogação. Que reforma será
aprovada? Como será o dia seguinte à aprovação? Estamos preparados para
fazer as coisas funcionarem?
DINHEIRO – Quais os principais gargalos do setor?
MARTINS – Se uma indústria produz mil
carros por dia e reduz em 20% sua capacidade de produção, pode demitir
apenas 20% da sua mão de obra. Mas não acontece assim com a construção.
Se não temos um projeto futuro, coloca-se todo mundo na rua. Nossos
maiores gargalos passam pela recuperação da confiança — que tem relação
direta com a recuperação da economia, do ajuste fiscal, da reforma da
Previdência — e com a segurança jurídica.
DINHEIRO – Quais as perspectivas para o setor? Ainda é possível contar com alguma recuperação este ano?
MARTINS – Se houver recuperação,
será só no fim do ano e não vai ser muito significativa. Quando uma
construtora lança um empreendimento, precisa saber como o Brasil vai
estar em três anos. A recuperação é rápida depois que se conhece o
cenário, mas ainda estamos olhando para o horizonte na tentativa de ver o
que vai acontecer. Existem grandes oportunidades, como a retomada das
obras paralisadas.
DINHEIRO – Por que retomar as obras paralisadas é tão importante?
MARTINS – Estamos falando de 4.700 obras.
Fizemos um estudo e descobrimos que já foram empenhados R$ 70 bilhões no
conjunto delas. Os governos precisam de R$ 40 bilhões para terminar o
serviço. São obras que estão se deteriorando e que, se fossem retomadas,
aqueceriam a economia. São 1.700 unidades básicas de saúde que estão
precisando, em média, de R$ 108 mil cada uma para serem concluídas. E
elas estão paradas porque os prefeitos não têm dinheiro para pagar os
médicos. Eles sabem que não vão conseguir pagar e deixaram as obras
incompletas. Existem 2.000 terminadas e fechadas. Isso é um crime. Nossa
proposta para resolver o problema é abrir uma chamada pública para quem
quiser terminar os imóveis e dar a eles o direito de uso por cinco
anos, da forma que quiser. São esqueletos abandonados que estão virando
focos de dengue e de violência. É dinheiro jogado fora. Em Cuiabá, os
trens do VLT estão apodrecendo. Isso é um crime.
DINHEIRO – Qual foi o real impacto da Lava Jato para a indústria da construção?
MARTINS – A Lava Jato tem que ser vista
por duas óticas: a da crise política e a crise de investimentos na
Petrobras. A Lava Jato não pode ser vista como um problema para as
empresas. Está faltando dinheiro para investimento porque não existe uma
demanda. Em 2014, o PAC [Programa de cãoleração do Crescimento] pagou
R$ 64 bilhões para as construtoras. Este ano não vai pagar nem R$ 10
bilhões. A equipe econômica do Temer se preocupava com fluxo de caixa e
não com a economia. Toda vez que um país sai de uma recessão, sai via
investimentos e não via consumo. No Brasil não houve uma preocupação com
teto de gasto, com nada. Eles não tinham dinheiro público, mas não
estavam nem aí. Ninguém se preocupou com segurança jurídica, com a
questão ambiental ou trabalhista. O governo Bolsonaro está encarando de
frente essas questões.
DINHEIRO – Como o senhor avalia a relação com o governo atual?
MARTINS – Não podemos reclamar. Ao longo
dos últimos anos, a CBIC conseguiu dialogar de modo transparente e
ético. Passamos pelo FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, o Bolsonaro. Essa
equipe econômica atual é ótima, são pessoas extremamente bem
intencionadas, jovens, querendo se realizar como pessoas.
DINHEIRO – Quais as principais reivindicações vocês levaram ao governo?
MARTINS – Temos um documento que se chama
“Um milhão de empregos já”, com uma série de propostas que poderiam
gerar postos de trabalho imediatamente. O documento é dividido em três
partes. Uma que apresenta ideias, outra sobre desburocratização e a
terceira com uma agenda parlamentar. Apenas com a retomada das obras
paralisadas seriam gerados 500 mil empregos imediatamente — apenas
empregos diretos, os indiretos nem estão nesta conta. Insistimos também
no apoio às construções municipais. As pessoas ainda precisam de
transporte público, de praças, de hospitais. Propusemos que, se não há
dinheiro público, que a iniciativa privada possa atuar. A Caixa poderia
dar consultoria aos municípios para que fossem feito bons editais,
ajudar a estruturar o projeto e a colocá-los na praça. Algumas
prefeituras não têm capacidade técnica para estruturar um bom projeto. O
terceiro ponto importante é o programa de crédito.
DINHEIRO – Como está o crédito para o setor?
MARTINS – Com a crise, a relação entre as
empresas e os bancos se deteriorou. Há um trauma entre as partes e, se
não encararmos de frente esse problema, as empresas vão ficar mais
debilitadas e os agentes financeiros mais exigentes. Antes da crise, uma
empresa conseguia financiamento fácil para construir 200 casas. Hoje,
essa mesma empresa só consegue recursos para construir 50. Todas as
partes estão com medo e o medo paralisa. O medo gera uma espera, que
gera uma queda de atividade.
DINHEIRO – Quais os maiores entraves no Minha Casa Minha Vida?
MARTINS – Hoje, dois terços do mercado
imobiliário compreendem o Minha Casa Minha Vida e há uma insegurança
total. Se a arrecadação do governo cai, falta dinheiro para pagar o
contrato. Como pagamos impostos e os funcionários? É uma angústia.
Esperamos que a reforma da Previdência ajude a destravar a economia. A
gente acredita que a Câmara vai aprová-la no segundo semestre. Mas qual
reforma? Só vai acontecer mesmo no fim do ano, mas as pessoas têm conta
para pagar. Como se faz com o boleto chegando no fim do mês?
DINHEIRO – Vocês também pedem segurança jurídica. Como avançar nesse tema?
MARTINS – Segurança jurídica é risco. E
risco custa. Uma das coisas que a gente mais trabalha hoje é para
diminuir o risco. Existem muitos agentes financeiros que sequer dão
crédito para o construtor.
DINHEIRO – O BNDES está deixando a desejar?
