quinta-feira, 11 de julho de 2019

A Lava Jato não pode ser vista como um problema para as empresas

 

 

Para as empresas do setor de construção civil, a retomada das obras paradas é a forma mais rápida de recuperar empregos e dar fôlego para a economia

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As recentes projeções do PIB, que jogaram a previsão de crescimento para menos de 1% este ano, acentuam o desânimo do mercado da construção civil no País. Conhecido por ser um dos principais motores da economia, o setor sofre com a falta de confiança e de financiamento. Mesmo que a reforma da Previdência seja aprovada já no início do segundo semestre, qualquer melhora só é esperada para o fim do ano. E será muito pequena, insuficiente para recuperar os empregos perdidos na crise. Para tentar salvar alguma fatia do setor, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Rodrigues Martins, tem se empenhado pessoalmente a convencer políticos em Brasília de que é hora de retomar as obras públicas paralisadas. É uma tentativa de criar, rapidamente, 500 mil empregos.

DINHEIRO Como o senhor vê a atual conjuntura?
JOSÉ CARLOS RODRIGUES MARTINS Cerca de 50% dos investimentos do Brasil são na construção. É uma atividade que demanda recursos e requer confiança no futuro. Ninguém assume um financiamento no longo prazo sem saber se vai ter emprego no mês que vem. Ninguém assume uma dívida se tem uma dúvida. A decisão de comprar uma casa é racional. O grande problema que vivemos hoje é o mesmo de um diabético em uma loja de doce. A gente vê a necessidade de as pessoas comprarem imóveis, mas elas estão reticentes de assumir o risco. Uma das pessoas que participou de uma rodada de conversas no exterior com investidores ficou impressionada com o apetite que eles têm no Brasil, mas todos dizem que só vão colocar dinheiro aqui após a reforma da Previdência. Aí, entram outros pontos de interrogação. Que reforma será aprovada? Como será o dia seguinte à aprovação? Estamos preparados para fazer as coisas funcionarem?

DINHEIRO Quais os principais gargalos do setor?
MARTINS Se uma indústria produz mil carros por dia e reduz em 20% sua capacidade de produção, pode demitir apenas 20% da sua mão de obra. Mas não acontece assim com a construção. Se não temos um projeto futuro, coloca-se todo mundo na rua. Nossos maiores gargalos passam pela recuperação da confiança — que tem relação direta com a recuperação da economia, do ajuste fiscal, da reforma da Previdência — e com a segurança jurídica.


“Os governos precisam de R$ 40 bilhões para terminar as obras paralisadas” (Crédito:Alexandre Carvalho)
DINHEIRO Quais as perspectivas para o setor? Ainda é possível contar com alguma recuperação este ano?
MARTINS Se houver recuperação, será só no fim do ano e não vai ser muito significativa. Quando uma construtora lança um empreendimento, precisa saber como o Brasil vai estar em três anos. A recuperação é rápida depois que se conhece o cenário, mas ainda estamos olhando para o horizonte na tentativa de ver o que vai acontecer. Existem grandes oportunidades, como a retomada das obras paralisadas.

DINHEIROPor que retomar as obras paralisadas é tão importante?
MARTINS Estamos falando de 4.700 obras. Fizemos um estudo e descobrimos que já foram empenhados R$ 70 bilhões no conjunto delas. Os governos precisam de R$ 40 bilhões para terminar o serviço. São obras que estão se deteriorando e que, se fossem retomadas, aqueceriam a economia. São 1.700 unidades básicas de saúde que estão precisando, em média, de R$ 108 mil cada uma para serem concluídas. E elas estão paradas porque os prefeitos não têm dinheiro para pagar os médicos. Eles sabem que não vão conseguir pagar e deixaram as obras incompletas. Existem 2.000 terminadas e fechadas. Isso é um crime. Nossa proposta para resolver o problema é abrir uma chamada pública para quem quiser terminar os imóveis e dar a eles o direito de uso por cinco anos, da forma que quiser. São esqueletos abandonados que estão virando focos de dengue e de violência. É dinheiro jogado fora. Em Cuiabá, os trens do VLT estão apodrecendo. Isso é um crime.

DINHEIROQual foi o real impacto da Lava Jato para a indústria da construção?
MARTINS A Lava Jato tem que ser vista por duas óticas: a da crise política e a crise de investimentos na Petrobras. A Lava Jato não pode ser vista como um problema para as empresas. Está faltando dinheiro para investimento porque não existe uma demanda. Em 2014, o PAC [Programa de cãoleração do Crescimento] pagou

R$ 64 bilhões para as construtoras. Este ano não vai pagar nem R$ 10 bilhões. A equipe econômica do Temer se preocupava com fluxo de caixa e não com a economia. Toda vez que um país sai de uma recessão, sai via investimentos e não via consumo. No Brasil não houve uma preocupação com teto de gasto, com nada. Eles não tinham dinheiro público, mas não estavam nem aí. Ninguém se preocupou com segurança jurídica, com a questão ambiental ou trabalhista. O governo Bolsonaro está encarando de frente essas questões.

DINHEIROComo o senhor avalia a relação com o governo atual?
MARTINS Não podemos reclamar. Ao longo dos últimos anos, a CBIC conseguiu dialogar de modo transparente e ético. Passamos pelo FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, o Bolsonaro. Essa equipe econômica atual é ótima, são pessoas extremamente bem intencionadas, jovens, querendo se realizar como pessoas.


“Antes da crise, uma empresa conseguia financiamento fácil para construir 200 casas. Hoje, só consegue para construir 50” (Crédito:Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress)
DINHEIROQuais as principais reivindicações vocês levaram ao governo?
MARTINS Temos um documento que se chama “Um milhão de empregos já”, com uma série de propostas que poderiam gerar postos de trabalho imediatamente. O documento é dividido em três partes. Uma que apresenta ideias, outra sobre desburocratização e a terceira com uma agenda parlamentar. Apenas com a retomada das obras paralisadas seriam gerados 500 mil empregos imediatamente — apenas empregos diretos, os indiretos nem estão nesta conta. Insistimos também no apoio às construções municipais. As pessoas ainda precisam de transporte público, de praças, de hospitais. Propusemos que, se não há dinheiro público, que a iniciativa privada possa atuar. A Caixa poderia dar consultoria aos municípios para que fossem feito bons editais, ajudar a estruturar o projeto e a colocá-los na praça. Algumas prefeituras não têm capacidade técnica para estruturar um bom projeto. O terceiro ponto importante é o programa de crédito.