MARTINS – O BNDES sempre foi muito arredio
às construtoras e começamos a fazer um trabalho para tentar uma maior
proximidade com o BNDES, para que ele se torne, de fato, um banco de
fomento. Trilhamos um caminho com o [ex-presidente] Joaquim Levy. Agora
temos um novo presidente e acreditamos que ele vai dar continuidade ao
processo com muita ética. Queremos um mercado justo e competitivo e
precisamos de um BNDES também mais justo.
DINHEIRO – Quais cicatrizes a crise vai deixar?
MARTINS – A crise foi muito forte e vai
deixar cicatrizes profundas. Muita coisa ficou pelo meio do caminho. Há
atraso de pagamento em muitos projetos. Mas as cicatrizes fazem parte da
vida e a gente vai aprender com elas. Só esperamos que a crise deixe um
aprendizado e não cause um extermínio de empresas.
Não haverá boa notícia. Um gap de gênero, sem aparente
solução de curto prazo, parece levar a tecnologia para um cercadinho que
aproxima o segmento de parâmetros medievais. Para cada 100 vagas no
mercado da tecnologia, apenas 37 são ocupadas por mulheres. Os números
são de um levantamento feito com exclusividade pelo Cadastro Geral de
Empregados e Desem-pregados (Caged), do Ministério do Trabalho, para a
DINHEIRO. Um cenário altamente desproporcional à divisão demográfica:
51,03% da população do País, pelo Censo de 2010, é formada por pessoas
do gênero feminino. A questão, no entanto, deve ser ainda pior, porque
os dados do Caged reúnem todo tipo de ocupação dentro do segmento, o que
resvala em posições no limiar da carreira. Globalmente, o cenário não é
melhor. De acordo com o projeto Girls in Tech, menos de 20% das vagas
nas diversas ramificações da tecnologia são ocupadas por mulheres.
Nos cargos mais especializados (e bem remunerados), a realidade fica
sombria. Em Inteligência Artificial (IA), uma das áreas nobres e
reluzentes do mundo tecnológico, os indicadores não são nada animadores —
e essa disparidade se torna extrema. Mulheres representam só 15% da
equipe de pesquisa de IA no Facebook e ínfimos 10% no Google. Os dados
são do estudo Discriminating Systems: Gender, Race, and Power in AI, de
Kate Crawford, Sarah Myers West e Meredith Whittaker, do AI Now
Institute, da Universidade de Nova York, divulgado há dois meses. As
autoras mostram que o mercado falha no equilíbrio das equipes de grandes
empresas, mas da mesma maneira que o costumeiramente crítico ambiente
acadêmico também falha: somente 18% dos autores das principais
conferências de IA são mulheres, e o gênero feminino representa menos de
um a cada cinco professores da área.
“BROGRAMMERS”
A situação é tão dramática que
recentemente Melinda Gates, cofundadora e copresidente, com o marido,
Bill, da fundação Melinda & Bill Gates, disse que a sociedade “está
criando um viés no sistema por não ter mulheres à mesa e não ter pessoas
de cor à mesa” no mundo da tecnologia. Formada em Ciências da
Computação nos anos 80, ela era uma das únicas mulheres de sua sala e se
habituou a programar códigos em meio a grupos integrados apenas por
homens. Ambientes assim tendem a ser sexistas inercialmente. Em inglês
existe uma expressão para perfis de pessoas do gênero masculino de
comportamento machista e esterotipado. São os “brogrammers” (termo que
evidencia o lado “brother” do ofício). Com capítulos dessa natureza,
encontrar mulheres que ocupam altos cargos em empresas de tecnologia
pode parecer algo raro. Mas, nesse campo, o Brasil colabora fortemente
para virar o quadro.
Ana Paula Assis é presidente da IBM para a América Latina. Herdou do
pai a paixão pela tecnologia, enquanto a mãe incentivou o domínio do
inglês. Desde então, sempre influenciada pelos dois, Ana Paula passou a
explorar o mundo de Tecnologia da Informação (TI). “Optei pela Ciência
da Computação na Universidade Federal de Goiás e, no momento de procurar
um estágio, olhei para empresas que eram inspiração em tecnologia. E a
IBM era uma delas”, diz. “Tive sorte de começar e trilhar minha carreira
em uma empresa que tem diversidade em seu DNA. Mas, obviamente, não é
um cenário que vemos generalizado no mercado.” Ela está na empresa há 23
anos.
Outro exemplo de presença de gênero feminino no comando de uma
empresa de tecnologia é o de Tânia Cosentino, que comanda desde janeiro a
operação brasileira da Microsoft. Já na época da faculdade, ser mulher
em um ambiente predominantemente masculino fazia parte de sua
trajetória. Foi uma das poucas alunas a cursar Engenharia Elétrica, na
Faculdade de Engenharia de São Paulo – o percentual de mulheres formadas
em cursos de engenharia é inferior a 30%, segundo dados de 2015 do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). “Quando ingressei no mercado de trabalho, essa realidade se
repetiu. Sempre estive em um ambiente predominantemente masculino”, diz.
Nos últimos 30 anos, antes de presidir a Microsoft, ela construiu sua
carreira na indústria elétrica e por 19 anos esteve na Schneider
Electric, na qual chegou ao cargo de presidente para a América do Sul.
“Tive as oportunidades certas. Se as organizações por onde passei
focassem em estereótipos na hora de me contratar, eu não estaria onde
estou. Por conta disso, acredito que tenho a missão de promover uma
mudança”, afirma.
Ana Paula e Tânia podem ser vistas como exceções ou, mais
provavelmente, elas alcançaram seus postos por um conjunto de méritos
que, na maioria das vezes, teve de superar o de colegas do gênero
masculino. Por mais que as empresas em que atuem tenham poros para a
diversidade e consistentes políticas inclusivas, isso ainda não é o
bastante para abrigar no segmento de tecnologia mais mulheres. Mesmo
dentro de suas corporações.
Tanto que nem IBM nem Microsoft ficam confortáveis em divulgar o
número de funcionários por gênero, o que é sintoma de um caminho longo e
árduo pela frente. Ocupar um cargo de liderança nesse ambiente fez
Tânia, da Microsoft, pensar em iniciativas que mudassem o cenário. Desde
2011, ela participa de grupos para ampliar as oportunidades de carreira
para mulheres. Em 2014, assumiu compromissos globais junto à ONU
Mulheres, braço da Organização das Nações Unidas focado na promoção da
igualdade de gênero. Ana Paula, da IBM, reforça a postura ativista.