DINHEIROComo está o crédito para o setor?
MARTINS Com a crise, a relação entre as empresas e os bancos se deteriorou. Há um trauma entre as partes e, se não encararmos de frente esse problema, as empresas vão ficar mais debilitadas e os agentes financeiros mais exigentes. Antes da crise, uma empresa conseguia financiamento fácil para construir 200 casas. Hoje, essa mesma empresa só consegue recursos para construir 50. Todas as partes estão com medo e o medo paralisa. O medo gera uma espera, que gera uma queda de atividade.

DINHEIROQuais os maiores entraves no Minha Casa Minha Vida?
MARTINS Hoje, dois terços do mercado imobiliário compreendem o Minha Casa Minha Vida e há uma insegurança total. Se a arrecadação do governo cai, falta dinheiro para pagar o contrato. Como pagamos impostos e os funcionários? É uma angústia. Esperamos que a reforma da Previdência ajude a destravar a economia. A gente acredita que a Câmara vai aprová-la no segundo semestre. Mas qual reforma? Só vai acontecer mesmo no fim do ano, mas as pessoas têm conta para pagar. Como se faz com o boleto chegando no fim do mês?

DINHEIROVocês também pedem segurança jurídica. Como avançar nesse tema?
MARTINS Segurança jurídica é risco. E risco custa. Uma das coisas que a gente mais trabalha hoje é para diminuir o risco. Existem muitos agentes financeiros que sequer dão crédito para o construtor.


DINHEIROO BNDES está deixando a desejar?
MARTINS O BNDES sempre foi muito arredio às construtoras e começamos a fazer um trabalho para tentar uma maior proximidade com o BNDES, para que ele se torne, de fato, um banco de fomento. Trilhamos um caminho com o [ex-presidente] Joaquim Levy. Agora temos um novo presidente e acreditamos que ele vai dar continuidade ao processo com muita ética. Queremos um mercado justo e competitivo e precisamos de um BNDES também mais justo.

DINHEIRO Quais cicatrizes a crise vai deixar?
MARTINS A crise foi muito forte e vai deixar cicatrizes profundas. Muita coisa ficou pelo meio do caminho. Há atraso de pagamento em muitos projetos. Mas as cicatrizes fazem parte da vida e a gente vai aprender com elas. Só esperamos que a crise deixe um aprendizado e não cause um extermínio de empresas.



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GAP de gênero


Mesmo com lideranças femininas à frente de grandes empresas, a presença de mulheres permanece tímida na indústria que molda o futuro do trabalho

 

Crédito: Marco Ankosqui
Tânia Cosentino, presidente da Microsoft Brasil: “Se onde passei focassem em estereótipos eu não estaria onde estou” (Crédito: Marco Ankosqui)

Não haverá boa notícia. Um gap de gênero, sem aparente solução de curto prazo, parece levar a tecnologia para um cercadinho que aproxima o segmento de parâmetros medievais. Para cada 100 vagas no mercado da tecnologia, apenas 37 são ocupadas por mulheres. Os números são de um levantamento feito com exclusividade pelo Cadastro Geral de Empregados e Desem-pregados (Caged), do Ministério do Trabalho, para a DINHEIRO. Um cenário altamente desproporcional à divisão demográfica: 51,03% da população do País, pelo Censo de 2010, é formada por pessoas do gênero feminino. A questão, no entanto, deve ser ainda pior, porque os dados do Caged reúnem todo tipo de ocupação dentro do segmento, o que resvala em posições no limiar da carreira. Globalmente, o cenário não é melhor. De acordo com o projeto Girls in Tech, menos de 20% das vagas nas diversas ramificações da tecnologia são ocupadas por mulheres.

Nos cargos mais especializados (e bem remunerados), a realidade fica sombria. Em Inteligência Artificial (IA), uma das áreas nobres e reluzentes do mundo tecnológico, os indicadores não são nada animadores — e essa disparidade se torna extrema. Mulheres representam só 15% da equipe de pesquisa de IA no Facebook e ínfimos 10% no Google. Os dados são do estudo Discriminating Systems: Gender, Race, and Power in AI, de Kate Crawford, Sarah Myers West e Meredith Whittaker, do AI Now Institute, da Universidade de Nova York, divulgado há dois meses. As autoras mostram que o mercado falha no equilíbrio das equipes de grandes empresas, mas da mesma maneira que o costumeiramente crítico ambiente acadêmico também falha: somente 18% dos autores das principais conferências de IA são mulheres, e o gênero feminino representa menos de um a cada cinco professores da área.


“BROGRAMMERS” 


A situação é tão dramática que recentemente Melinda Gates, cofundadora e copresidente, com o marido, Bill, da fundação Melinda & Bill Gates, disse que a sociedade “está criando um viés no sistema por não ter mulheres à mesa e não ter pessoas de cor à mesa” no mundo da tecnologia. Formada em Ciências da Computação nos anos 80, ela era uma das únicas mulheres de sua sala e se habituou a programar códigos em meio a grupos integrados apenas por homens. Ambientes assim tendem a ser sexistas inercialmente. Em inglês existe uma expressão para perfis de pessoas do gênero masculino de comportamento machista e esterotipado. São os “brogrammers” (termo que evidencia o lado “brother” do ofício). Com capítulos dessa natureza, encontrar mulheres que ocupam altos cargos em empresas de tecnologia pode parecer algo raro. Mas, nesse campo, o Brasil colabora fortemente para virar o quadro.
Ana Paula Assis é presidente da IBM para a América Latina. Herdou do pai a paixão pela tecnologia, enquanto a mãe incentivou o domínio do inglês. Desde então, sempre influenciada pelos dois, Ana Paula passou a explorar o mundo de Tecnologia da Informação (TI). “Optei pela Ciência da Computação na Universidade Federal de Goiás e, no momento de procurar um estágio, olhei para empresas que eram inspiração em tecnologia. E a IBM era uma delas”, diz. “Tive sorte de começar e trilhar minha carreira em uma empresa que tem diversidade em seu DNA. Mas, obviamente, não é um cenário que vemos generalizado no mercado.” Ela está na empresa há 23 anos.
Outro exemplo de presença de gênero feminino no comando de uma empresa de tecnologia é o de Tânia Cosentino, que comanda desde janeiro a operação brasileira da Microsoft. Já na época da faculdade, ser mulher em um ambiente predominantemente masculino fazia parte de sua trajetória. Foi uma das poucas alunas a cursar Engenharia Elétrica, na Faculdade de Engenharia de São Paulo – o percentual de mulheres formadas em cursos de engenharia é inferior a 30%, segundo dados de 2015 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “Quando ingressei no mercado de trabalho, essa realidade se repetiu. Sempre estive em um ambiente predominantemente masculino”, diz. Nos últimos 30 anos, antes de presidir a Microsoft, ela construiu sua carreira na indústria elétrica e por 19 anos esteve na Schneider Electric, na qual chegou ao cargo de presidente para a América do Sul. “Tive as oportunidades certas. Se as organizações por onde passei focassem em estereótipos na hora de me contratar, eu não estaria onde estou. Por conta disso, acredito que tenho a missão de promover uma mudança”, afirma.

Ana Paula e Tânia podem ser vistas como exceções ou, mais provavelmente, elas alcançaram seus postos por um conjunto de méritos que, na maioria das vezes, teve de superar o de colegas do gênero masculino. Por mais que as empresas em que atuem tenham poros para a diversidade e consistentes políticas inclusivas, isso ainda não é o bastante para abrigar no segmento de tecnologia mais mulheres. Mesmo dentro de suas corporações.

Tanto que nem IBM nem Microsoft ficam confortáveis em divulgar o número de funcionários por gênero, o que é sintoma de um caminho longo e árduo pela frente. Ocupar um cargo de liderança nesse ambiente fez Tânia, da Microsoft, pensar em iniciativas que mudassem o cenário. Desde 2011, ela participa de grupos para ampliar as oportunidades de carreira para mulheres. Em 2014, assumiu compromissos globais junto à ONU Mulheres, braço da Organização das Nações Unidas focado na promoção da igualdade de gênero. Ana Paula, da IBM, reforça a postura ativista.
Ana Paula Assis, presidente da IBM América Latina: “Como líder, tenho a oportunidade única de influenciar na construção de uma sociedade melhor ” (Crédito:Divulgação)
Não há outra palavra, nem mais apropriada, para definir o sentido de urgência e o conjunto de esforços para mudar esse gap de desigualdade de gênero. “Como líder, tenho a oportunidade única de usar meu histórico e aprendizagem para influenciar na construção de uma sociedade e de um mundo melhores”, afirma. Durante sua trajetória profissional, a executiva diz que nunca passou por uma situação em que sentiu preconceito por ser mulher. “Não deixem que outras pessoas escrevam suas histórias”, diz. Ela toca numa ferida clássica do mundo corporativo: a autocobrança de mulheres para que suas performances sejam irretocáveis. “Sejam proativas, criem um networking de pessoas que irão te apoiar em sua jornada e invistam em autoconhecimento, mas não se preocupem em buscar a perfeição”, afirma Ana Paula. “Você nunca vai estar 100% pronta no momento de tomar uma decisão. Podemos e devemos assumir riscos.”


DIVERSIDADE 


O primeiro grande marco da história da IBM na inclusão feminina foi, sem dúvida, a ascensão, em 2012, de Virginia (Ginni) Rometty ao cargo de CEO. Desde então ela lidera uma empresa com 350 mil funcionários no mundo. Cientista da computação, teve grande destaque por ter tomado à frente nas soluções de análise e armazenamento em nuvem, o que representou uma virada decisiva frente ao declínio enfrentado pela empresa com quedas nas licenças de soluções tradicionais. No ano passado, em sua carta aos investidores, Ginni ressaltou a importância da diversidade na performance de sua gestão. “Em 2018, impulsionada pelo registro diversificado de contratação, promoção e retenção, alcançamos nosso maior progresso em uma década na representação da diversidade entre mulheres executivas globais e minorias”, escreveu. “Também continuamos defendendo, com governos em todo o mundo, políticas que ajudem a garantir que os locais de trabalho sejam tão inclusivos e diversos quanto o mundo em que vivemos.”
Ana Paula endossa e diz que a inclusão deve ser um trabalho contínuo e conjunto, de qualquer gênero, de todos os segmentos. E para reduzir gaps de desigualdade as empresas acabam criando cada vez mais iniciativas. Na IBM existem os Business Resource Groups (BRG), que realizam iniciativas para recrutamento, desenvolvimento e promoção de um ambiente de trabalho mais inclusivo. “Precisamos de maior representatividade na contratação e desenvolvimento, criar condições para que as mulheres estejam presentes em todos os níveis hierárquicos das empresas”, diz Ana Paula.

Isso inclui iniciativas como o P-Tech, programa da IBM em andamento na Colômbia e no Brasil no qual alunos de Ensino Médio de escolas públicas recebem formação em uma das disciplinas Stem (acrônimo em inglês para Ciências, Tecno-logia, Engenharia e Matemática), com experiências práticas no local de trabalho. “Metade das turmas na Colômbia já é ocupada por meninas”, afirma Ana Paula. Por isso, ela defende o contínuo incentivo do debate e a promoção de iniciativas que acelerem essa mudança cultural, para que diversidade seja realmente uma prioridade de negócio e, no fim, que as empresas se adaptem às realidades das mulheres, e não o contrário, como era no passado.
Ginni Rometty, ceo Global da IBM: “Defendemos políticas que ajudem a garantir locais de trabalho tão diversos quanto o mundo em que vivemos” (Crédito:Justin Sullivan/Getty Images/AFP)
SÓ PARA HOMENS Na prática, as empresas herdam um problema que vem da formação. É fundamental ter mais mulheres matriculadas nas chamadas carreiras Stem e incentivar a entrada delas nessas áreas. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2015, apenas 29,3% dos alunos formados em cursos de engenharia, no Brasil, são mulheres. Em ciências, o número é um pouco maior (41%), mas ainda assim proporcionalmente pequeno em comparação aos homens nesse mercado. Esses índices não registram aumento desde 2000. Tania, da Microsoft, sabe que cabe ao mundo corporativo atuar nesse tipo de correção. “Se não fizermos nada, o gap tende a aumentar.” Na empresa, há iniciativas como a campanha global Make What’s Next, que visa desmistificar a ideia de que a área de Stem é só para homens.