Não há outra palavra, nem mais apropriada, para definir o sentido de
urgência e o conjunto de esforços para mudar esse gap de desigualdade de
gênero. “Como líder, tenho a oportunidade única de usar meu histórico e
aprendizagem para influenciar na construção de uma sociedade e de um
mundo melhores”, afirma. Durante sua trajetória profissional, a
executiva diz que nunca passou por uma situação em que sentiu
preconceito por ser mulher. “Não deixem que outras pessoas escrevam suas
histórias”, diz. Ela toca numa ferida clássica do mundo corporativo: a
autocobrança de mulheres para que suas performances sejam irretocáveis.
“Sejam proativas, criem um networking de pessoas que irão te apoiar em
sua jornada e invistam em autoconhecimento, mas não se preocupem em
buscar a perfeição”, afirma Ana Paula. “Você nunca vai estar 100% pronta
no momento de tomar uma decisão. Podemos e devemos assumir riscos.”
DIVERSIDADE
O primeiro grande marco da história da
IBM na inclusão feminina foi, sem dúvida, a ascensão, em 2012, de
Virginia (Ginni) Rometty ao cargo de CEO. Desde então ela lidera uma
empresa com 350 mil funcionários no mundo. Cientista da computação, teve
grande destaque por ter tomado à frente nas soluções de análise e
armazenamento em nuvem, o que representou uma virada decisiva frente ao
declínio enfrentado pela empresa com quedas nas licenças de soluções
tradicionais. No ano passado, em sua carta aos investidores, Ginni
ressaltou a importância da diversidade na performance de sua gestão. “Em
2018, impulsionada pelo registro diversificado de contratação, promoção
e retenção, alcançamos nosso maior progresso em uma década na
representação da diversidade entre mulheres executivas globais e
minorias”, escreveu. “Também continuamos defendendo, com governos em
todo o mundo, políticas que ajudem a garantir que os locais de trabalho
sejam tão inclusivos e diversos quanto o mundo em que vivemos.”
Ana Paula endossa e diz que a inclusão deve ser um trabalho contínuo e
conjunto, de qualquer gênero, de todos os segmentos. E para reduzir
gaps de desigualdade as empresas acabam criando cada vez mais
iniciativas. Na IBM existem os Business Resource Groups (BRG), que
realizam iniciativas para recrutamento, desenvolvimento e promoção de um
ambiente de trabalho mais inclusivo. “Precisamos de maior
representatividade na contratação e desenvolvimento, criar condições
para que as mulheres estejam presentes em todos os níveis hierárquicos
das empresas”, diz Ana Paula.
Isso inclui iniciativas como o P-Tech, programa da IBM em andamento
na Colômbia e no Brasil no qual alunos de Ensino Médio de escolas
públicas recebem formação em uma das disciplinas Stem (acrônimo em
inglês para Ciências, Tecno-logia, Engenharia e Matemática), com
experiências práticas no local de trabalho. “Metade das turmas na
Colômbia já é ocupada por meninas”, afirma Ana Paula. Por isso, ela
defende o contínuo incentivo do debate e a promoção de iniciativas que
acelerem essa mudança cultural, para que diversidade seja realmente uma
prioridade de negócio e, no fim, que as empresas se adaptem às
realidades das mulheres, e não o contrário, como era no passado.
SÓ PARA HOMENS Na prática, as empresas herdam um
problema que vem da formação. É fundamental ter mais mulheres
matriculadas nas chamadas carreiras Stem e incentivar a entrada delas
nessas áreas. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2015, apenas
29,3% dos alunos formados em cursos de engenharia, no Brasil, são
mulheres. Em ciências, o número é um pouco maior (41%), mas ainda assim
proporcionalmente pequeno em comparação aos homens nesse mercado. Esses
índices não registram aumento desde 2000. Tania, da Microsoft, sabe que
cabe ao mundo corporativo atuar nesse tipo de correção. “Se não fizermos
nada, o gap tende a aumentar.” Na empresa, há iniciativas como a
campanha global Make What’s Next, que visa desmistificar a ideia de que a
área de Stem é só para homens.
Projetos desse tipo pretendem minimizar situações individualizadas,
que dependam de um conjunto (famílias, amigos, escolas) nem sempre
disponível de forma equilibrada na sociedade. Porque, assim como Ana
Paula, Tânia também teve dentro de casa todo o apoio para tomar
decisões, o que não costuma ser uma regra. Durante o ensino médio, na
antiga Escola Técnica Federal de São Paulo, atual IFSP, conheceu a
Eletrotécnica. Ainda adolescente conseguiu o primeiro trabalho. “Uma
grande empresa alemã abriu seleção para estágio e contratou todas as
meninas que se candidataram. Foi a primeira ação afirmativa de gênero, e
isso em 1982, mas eu não tinha muito entendimento sobre o tema”, diz
Tânia.
A experiência a fez perceber que diante de uma dificuldade, nem todas
as pessoas reagem da mesma forma. E sua formação dentro de casa a
ajudou a nunca se deixar paralisar por comentários negativos. “Nos
momentos em que ouvi ‘isso não é para você’, ou coisa parecida, eu me
sentia desafiada e encontrava forças para provar que meu interlocutor
estava totalmente equivocado.” Para a executiva, diversidade e inclusão
não podem ser apenas parte de um discurso. A coisa certa a fazer. “Não
faz sentido sermos minoria nas empresas e representarmos mais da metade
da população brasileira, é inaceitável. Temos de fazer algo, e agora!”
Tânia afirma que só será possível acabar com estereótipos quando as
pessoas se colocarem no lugar do outro. “O que, muitas vezes, não é
fácil, pois muitas pessoas que praticam o preconceito jamais estiveram
em uma posição de minoria.” Hoje, na Microsoft, ela está convicta quanto
a seu papel: ajudar a eliminar qualquer barreira que exista e
contribuir para promover a diversidade, não apenas de gênero.
“Precisamos de representatividade, ser ativistas pela diversidade”, diz.
Uma bandeira que também é de Ana Paula, da IBM.
Mulheres ocupam apenas 19% dos cargos executivos
Um estudo realizado em 2018 pela Korn Ferry, organização global de
consultoria, revela que de 14.284 empresas avaliadas em 52 países,
apenas 19% dos cargos executivos foram preenchidos por mulheres. Até
mesmo na Nova Zelândia e nos Estados Unidos o índice não excedeu 33%.