Projetos desse tipo pretendem minimizar situações individualizadas, que dependam de um conjunto (famílias, amigos, escolas) nem sempre disponível de forma equilibrada na sociedade. Porque, assim como Ana Paula, Tânia também teve dentro de casa todo o apoio para tomar decisões, o que não costuma ser uma regra. Durante o ensino médio, na antiga Escola Técnica Federal de São Paulo, atual IFSP, conheceu a Eletrotécnica. Ainda adolescente conseguiu o primeiro trabalho. “Uma grande empresa alemã abriu seleção para estágio e contratou todas as meninas que se candidataram. Foi a primeira ação afirmativa de gênero, e isso em 1982, mas eu não tinha muito entendimento sobre o tema”, diz Tânia.

A experiência a fez perceber que diante de uma dificuldade, nem todas as pessoas reagem da mesma forma. E sua formação dentro de casa a ajudou a nunca se deixar paralisar por comentários negativos. “Nos momentos em que ouvi ‘isso não é para você’, ou coisa parecida, eu me sentia desafiada e encontrava forças para provar que meu interlocutor estava totalmente equivocado.” Para a executiva, diversidade e inclusão não podem ser apenas parte de um discurso. A coisa certa a fazer. “Não faz sentido sermos minoria nas empresas e representarmos mais da metade da população brasileira, é inaceitável. Temos de fazer algo, e agora!”

Tânia afirma que só será possível acabar com estereótipos quando as pessoas se colocarem no lugar do outro. “O que, muitas vezes, não é fácil, pois muitas pessoas que praticam o preconceito jamais estiveram em uma posição de minoria.” Hoje, na Microsoft, ela está convicta quanto a seu papel: ajudar a eliminar qualquer barreira que exista e contribuir para promover a diversidade, não apenas de gênero. “Precisamos de representatividade, ser ativistas pela diversidade”, diz. Uma bandeira que também é de Ana Paula, da IBM.

Mulheres ocupam apenas 19% dos cargos executivos

Um estudo realizado em 2018 pela Korn Ferry, organização global de consultoria, revela que de 14.284 empresas avaliadas em 52 países, apenas 19% dos cargos executivos foram preenchidos por mulheres. Até mesmo na Nova Zelândia e nos Estados Unidos o índice não excedeu 33%. Entre os americanos, aliás, outro levantamento da Korn Ferry, feito este ano com as 1.000 maiores empresas por faturamento, mostra que há somente 6% de mulheres na cadeira de CEO. No Reino Unido, a empresa de pesquisas Ipsos Mori traz um resultado ainda mais decepcionante: apenas 3% dos CEOs, no mundo todo, são mulheres.

Dados do IBGE divulgados em março retratam que no Brasil a desigualdade salarial faz com que mulheres recebam em média 20,5% menos que homens. Apesar da chuva de informações negativas, a visão da diretora do escritório da Korn Ferry, em São Paulo, Maria Alice Mendes, é um pouco mais otimista quanto ao avanço em relação à da diversidade nas companhias. Trata-se de olhar uma curva que, para ela, começa a dar sinais de inflexão, de mudança. Há um turning point a caminho. “O tema está na agenda do mundo dos negócios”, diz Maria Alice. Para ela, serão as grandes empresas, que têm um nível de governança mais maduro e estão mais avançadas em diversos processos, que conduzirão a mudança.

Muitas já têm estruturas dedicadas à inclusão, com intuito de promover e expandir a representatividade. De certa forma é uma cobrança que faz bem aos negócios e vem “da própria sociedade”, afirma. Maria Alice percebe até um movimento de maior aceitação inclusive em ambientes de trabalho predominantemente masculinos, que reivindicam a presença de mulheres como finalistas em processos de entrevista para contratação. Em relação a gaps salariais, a diretora da Korn Ferry no Brasil diz que a raiz do problema pode não estar obrigatoriamente em salários menores, mas sim no fato de menos mulheres chegarem a níveis tão altos nas organizações.

Nas principais universidades, mulheres não chegam a 15%

Caso a correção do gap de gênero da indústria da tecnologia dependa da formação de mulheres, a resposta não virá no curto prazo. Nos cursos de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo, e da Universidade de São Paulo (USP), os dois principais do País, o número de mulheres não chega a 15% dos alunos. A tradicional Escola Politécnica (Poli) da USP possui um curso de Engenharia da Computação. Das 40 vagas, apenas duas são ocupadas por mulheres. A questão é mais grave porque, aparentemente, o número baixo não está numa curva ascendente, mas descendente. No início da década de 1990, a porcentagem de mulheres nos cursos de Ciências da Computação da Unicamp chegava a 30%.

De acordo com a professora Esther Luna Colombini, do Instituto de Computação da Unicamp, o problema da aceitação da mulher no local de trabalho, em particular nas carreiras relacionadas às exatas, é um problema cultural que está presente em todo país e se esparrama pelo mundo acadêmico. A professora diz que, na universidade, há relatos diferenciados de preconceito. Desde alunos que não querem ajuda de monitor mulher à aluna que escuta que só passou na matéria porque é bonita ou porque o colega ajudou. “A diferença é que essa geração não fica mais calada. Ela reage e é importante que esteja respaldada para que esse tipo de comportamento não seja naturalizado.”

Para a professora Kalinka Castelo Branco, do Departamento de Sistemas de Computação da USP, é nas salas de aula que os professores precisam começar a mostrar que homens e mulheres têm as mesmas capacidades, sem fazer a distinção, tão tradicional culturalmente, entre “carreiras para meninos e carreiras para meninas”. Kalinka coordena o projeto Technovation Summer School for Girls, uma escola de verão para desenvolvimento de aplicativos voltada a meninas de 10 a 18 anos em estabelecimentos de ensino fundamental e médio voltadas especificamente à inclusão feminina no ensino superior de ciências exatas. O projeto, iniciado neste ano, já teve a participação de 160 meninas e acaba de ser contemplado com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A principal meta do Technovation Summer é o empoderamento feminino por meio da tecnologia.

Sabine Righetti, coordenadora acadêmica do Ranking Universitário Folha, diz que é preciso que haja investimento em campanhas por parte das universidades para captar mais alunas. “Precisamos proativamente convidar as meninas a cursarem carreiras de tecnologia”. Numa apresentação sobre o tema, a diretora da Poli, Liedi Bernucci, primeira mulher a assumir o cargo, falou sobre a importância da paridade de gênero para a construção de economias inclusivas, dinâmicas e prósperas. “Quando mulheres e meninas não são integradas – tanto como beneficiária quanto formadora – a comunidade perde habilidades, ideias e perspectivas”, diz.

As irmãs programadoras

Emmanuelle Richard, 17 e Alice Richard, 13 anos
As estatísticas ainda apontam um cenário árido para as mulheres na tecnologia, mas não são problema para duas jovens irmãs programadoras de Natal (RN), capital potiguar. Para Alice Richard, 13 anos, e Emmanuelle Richard, 17, a palavra de ordem é inspiração, que foi passada de pai para filhas e, agora, é um sentimento de troca entre as meninas.

Apaixonada por cachorros, a estudante Alice é a criadora da plataforma Focinhobook, rede social para pets de diferentes espécies, que já tem mais de 700 usuários. Emmanuelle, ou simplesmente Manu, apesar de ainda não ter feito 18 anos já cursa o 2º ano de Ciência da Computação na Universidade Potiguar (UnP) e faz estágio como programadora em uma empresa de São Paulo. “Uma se inspira na outra”, diz Manu.

As irmãs estão mergulhadas no mundo da tecnologia desde muito cedo, por incentivo do pai, Emmanuel Richard, 45 anos, também programador. Foi ainda criança, aos 8 anos, que Emmanuelle começou a frequentar um curso de programação para adultos. “Não tinha nenhuma mulher.” Hoje, ela tem alguns aplicativos já desenvolvidos – o primeiro deles para a feira de ciências de sua escola, quando tinha 12 anos. E ministra palestras. Esteve, inclusive, na versão nacional da Campus Party, este ano, em São Paulo.

Emmanuelle tem seu lema para passar pelas situações de preconceito: “Não importa de onde você vem, importa para onde você quer ir”. Ela diz que não é por ocupar uma área predominantemente masculina que ela (The little big developer, como é conhecida nas redes sociais) precisa abrir mão de usar tiara com orelhas de gatinho e cabelos tingidos de azul e verde.

Como a família toda é ligada em tecnologia, Alice, Manu e também a irmã mais velha, Isabelle Richard, 18 anos, coordenam o projeto W3E, ou Women Winning World With Equity (mulheres ganhando o mundo com equidade). O objetivo é organizar palestras para falar sobre o cenário das mulheres no mercado de trabalho, na área tecnológica, de negócios e empreendedorismo, com a missão de inspirar, educar e capacitar pessoas, equipes e comunidades.

A corrida do bilhão

Com maior acesso a capital de risco, empreendedores mais maduros e um mercado repleto de ineficiências, o Brasil começa a se tornar um novo polo de unicórnios


Não foram poucos os caminhos trilhados pelo francês Fabien Mendez antes de empreender. Em 2009, já formado em economia e direito, o aluno do mestrado em finanças e estratégias da Universidade Sciences Po, de Paris, iniciou a carreira como analista do JP Morgan. Passados apenas sete meses, desembarcou no Brasil. Não era o seu primeiro contato com o País. Dois anos antes, havia feito um intercâmbio na Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo. Na segunda visita, veio para ficar. Trabalhou nas operações locais do banco BNP Paribas e da Ernst & Young (EY).

Em 2012, decidiu que era o momento de dar asas à sua vocação empreendedora e fundou a GoJames, aplicativo de transporte de passageiros, nos moldes do Uber. “Esbarramos na regulação e foi um fracasso total em termos de negócios”, diz Mendez sobre a ideia, que teve vida curta. “Mas foram os oito meses de maior aprendizado em toda a minha trajetória.” A bagagem adquirida trouxe o fôlego para seguir em frente. E a inspiração para um novo percurso veio enquanto caminhava pela Avenida 9 de Julho, na capital paulista, ainda desolado pelo insucesso recente. O vaivém de motoboys, em suas palavras, “um a cada dois segundos”, despertou a curiosidade de pesquisar mais sobre os famosos gargalos logísticos brasileiros. Alguns meses depois, nascia a Loggi, startup de serviços de entrega.

Em seis anos de operação, a Loggi acumulou bem mais que os quilômetros percorridos pelas motos, vans e carros disponíveis no seu serviço. No período, a empresa reforçou seu caixa com seis rodadas de investimento, que totalizaram US$ 295 milhões e incluíram fundos como Monashees, IFC Venture e Kaszek Ventures. Anunciado em junho, o aporte mais recente, de US$ 150 milhões, fez com que a companhia alcançasse um destino até pouco tempo distante para uma startup brasileira: o estágio unicórnio, jargão usado no mercado para batizar as novatas avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais. “Nosso objetivo não é ser unicórnio ou qualquer que seja o termo. Essa etapa só é simbólica por validar que estamos no caminho certo”, afirma Mendez, que aponta o desafio de não deixar que o novo patamar suba à cabeça. “A responsabilidade é maior. Temos plena consciência de que existe um cemitério repleto de empresas que atingiram esse status.”