Entre os americanos, aliás, outro levantamento da Korn Ferry, feito este
ano com as 1.000 maiores empresas por faturamento, mostra que há
somente 6% de mulheres na cadeira de CEO. No Reino Unido, a empresa de
pesquisas Ipsos Mori traz um resultado ainda mais decepcionante: apenas
3% dos CEOs, no mundo todo, são mulheres.
Dados do IBGE divulgados em março retratam que no Brasil a
desigualdade salarial faz com que mulheres recebam em média 20,5% menos
que homens. Apesar da chuva de informações negativas, a visão da
diretora do escritório da Korn Ferry, em São Paulo, Maria Alice Mendes, é
um pouco mais otimista quanto ao avanço em relação à da diversidade nas
companhias. Trata-se de olhar uma curva que, para ela, começa a dar
sinais de inflexão, de mudança. Há um turning point a caminho. “O tema
está na agenda do mundo dos negócios”, diz Maria Alice. Para ela, serão
as grandes empresas, que têm um nível de governança mais maduro e estão
mais avançadas em diversos processos, que conduzirão a mudança.
Muitas já têm estruturas dedicadas à inclusão, com intuito de
promover e expandir a representatividade. De certa forma é uma cobrança
que faz bem aos negócios e vem “da própria sociedade”, afirma. Maria
Alice percebe até um movimento de maior aceitação inclusive em ambientes
de trabalho predominantemente masculinos, que reivindicam a presença de
mulheres como finalistas em processos de entrevista para contratação.
Em relação a gaps salariais, a diretora da Korn Ferry no Brasil diz que a
raiz do problema pode não estar obrigatoriamente em salários menores,
mas sim no fato de menos mulheres chegarem a níveis tão altos nas
organizações.
Nas principais universidades, mulheres não chegam a 15%
Caso a correção do gap de gênero da indústria da tecnologia dependa
da formação de mulheres, a resposta não virá no curto prazo. Nos cursos
de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no
interior de São Paulo, e da Universidade de São Paulo (USP), os dois
principais do País, o número de mulheres não chega a 15% dos alunos. A
tradicional Escola Politécnica (Poli) da USP possui um curso de
Engenharia da Computação. Das 40 vagas, apenas duas são ocupadas por
mulheres. A questão é mais grave porque, aparentemente, o número baixo
não está numa curva ascendente, mas descendente. No início da década de
1990, a porcentagem de mulheres nos cursos de Ciências da Computação da
Unicamp chegava a 30%.
De acordo com a professora Esther Luna Colombini, do Instituto de
Computação da Unicamp, o problema da aceitação da mulher no local de
trabalho, em particular nas carreiras relacionadas às exatas, é um
problema cultural que está presente em todo país e se esparrama pelo
mundo acadêmico. A professora diz que, na universidade, há relatos
diferenciados de preconceito. Desde alunos que não querem ajuda de
monitor mulher à aluna que escuta que só passou na matéria porque é
bonita ou porque o colega ajudou. “A diferença é que essa geração não
fica mais calada. Ela reage e é importante que esteja respaldada para
que esse tipo de comportamento não seja naturalizado.”
Para a professora Kalinka Castelo Branco, do Departamento de Sistemas
de Computação da USP, é nas salas de aula que os professores precisam
começar a mostrar que homens e mulheres têm as mesmas capacidades, sem
fazer a distinção, tão tradicional culturalmente, entre “carreiras para
meninos e carreiras para meninas”. Kalinka coordena o projeto
Technovation Summer School for Girls, uma escola de verão para
desenvolvimento de aplicativos voltada a meninas de 10 a 18 anos em
estabelecimentos de ensino fundamental e médio voltadas especificamente à
inclusão feminina no ensino superior de ciências exatas. O projeto,
iniciado neste ano, já teve a participação de 160 meninas e acaba de ser
contemplado com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). A principal meta do Technovation Summer
é o empoderamento feminino por meio da tecnologia.
Sabine Righetti, coordenadora acadêmica do Ranking Universitário
Folha, diz que é preciso que haja investimento em campanhas por parte
das universidades para captar mais alunas. “Precisamos proativamente
convidar as meninas a cursarem carreiras de tecnologia”. Numa
apresentação sobre o tema, a diretora da Poli, Liedi Bernucci, primeira
mulher a assumir o cargo, falou sobre a importância da paridade de
gênero para a construção de economias inclusivas, dinâmicas e prósperas.
“Quando mulheres e meninas não são integradas – tanto como beneficiária
quanto formadora – a comunidade perde habilidades, ideias e
perspectivas”, diz.
As irmãs programadoras
As estatísticas ainda apontam um cenário árido para as mulheres na
tecnologia, mas não são problema para duas jovens irmãs programadoras de
Natal (RN), capital potiguar. Para Alice Richard, 13 anos, e Emmanuelle
Richard, 17, a palavra de ordem é inspiração, que foi passada de pai
para filhas e, agora, é um sentimento de troca entre as meninas.
Apaixonada por cachorros, a estudante Alice é a criadora da
plataforma Focinhobook, rede social para pets de diferentes espécies,
que já tem mais de 700 usuários. Emmanuelle, ou simplesmente Manu,
apesar de ainda não ter feito 18 anos já cursa o 2º ano de Ciência da
Computação na Universidade Potiguar (UnP) e faz estágio como
programadora em uma empresa de São Paulo. “Uma se inspira na outra”, diz
Manu.
As irmãs estão mergulhadas no mundo da tecnologia desde muito cedo,
por incentivo do pai, Emmanuel Richard, 45 anos, também programador. Foi
ainda criança, aos 8 anos, que Emmanuelle começou a frequentar um curso
de programação para adultos. “Não tinha nenhuma mulher.” Hoje, ela tem
alguns aplicativos já desenvolvidos – o primeiro deles para a feira de
ciências de sua escola, quando tinha 12 anos. E ministra palestras.
Esteve, inclusive, na versão nacional da Campus Party, este ano, em São
Paulo.
Emmanuelle tem seu lema para passar pelas situações de preconceito:
“Não importa de onde você vem, importa para onde você quer ir”. Ela diz
que não é por ocupar uma área predominantemente masculina que ela (The
little big developer, como é conhecida nas redes sociais) precisa abrir
mão de usar tiara com orelhas de gatinho e cabelos tingidos de azul e
verde.