A Loggi não é a única novata brasileira a cumprir esse roteiro bilionário. O aplicativo de mobilidade 99 foi o pioneiro, em janeiro de 2018, ao ser comprado pela chinesa Didi Chuxing. De lá para cá, outras oito startups locais ganharam o mesmo status: a fintech Nubank; a holding de aplicativos Movile e sua investida iFood, de delivery de restaurantes; a PagSeguro e a Stone, de pagamentos; e a Arco Educação, de sistemas de ensino. As três últimas superaram a marca por meio da abertura de capital nos Estados Unidos. O nome mais recente a entrar nesse clube tão seleto que sequer chega a uma dezena de integrantes é a Gympass, plataforma de benefícios de saúde e bem-estar que dá acesso a academias de ginástica. Depois de ganhar musculatura e chegar a 14 países, a companhia fundada em 2012 anunciou, em meados de junho, um aporte de US$ 300 milhões.
Liderada pelo fundo japonês Softbank, a rodada avaliou o negócio em US$ 1,1 bilhão. “Acreditamos que esse investimento nos permitirá levar a nossa solução a mais organizações globalmente”, afirmou, em nota, César Carvalho, cofundador e CEO da Gympass. “O Brasil chegou a um momento de inflexão e a história da Gympass é prova disso: uma startup latina com modelo de negócios inovador, operação escalável e os atributos para se tornar um líder global”, ressaltou Scott Sobel, sócio-fundador do Valor Capital Group. Além de participar da última rodada, o fundo de venture capital com sedes no Brasil e nos Estados Unidos investe na operação desde os seus estágios iniciais.




MATURIDADE 


Fundadora da americana Cowboy Ventures, Ailen Lee foi a primeira pessoa a usar o termo unicórnio para designar as startups desse porte, em 2013. Na época, a maioria das representantes da safra local de novatas bilionárias já dava seus primeiros passos no mercado. A definição ganhou popularidade nos anos seguintes. Entre boa parte dos empreendedores, porém, a alcunha não é vista como um norte a ser perseguido e sim como uma etapa e uma consequência natural de projetos consistentes. É inegável, no entanto, que o surgimento dos primeiros casos de sucesso no Brasil mereça atenção. “É um marco da maturidade desse ecossistema local.

Hoje, temos mais investidores, aceleradoras, espaços de coinovação e casos de sucesso que inspiram outras startups”, diz Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo do Insper. Luis Franco, líder de aceleração da Endeavor, aponta outros fatores. “Já existe uma massa crítica de empreendedores mais preparados e com carreiras sólidas, além de muito capital externo de risco entrando e de fundos locais recém captados”, ressalta. “As outras regiões já estão saturadas. Por isso, há superfundos olhando para a América Latina e, em especial, para o Brasil”, acrescenta Nakagawa. O ano passado serve como um termômetro desse aquecimento no País e na região. A América Latina alcançou um recorde de US$ 2 bilhões em investimentos de venture capital. O Brasil foi o destino de US$ 1,3 bilhão desses aportes, ou 65% do total, por meio de 259 acordos, segundo a Associação Latino-Americana de Capital de Risco e Privado (Lavca).

Na ponta dos investimentos recentes na Loggi e na Gympass, e com um histórico de rodadas em empresas como Uber, Didi Chuxing e WeWork, o Softbank é o maior símbolo desse contexto. Em março, a companhia lançou um fundo de US$ 5 bilhões focado exclusivamente na América Latina. “Há muitas inovações e disrupções na região. As oportunidades de negócios nunca foram tão fortes”, afirmou Marcelo Claure, CEO do Softbank na região, em comunicado divulgado na época. No mercado, o desembarque é visto como um fator que já começa a impulsionar a capitalização e os aportes de fundos dedicados às etapas anteriores de desenvolvimento de uma startup. Muitos deles de olho na perspectiva da elevada valorização de um ativo com uma eventual entrada do Softbank mais à frente.
Muitos dos empreendedores no comando dos primeiros unicórnios brasileiros encontraram um cenário bem menos favorável quando iniciaram e desenvolveram seus respectivos projetos. Um dos principais desafios eram as oscilações na oferta de capital ou mesmo a escassez de recursos em determinados estágios de investimento. Mendez, da Loggi, conta que depois de 2015, com a recessão, era quase impossível levantar dinheiro. A fonte secou justamente quando a startup lançou as entregas para o e-commerce, o que demandava muito caixa. “Chegamos a ficar a poucos dias da falência. Passamos a ser muito mais conservadores financeiramente”, observa. O respiro veio em outubro do ano passado, quando o Softbank e a Kaszek Ventures injetaram US$ 110 milhões na operação. “Muitos pensam que as histórias de sucessos são sempre lineares, em evolução, mas tivemos que insistir muito para criar a nossa sorte.”

Para Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), apesar das dificuldades, que não se restringiam ao financiamento, as nuances de um mercado que ainda estava em processo de maturação ajudaram a forjar empreendedores e novatas com um perfil diferenciado, distante do clichê comumente associado a essas empresas em países como os Estados Unidos, onde o capital é farto e muitas startups são conhecidas pela cultura de “queimar dinheiro”. “Esses empreendedores entenderam que não adiantava ter uma boa ideia se não conseguissem andar com as próprias pernas”, diz. “Isso possibilitou a criação de negócios orientados a resultado.”




REINVENÇÃO


Inicialmente centrada em serviços de mensagens de texto (SMS) para empresas, a Movile é uma das pioneiras no ecossistema brasileiro – e um bom exemplo da mentalidade que pontua a trajetória dessa geração de unicórnios. A startup é fruto da fusão entre quatro empresas fundadas por estudantes universitários cujas histórias começaram a se cruzar a partir de 1999. “Naquela época não existia mercado, muito menos fundos de venture capital. Nós nos preocupamos em ter um modelo viável financeiramente desde o dia zero”, conta Eduardo Henrique, cofundador da companhia. No caminho, a companhia encontrou outras barreiras.

Instalada em uma incubadora em Campinas (SP), a novata teve todos os seus computadores e servidores roubados. Mas ninguém desistiu. Além da resiliência, a Movile ilustra bem mais uma fórmula presente nessa safra de empreendedores: a capacidade de se reinventar. A partir de 2007, com o lançamento do iPhone, os smartphones passaram a ocupar o espaço dos celulares básicos, os chamados feature phones, o que ameaçava seriamente a sobrevivência da empresa. A solução veio em duas frentes. De um lado, a companhia investiu na aquisição de uma série de aplicativos. Em outra ponta, Henrique foi morar no Vale do Silício, berço das inovações tecnológicas. E de lá trouxe um mantra que foi incorporado ao dia a dia e à cultura da startup: errar rápido, barato e aprender com esses erros. Na época, a Movile contabilizou 20 projetos fracassados, em um curto espaço de tempo.

Da ideia seguinte, no entanto, nasceu o PlayKids, aplicativo de streaming de vídeos e conteúdos para crianças que ganhou escala global e tornou-se um dos mais populares entre os usuários mirins dos dispositivos da Apple. Hoje, da mescla de aquisições e do desenvolvimento próprio, o portfólio do grupo inclui negócios como a Sympla, plataforma digital de gestão de eventos e de venda de ingressos, e o iFood, mais um unicórnio brasileiro. “O que a Movile mais aportou no iFood não foi dinheiro. Mas sim, modelo de gestão e pessoas”, diz Carlos Eduardo Moysés, CEO do iFood. “Nós mais erramos que acertamos. Mas muitas vezes aquele único acerto é o sucesso do negócio.”

A mudança no modelo e a rápida transição para um novo mundo são outras características valorizadas pelos investidores. “Um dos segredos para um empreendedor é se apaixonar pelo problema e não pela solução. Resiliência é diferente de teimosia. O ideal é tentar resolver o mesmo problema de formas diferentes”, diz Romero Rodrigues, sócio do fundo de investimentos Redpoint eventures e outro pioneiro do empreendedorismo digital no País. Com apenas R$ 300, ele fundou o comparador de preços Buscapé, em 1998. Um ano depois, o negócio recebeu seu primeiro aporte, de US$ 1 milhão.

Outras duas rodadas vieram até que a operação fosse vendida, em 2009, por US$ 374 milhões. Desde então, Rodrigues dedica parte de sua rotina aos investimentos e à mentoria para startups, replicando um modelo comum em mercados como o Vale do Silício. Além do talento das pessoas à frente das novatas e de seus respectivos times, o que classifica como o ativo mais valioso de uma empresa desse porte, ele destaca que é sempre interessante o empreendedor ter um pouco de narcisismo, até mesmo para liderar e atrair bons profissionais. “Mas é preciso saber ouvir. Quando quem está no comando é o senhor da razão, é um péssimo indicativo.”




A Gympass seguiu esse conselho. Criada com o foco no consumidor final, a empresa do portfólio da Redpoint eventures redirecionou seu modelo para o mercado corporativo. A ideia é que as companhias possam oferecer um leque amplo de academias para seus funcionários, com descontos e benefícios. Em contrapartida, esse formato traz vantagens em termos de redução de custos com planos de saúde e absenteísmo, entre outras questões. Em entrevista concedida à DINHEIRO há três anos, o fundador César Carvalho atribuiu boa parte dessa guinada aos conselhos de Rodrigues e de outros investidores, como Kees Koolen, cofundador e ex-CEO da agência de viagens on-line Booking.com. “Não tínhamos referências e a experiência deles está sendo essencial na construção do negócio”, afirmou, na época.Outros aspectos unem as startups bilionárias brasileiras “Todas elas resolvem problemas em mercados grandes, que ninguém quis peitar, como os bancos e a logística, de forma mais rápida, eficiente e com tecnologias escaláveis”, diz Nakagawa, do Insper. Para as fontes ouvidas pela DINHEIRO, além de seu porte, o mercado brasileiro é um verdadeiro laboratório vivo, com diversas ineficiências que são um convite para a inovação. “É preciso pensar com ambição, em transformar uma indústria, cortar intermediários. Todas as unicórnios brasileiras contestaram algo grandioso”, observa Pinho, da Abstartups.


CANDIDATAS 


Depois de produzir seus primeiros unicórnios, a perspectiva é de que o mercado brasileiro entre em um círculo virtuoso. “O que estamos vendo é o resultado do que foi plantado há dez anos”, afirma Rodrigues. “Vamos começar a ver mais casos, pois temos pela frente as safras de 2014 em diante.” Não faltam candidatas a romper a barreira do bilhão. A lista inclui nomes como QuintoAndar, Dr. Consulta, Grow, Creditas, VivaReal, Neoway, Contabilizei, Conta Azul e MaxMilhas, entre outras, em um universo de mais de 10 mil startups no País.

As fichas também recaem em “veteranas”. É o caso do GuiaBolso, fundada em 2012 e dona de um aplicativo de controle de finanças pessoais. A empresa já captou US$ 80 milhões e é mais um exemplo de persistência. “Recebemos mais de 60 nãos em um período de quatro meses. O mercado era formado por investidores tradicionais, que não viam que era possível fazer algo diferente em um mercado tão consolidado como o bancário”, afirma Thiago Alvarez, CEO e cofundador do GuiaBolso, ao lado de Benjamin Gleason. Para colocar o negócio em pé, o empreendedor vendeu um apartamento que estava terminando de pagar, o único bem que possuía na época. “Acho que ainda era um pouco cedo para o mercado e precisamos dar voltas a mais. Tivemos que provar que era possível.” Hoje, com 5,3 milhões de usuários, a startup está diversificando seu negócio com a oferta de curadoria de produtos financeiros, a começar pelo empréstimo pessoal. Além de ajudar o usuário a gerenciar suas finanças, o plano é indicar os melhores investimentos de acordo com o seu perfil.

Apesar do cenário favorável, há um consenso de que o mercado ainda tem desafios pela frente. “Temos bastante a melhorar em capital para os estágios semente e Série B”, diz Itali Collini, diretora de operações no Brasil do 500 Startups, fundo americano de venture capital que possui 43 brasileiras em seu portfólio, entre elas, a Conta Azul e a Viva Real. “E ainda existe uma certa aversão dos investidores ao risco. Há uma mentalidade retrógrada de que, necessariamente, todas as startups investidas têm que vingar.”