Como a família toda é ligada em tecnologia, Alice, Manu e também a
irmã mais velha, Isabelle Richard, 18 anos, coordenam o projeto W3E,
ou Women Winning World With Equity (mulheres ganhando o mundo com
equidade). O objetivo é organizar palestras para falar sobre o cenário
das mulheres no mercado de trabalho, na área tecnológica, de negócios e
empreendedorismo, com a missão de inspirar, educar e capacitar pessoas,
equipes e comunidades.
Com maior acesso a capital de risco,
empreendedores mais maduros e um mercado repleto de ineficiências, o
Brasil começa a se tornar um novo polo de unicórnios
Não foram poucos os caminhos trilhados pelo francês Fabien Mendez
antes de empreender. Em 2009, já formado em economia e direito, o aluno
do mestrado em finanças e estratégias da Universidade Sciences Po, de
Paris, iniciou a carreira como analista do JP Morgan. Passados apenas
sete meses, desembarcou no Brasil. Não era o seu primeiro contato com o
País. Dois anos antes, havia feito um intercâmbio na Fundação Getulio
Vargas (FGV), em São Paulo. Na segunda visita, veio para ficar.
Trabalhou nas operações locais do banco BNP Paribas e da Ernst &
Young (EY).
Em 2012, decidiu que era o momento de dar asas à sua vocação
empreendedora e fundou a GoJames, aplicativo de transporte de
passageiros, nos moldes do Uber. “Esbarramos na regulação e foi um
fracasso total em termos de negócios”, diz Mendez sobre a ideia, que
teve vida curta. “Mas foram os oito meses de maior aprendizado em toda a
minha trajetória.” A bagagem adquirida trouxe o fôlego para seguir em
frente. E a inspiração para um novo percurso veio enquanto caminhava
pela Avenida 9 de Julho, na capital paulista, ainda desolado pelo
insucesso recente. O vaivém de motoboys, em suas palavras, “um a cada
dois segundos”, despertou a curiosidade de pesquisar mais sobre os
famosos gargalos logísticos brasileiros. Alguns meses depois, nascia a
Loggi, startup de serviços de entrega.
Em seis anos de operação, a Loggi acumulou bem mais que os
quilômetros percorridos pelas motos, vans e carros disponíveis no seu
serviço. No período, a empresa reforçou seu caixa com seis rodadas de
investimento, que totalizaram US$ 295 milhões e incluíram fundos como
Monashees, IFC Venture e Kaszek Ventures. Anunciado em junho, o aporte
mais recente, de US$ 150 milhões, fez com que a companhia alcançasse um
destino até pouco tempo distante para uma startup brasileira: o estágio
unicórnio, jargão usado no mercado para batizar as novatas avaliadas em
US$ 1 bilhão ou mais. “Nosso objetivo não é ser unicórnio ou qualquer
que seja o termo. Essa etapa só é simbólica por validar que estamos no
caminho certo”, afirma Mendez, que aponta o desafio de não deixar que o
novo patamar suba à cabeça. “A responsabilidade é maior. Temos plena
consciência de que existe um cemitério repleto de empresas que atingiram
esse status.”
A Loggi não é a única novata brasileira a cumprir esse roteiro
bilionário. O aplicativo de mobilidade 99 foi o pioneiro, em janeiro de
2018, ao ser comprado pela chinesa Didi Chuxing. De lá para cá, outras
oito startups locais ganharam o mesmo status: a fintech Nubank; a
holding de aplicativos Movile e sua investida iFood, de delivery de
restaurantes; a PagSeguro e a Stone, de pagamentos; e a Arco Educação,
de sistemas de ensino. As três últimas superaram a marca por meio da
abertura de capital nos Estados Unidos. O nome mais recente a entrar
nesse clube tão seleto que sequer chega a uma dezena de integrantes é a
Gympass, plataforma de benefícios de saúde e bem-estar que dá acesso a
academias de ginástica. Depois de ganhar musculatura e chegar a 14
países, a companhia fundada em 2012 anunciou, em meados de junho, um
aporte de US$ 300 milhões.
Liderada pelo fundo japonês Softbank, a rodada avaliou o negócio em
US$ 1,1 bilhão. “Acreditamos que esse investimento nos permitirá levar a
nossa solução a mais organizações globalmente”, afirmou, em nota, César
Carvalho, cofundador e CEO da Gympass. “O Brasil chegou a um momento de
inflexão e a história da Gympass é prova disso: uma startup latina com
modelo de negócios inovador, operação escalável e os atributos para se
tornar um líder global”, ressaltou Scott Sobel, sócio-fundador do Valor
Capital Group. Além de participar da última rodada, o fundo de venture
capital com sedes no Brasil e nos Estados Unidos investe na operação
desde os seus estágios iniciais.
MATURIDADE
Fundadora da americana Cowboy Ventures,
Ailen Lee foi a primeira pessoa a usar o termo unicórnio para designar
as startups desse porte, em 2013. Na época, a maioria das representantes
da safra local de novatas bilionárias já dava seus primeiros passos no
mercado. A definição ganhou popularidade nos anos seguintes. Entre boa
parte dos empreendedores, porém, a alcunha não é vista como um norte a
ser perseguido e sim como uma etapa e uma consequência natural de
projetos consistentes. É inegável, no entanto, que o surgimento dos
primeiros casos de sucesso no Brasil mereça atenção. “É um marco da
maturidade desse ecossistema local.
Hoje, temos mais investidores, aceleradoras, espaços de coinovação e
casos de sucesso que inspiram outras startups”, diz Marcelo Nakagawa,
professor de empreendedorismo do Insper. Luis Franco, líder de
aceleração da Endeavor, aponta outros fatores. “Já existe uma massa
crítica de empreendedores mais preparados e com carreiras sólidas, além
de muito capital externo de risco entrando e de fundos locais recém
captados”, ressalta. “As outras regiões já estão saturadas. Por isso, há
superfundos olhando para a América Latina e, em especial, para o
Brasil”, acrescenta Nakagawa. O ano passado serve como um termômetro
desse aquecimento no País e na região. A América Latina alcançou um
recorde de US$ 2 bilhões em investimentos de venture capital. O Brasil
foi o destino de US$ 1,3 bilhão desses aportes, ou 65% do total, por
meio de 259 acordos, segundo a Associação Latino-Americana de Capital de
Risco e Privado (Lavca).
Na ponta dos investimentos recentes na Loggi e na Gympass, e com um
histórico de rodadas em empresas como Uber, Didi Chuxing e WeWork, o
Softbank é o maior símbolo desse contexto. Em março, a companhia lançou
um fundo de US$ 5 bilhões focado exclusivamente na América Latina. “Há
muitas inovações e disrupções na região. As oportunidades de negócios
nunca foram tão fortes”, afirmou Marcelo Claure, CEO do Softbank na
região, em comunicado divulgado na época. No mercado, o desembarque é
visto como um fator que já começa a impulsionar a capitalização e os
aportes de fundos dedicados às etapas anteriores de desenvolvimento de
uma startup. Muitos deles de olho na perspectiva da elevada valorização
de um ativo com uma eventual entrada do Softbank mais à frente.
Muitos dos empreendedores no comando dos primeiros unicórnios
brasileiros encontraram um cenário bem menos favorável quando iniciaram e
desenvolveram seus respectivos projetos. Um dos principais desafios
eram as oscilações na oferta de capital ou mesmo a escassez de recursos
em determinados estágios de investimento. Mendez, da Loggi, conta que
depois de 2015, com a recessão, era quase impossível levantar dinheiro. A
fonte secou justamente quando a startup lançou as entregas para o
e-commerce, o que demandava muito caixa. “Chegamos a ficar a poucos dias
da falência. Passamos a ser muito mais conservadores financeiramente”,
observa. O respiro veio em outubro do ano passado, quando o Softbank e a
Kaszek Ventures injetaram US$ 110 milhões na operação. “Muitos pensam
que as histórias de sucessos são sempre lineares, em evolução, mas
tivemos que insistir muito para criar a nossa sorte.”
Para Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups
(Abstartups), apesar das dificuldades, que não se restringiam ao
financiamento, as nuances de um mercado que ainda estava em processo de
maturação ajudaram a forjar empreendedores e novatas com um perfil
diferenciado, distante do clichê comumente associado a essas empresas em
países como os Estados Unidos, onde o capital é farto e muitas startups
são conhecidas pela cultura de “queimar dinheiro”. “Esses
empreendedores entenderam que não adiantava ter uma boa ideia se não
conseguissem andar com as próprias pernas”, diz. “Isso possibilitou a
criação de negócios orientados a resultado.”
REINVENÇÃO
Inicialmente centrada em serviços de
mensagens de texto (SMS) para empresas, a Movile é uma das pioneiras no
ecossistema brasileiro – e um bom exemplo da mentalidade que pontua a
trajetória dessa geração de unicórnios. A startup é fruto da fusão entre
quatro empresas fundadas por estudantes universitários cujas histórias
começaram a se cruzar a partir de 1999. “Naquela época não existia
mercado, muito menos fundos de venture capital. Nós nos preocupamos em
ter um modelo viável financeiramente desde o dia zero”, conta Eduardo
Henrique, cofundador da companhia. No caminho, a companhia encontrou
outras barreiras.
Instalada em uma incubadora em Campinas (SP), a novata teve todos os
seus computadores e servidores roubados. Mas ninguém desistiu. Além da
resiliência, a Movile ilustra bem mais uma fórmula presente nessa safra
de empreendedores: a capacidade de se reinventar. A partir de 2007, com o
lançamento do iPhone, os smartphones passaram a ocupar o espaço dos
celulares básicos, os chamados feature phones, o que ameaçava seriamente
a sobrevivência da empresa. A solução veio em duas frentes. De um lado,
a companhia investiu na aquisição de uma série de aplicativos. Em outra
ponta, Henrique foi morar no Vale do Silício, berço das inovações
tecnológicas. E de lá trouxe um mantra que foi incorporado ao dia a dia e
à cultura da startup: errar rápido, barato e aprender com esses erros.
Na época, a Movile contabilizou 20 projetos fracassados, em um curto
espaço de tempo.
Da ideia seguinte, no entanto, nasceu o PlayKids, aplicativo de
streaming de vídeos e conteúdos para crianças que ganhou escala global e
tornou-se um dos mais populares entre os usuários mirins dos
dispositivos da Apple. Hoje, da mescla de aquisições e do
desenvolvimento próprio, o portfólio do grupo inclui negócios como a
Sympla, plataforma digital de gestão de eventos e de venda de ingressos,
e o iFood, mais um unicórnio brasileiro. “O que a Movile mais aportou
no iFood não foi dinheiro. Mas sim, modelo de gestão e pessoas”, diz
Carlos Eduardo Moysés, CEO do iFood. “Nós mais erramos que acertamos.
Mas muitas vezes aquele único acerto é o sucesso do negócio.”
A mudança no modelo e a rápida transição para um novo mundo são
outras características valorizadas pelos investidores. “Um dos segredos
para um empreendedor é se apaixonar pelo problema e não pela solução.
Resiliência é diferente de teimosia. O ideal é tentar resolver o mesmo
problema de formas diferentes”, diz Romero Rodrigues, sócio do fundo de
investimentos Redpoint eventures e outro pioneiro do empreendedorismo
digital no País. Com apenas R$ 300, ele fundou o comparador de preços
Buscapé, em 1998. Um ano depois, o negócio recebeu seu primeiro aporte,
de US$ 1 milhão.
Outras duas rodadas vieram até que a operação fosse vendida, em 2009,
por US$ 374 milhões. Desde então, Rodrigues dedica parte de sua rotina
aos investimentos e à mentoria para startups, replicando um modelo comum
em mercados como o Vale do Silício. Além do talento das pessoas à
frente das novatas e de seus respectivos times, o que classifica como o
ativo mais valioso de uma empresa desse porte, ele destaca que é sempre
interessante o empreendedor ter um pouco de narcisismo, até mesmo para
liderar e atrair bons profissionais. “Mas é preciso saber ouvir. Quando
quem está no comando é o senhor da razão, é um péssimo indicativo.”
A Gympass seguiu esse conselho. Criada com o foco no consumidor
final, a empresa do portfólio da Redpoint eventures redirecionou seu
modelo para o mercado corporativo. A ideia é que as companhias possam
oferecer um leque amplo de academias para seus funcionários, com
descontos e benefícios. Em contrapartida, esse formato traz vantagens em
termos de redução de custos com planos de saúde e absenteísmo, entre
outras questões. Em entrevista concedida à DINHEIRO há três anos, o
fundador César Carvalho atribuiu boa parte dessa guinada aos conselhos
de Rodrigues e de outros investidores, como Kees Koolen, cofundador e
ex-CEO da agência de viagens on-line Booking.com. “Não tínhamos
referências e a experiência deles está sendo essencial na construção do
negócio”, afirmou, na época.Outros aspectos unem as startups bilionárias brasileiras “Todas elas
resolvem problemas em mercados grandes, que ninguém quis peitar, como os
bancos e a logística, de forma mais rápida, eficiente e com tecnologias
escaláveis”, diz Nakagawa, do Insper. Para as fontes ouvidas pela
DINHEIRO, além de seu porte, o mercado brasileiro é um verdadeiro
laboratório vivo, com diversas ineficiências que são um convite para a
inovação. “É preciso pensar com ambição, em transformar uma indústria,
cortar intermediários. Todas as unicórnios brasileiras contestaram algo
grandioso”, observa Pinho, da Abstartups.
CANDIDATAS
Depois de produzir seus primeiros
unicórnios, a perspectiva é de que o mercado brasileiro entre em um
círculo virtuoso. “O que estamos vendo é o resultado do que foi plantado
há dez anos”, afirma Rodrigues. “Vamos começar a ver mais casos, pois
temos pela frente as safras de 2014 em diante.” Não faltam candidatas a
romper a barreira do bilhão. A lista inclui nomes como QuintoAndar, Dr.
Consulta, Grow, Creditas, VivaReal, Neoway, Contabilizei, Conta Azul e
MaxMilhas, entre outras, em um universo de mais de 10 mil startups no
País.
As fichas também recaem em “veteranas”. É o caso do GuiaBolso,
fundada em 2012 e dona de um aplicativo de controle de finanças
pessoais. A empresa já captou US$ 80 milhões e é mais um exemplo de
persistência. “Recebemos mais de 60 nãos em um período de quatro meses. O
mercado era formado por investidores tradicionais, que não viam que era
possível fazer algo diferente em um mercado tão consolidado como o
bancário”, afirma Thiago Alvarez, CEO e cofundador do GuiaBolso, ao lado
de Benjamin Gleason. Para colocar o negócio em pé, o empreendedor
vendeu um apartamento que estava terminando de pagar, o único bem que
possuía na época. “Acho que ainda era um pouco cedo para o mercado e
precisamos dar voltas a mais. Tivemos que provar que era possível.”
Hoje, com 5,3 milhões de usuários, a startup está diversificando seu
negócio com a oferta de curadoria de produtos financeiros, a começar
pelo empréstimo pessoal. Além de ajudar o usuário a gerenciar suas
finanças, o plano é indicar os melhores investimentos de acordo com o
seu perfil.
Apesar do cenário favorável, há um consenso de que o mercado ainda
tem desafios pela frente. “Temos bastante a melhorar em capital para os
estágios semente e Série B”, diz Itali Collini, diretora de operações no
Brasil do 500 Startups, fundo americano de venture capital que possui
43 brasileiras em seu portfólio, entre elas, a Conta Azul e a Viva Real.
“E ainda existe uma certa aversão dos investidores ao risco. Há uma
mentalidade retrógrada de que, necessariamente, todas as startups
investidas têm que vingar.”
Outra questão é a dúvida sobre a capacidade de produzir talentos em
um volume condizente com a demanda do setor. A perspectiva é de que essa
carência intensifique e encareça a disputa por bons profissionais. Uma
das alternativas é garimpar pessoas capacitadas em boas universidades e
centros de pesquisa e desenvolvimento. É o caso da Loggi, que planeja
usar parte dos US$ 150 milhões aportados para contratar mais de mil
engenheiros no “padrão do Vale do Silício” até 2020. O iFood, por sua
vez, está investindo mais de US$ 20 milhões em uma academia de
inteligência artificial que vai treinar profissionais e produzir
pesquisas, além de trocar informações com universidades para incentivar o
desenvolvimento do conceito no País. “É preciso fomentar essa discussão
para que as pessoas se interessem por novas tecnologias”, diz Moysés,
do iFood. “O Brasil é um mercado gigantesco para explorar e tem um
potencial enorme para gerar empresas de mais de US$ 100 bilhões. Estamos
apenas no começo.”
O Brasil apresentou nesta quinta-feira, 11, ao Órgão de
Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) pedido
de estabelecimento de painel no âmbito do contencioso iniciado em
fevereiro deste ano a respeito do regime de apoio ao setor açucareiro da
Índia. A informação foi divulgada nesta quinta-feira pelo Ministério
das Relações Exteriores, em nota. “Austrália e Guatemala também
formalizaram, nesta data, pedido de estabelecimento de painéis em
contenciosos sobre o mesmo tema”, diz a pasta.
O Ministério de Relações Exteriores (MRE) relata que o pedido
de painel ocorreu após várias consultas ao governo da Índia, sem
resultado. O pedido do Brasil será apreciado na próxima reunião do Órgão
de Solução de Controvérsias, prevista para o próximo dia 22 de julho.
O MRE relata que nos últimos anos a Índia intensificou sua
política interna de apoio ao setor açucareiro. “Desde a safra 2010/2011,
o governo indiano praticamente dobrou o preço mínimo a ser pago pela
cana-de-açúcar”, informa a pasta. “Apenas entre as safras de 2017/2018 e
2018/2019, o volume de açúcar a ser exportado pelas usinas indianas,
definido pelo governo daquele país, passou de 2 milhões para 5 milhões
de toneladas.”
Tais medidas, no entendimento do MRE, têm contribuído
fortemente para a depreciação do preço internacional do açúcar, em
prejuízo dos exportadores brasileiros. “Na avaliação brasileira,
ademais, tais medidas são incompatíveis com as disciplinas do Acordo
sobre Agricultura da OMC, seja porque ultrapassam os níveis de apoio
doméstico permitidos à Índia, seja porque constituem subsídios à
exportação vedados pelo Acordo.”
Demorou, mas finalmente saiu do papel o acordo entre o grupo
francês Lactalis e a mexicana Lala para acabar com todas as brigas
jurídicas e permitir à primeira concluir a compra da brasileira Itambé.
Na quarta-feira 10, a Lactalis anunciou que a aquisição só foi possível a
partir de uma negociação global entre os grupos, resolvendo, por fim, a
transferência de 100% do controle da empresa mineira para a
multinacional da França.
Com a compra, a Lactalis, dona de marcas como Parmalat, Batavo e
agora Itambé, se torna líder do mercado brasileiro de produtos lácteos e
conquista um faturamento combinado de R$ 8 bilhões por ano. A união
também garante ao grupo o título de líder em captação de leite no
Brasil. Com processamento de 2,3 bilhões de litros de leite por ano – o
equivalente a 9,4% da produção formal do País –, o grupo ultrapassa a
suíça Nestlé, que captou 1,6 bilhão de litros no ano passado e liderava o
ranking formado pela Associação Brasileira dos Produtores de Leite
(Leite Brasil).
O CEO da Lactalis para América Latina, Patrick Sauvageot, falou à
DINHEIRO, mas não revelou os termos da negociação. Sabe-se, porém , que a
Lala encerrou a parceria que tinha com a Parmalat no México.
A preocupação de Sauvageot, contudo, é com o sucesso do grupo.
Segundo ele, o setor a inda tem muito espaço para crescer no País. “O
consumo per capita de produtos lácteos ainda é muito pequeno no Brasil”,
diz. “Os brasileiros consomem cerca de 4 quilos de queijo por ano, por
exemplo, enquanto que na Europa esse índice é de 30 quilos por pessoa”,
diz. O executivo destaca que os primeiros investimentos serão em
tecnologia, melhoria nas fábricas e alinhamento de processos. Juntas, a Itambé e a Lactalis investem R$ 160 milhões por ano.
Impasse
Em agosto de 2017, a mexicana Lala comprou a brasileira Vigor por US$
2,6 bilhões. A aquisição, no entanto, incluiu a fatia de 50% que a
empresa detinha na Itambé – os outros 50% pertenciam à Cooperativa
Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR). Na época, A Lala
também lançou uma oferta para ter 100% do controle da companhia, mas uma
cláusula no acordo permitia a uma das sócias igualar o valor da oferta.
Não demorou muito para a CCPR exercer esse direito.
O problema começou porque a Cooperativa vendeu a sua parte para a
Lactalis no dia seguinte. A Lala e a Vigor alegam que a CCPR descumpriu o
acordo de acionistas ao negociar, nos bastidores, a transação com o
grupo francês. A Lactalis havia participado da concorrência pela Vigor e
perdido o negócio para a Lala. No processo, a empresa teria assumido o
compromisso de não fazer nenhuma proposta pelos ativos da Vigor no prazo
de dois anos, o que incluía a Itambé. O vai e vem resultou em uma série
de liminares na Justiça, que agora chegaram ao fim com a transferência
total da Itambé para a Lactalis.
Ilustrada pela imagem do Cristo Redentor, uma análise
publicada no site da revista Forbes declara que, para Wall Street, o
Brasil “está de volta” aos negócios. O fator mais destacado para
explicar a afirmação é, evidentemente, o avanço da tramitação da reforma
da Previdência na Câmara dos Deputados.
Na avaliação de Kenneth Rapoza, o rali recente do Ibovespa, “que está
batendo todos os mercados emergentes”, é “todo graças a um antes
impopular projeto de lei de reforma das aposentadorias, pelo qual
dezenas de milhares foram às ruas no fim do mês passado em apoio ao
esforço do novo presidente (Jair Bolsonaro) para mudar o claudicante
sistema público de pensões do Brasil”.
O autor da análise lembra que a gestora BlackRock adotou recomendação
“overweight”, ou seja, acima da média de mercado para o Brasil, mas
pondera que os dados econômicos contemporâneos “não são inteiramente
impressionantes”. “Bancos vêm revisando o crescimento econômico para
baixo o ano todo. Investidores estão deixando de olhar para os
fundamentos e apostando em um voo de cruzeiro daqui para a frente por
causa da reforma previdenciária.”
Senado começa a articular PEC para incluir Estados e municípios na nova Previdência
Da Redação, com Agência Brasil
redacao@amanha.com.br
O Ibovespa, principal índice
da B3 (foto), opera com leve queda na manhã desta quinta-feira (11).
Agentes econômicos se dividem entre a cautela com a votação dos
destaques, que podem desidratar a economia esperada de quase R$ 1
trilhão em dez anos, e o otimismo por conta do placar da aprovação na
noite de quarta-feira (10). Por volta do meio-dia, o Ibovespa
apresentava retração de 0,8%, aos 104.928 pontos. O dólar comercial
apresentava estabilidade, sendo vendido a R$ 3,7587 na compra e a R$
3,7593 a venda. A apreciação dos destaques ao longo do dia dará o norte
aos investidores sobre o fim da votação ou não, em dois turnos, ainda
nesta semana.
O Senado pode costurar um acordo para
reincluir os estados e os municípios na reforma da Previdência. O
movimento tem apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia
(DEM-RJ). Ele se disse favorável a que governos estaduais e prefeituras
façam parte da reforma, mas admitiu não haver clima para que os
deputados aprovem a reinclusão dos governos locais neste momento. Pela
hipótese cogitada por Maia, o Senado aprovaria a reforma da Previdência,
mas as modificações seriam fatiadas. Os pontos aprovados pelas duas
Casas seriam promulgados, mas a reinclusão dos estados e dos municípios
voltaria à Câmara dos Deputados para ser discutida novamente.
“O
que entendo é que é muito difícil que a Câmara aprove esse tema,
infelizmente. Todo mundo sabe que sou a favor. Mas de repente, pode ter
uma construção da inclusão, como já ouvi do presidente do Senado [Davi Alcolumbre],
no Senado Federal”, declarou Maia. “Com isso, o Senado poderia
trabalhar a nossa PEC mais os estados e devolver como PEC paralela [a questão]
dos estados para a gente fazer o debate em outro ambiente. Num ambiente
menos tensionado. Não sei se é possível, mas vamos trabalhar para que a
gente não tenha atraso na análise da reforma”, acrescentou Maia.
Os
governadores dos sete Estados que compõe o Consórcio de Integração Sul e
Sudeste (Cosud) assinaram uma carta aberta no final de maio, em Gramado
(RS), em que expressam apoio a reformas estruturais, em especial à da
Previdência. Entre eles, há unanimidade relação à vinculação da Reforma
da Previdência aos estados. A quarta reunião do Cosud foi marcada para
sábado (13) em Vitória (ES).