Outra questão é a dúvida sobre a capacidade de produzir talentos em um volume condizente com a demanda do setor. A perspectiva é de que essa carência intensifique e encareça a disputa por bons profissionais. Uma das alternativas é garimpar pessoas capacitadas em boas universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento. É o caso da Loggi, que planeja usar parte dos US$ 150 milhões aportados para contratar mais de mil engenheiros no “padrão do Vale do Silício” até 2020. O iFood, por sua vez, está investindo mais de US$ 20 milhões em uma academia de inteligência artificial que vai treinar profissionais e produzir pesquisas, além de trocar informações com universidades para incentivar o desenvolvimento do conceito no País. “É preciso fomentar essa discussão para que as pessoas se interessem por novas tecnologias”, diz Moysés, do iFood. “O Brasil é um mercado gigantesco para explorar e tem um potencial enorme para gerar empresas de mais de US$ 100 bilhões. Estamos apenas no começo.”




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Brasil solicita à OMC painel sobre subsídios da Índia aos produtores de açúcar


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O Brasil apresentou nesta quinta-feira, 11, ao Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) pedido de estabelecimento de painel no âmbito do contencioso iniciado em fevereiro deste ano a respeito do regime de apoio ao setor açucareiro da Índia. A informação foi divulgada nesta quinta-feira pelo Ministério das Relações Exteriores, em nota. “Austrália e Guatemala também formalizaram, nesta data, pedido de estabelecimento de painéis em contenciosos sobre o mesmo tema”, diz a pasta. 

O Ministério de Relações Exteriores (MRE) relata que o pedido de painel ocorreu após várias consultas ao governo da Índia, sem resultado. O pedido do Brasil será apreciado na próxima reunião do Órgão de Solução de Controvérsias, prevista para o próximo dia 22 de julho.

O MRE relata que nos últimos anos a Índia intensificou sua política interna de apoio ao setor açucareiro. “Desde a safra 2010/2011, o governo indiano praticamente dobrou o preço mínimo a ser pago pela cana-de-açúcar”, informa a pasta. “Apenas entre as safras de 2017/2018 e 2018/2019, o volume de açúcar a ser exportado pelas usinas indianas, definido pelo governo daquele país, passou de 2 milhões para 5 milhões de toneladas.”

Tais medidas, no entendimento do MRE, têm contribuído fortemente para a depreciação do preço internacional do açúcar, em prejuízo dos exportadores brasileiros. “Na avaliação brasileira, ademais, tais medidas são incompatíveis com as disciplinas do Acordo sobre Agricultura da OMC, seja porque ultrapassam os níveis de apoio doméstico permitidos à Índia, seja porque constituem subsídios à exportação vedados pelo Acordo.”


Lactalis concretiza acordo com Lala e conclui compra da Itambé


Com a aquisição da brasileira, a receita global do grupo francês sobe para R$ 8 bilhões 

 

Lactalis concretiza acordo com Lala e conclui compra da Itambé

Demorou, mas finalmente saiu do papel o acordo entre o grupo francês Lactalis e a mexicana Lala para acabar com todas as brigas jurídicas e permitir à primeira concluir a compra da brasileira Itambé. Na quarta-feira 10, a Lactalis anunciou que a aquisição só foi possível a partir de uma negociação global entre os grupos, resolvendo, por fim, a transferência de 100% do controle da empresa mineira para a multinacional da França.

Com a compra, a Lactalis, dona de marcas como Parmalat, Batavo e agora Itambé, se torna líder do mercado brasileiro de produtos lácteos e conquista um faturamento combinado de R$ 8 bilhões por ano. A união também garante ao grupo o título de líder em captação de leite no Brasil. Com processamento de 2,3 bilhões de litros de leite por ano – o equivalente a 9,4% da produção formal do País –, o grupo ultrapassa a suíça Nestlé, que captou 1,6 bilhão de litros no ano passado e liderava o ranking formado pela Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Leite Brasil).

O CEO da Lactalis para América Latina, Patrick Sauvageot, falou à DINHEIRO, mas não revelou os termos da negociação. Sabe-se, porém , que a Lala encerrou a parceria que tinha com a Parmalat no México.

A preocupação de Sauvageot, contudo, é com o sucesso do grupo. Segundo ele, o setor a inda tem muito espaço para crescer no País. “O consumo per capita de produtos lácteos ainda é muito pequeno no Brasil”, diz. “Os brasileiros consomem cerca de 4 quilos de queijo por ano, por exemplo, enquanto que na Europa esse índice é de 30 quilos por pessoa”, diz. O executivo destaca que os primeiros investimentos serão em tecnologia, melhoria nas fábricas e alinhamento de processos. Juntas, a Itambé e a Lactalis investem R$ 160 milhões por ano.

Impasse


Em agosto de 2017, a mexicana Lala comprou a brasileira Vigor por US$ 2,6 bilhões. A aquisição, no entanto, incluiu a fatia de 50% que a empresa detinha na Itambé – os outros 50% pertenciam à Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR). Na época, A Lala também lançou uma oferta para ter 100% do controle da companhia, mas uma cláusula no acordo permitia a uma das sócias igualar o valor da oferta. Não demorou muito para a CCPR exercer esse direito.
O problema começou porque a Cooperativa vendeu a sua parte para a Lactalis no dia seguinte. A Lala e a Vigor alegam que a CCPR descumpriu o acordo de acionistas ao negociar, nos bastidores, a transação com o grupo francês. A Lactalis havia participado da concorrência pela Vigor e perdido o negócio para a Lala. No processo, a empresa teria assumido o compromisso de não fazer nenhuma proposta pelos ativos da Vigor no prazo de dois anos, o que incluía a Itambé. O vai e vem resultou em uma série de liminares na Justiça, que agora chegaram ao fim com a transferência total da Itambé para a Lactalis.

*Colaborou: Moacir Drska

 https://www.istoedinheiro.com.br/lactalis-concretiza-acordo-com-lala-e-conclui-compra-da-itambe/

Revista Forbes: para Wall Street, ‘o Brasil está de volta’ aos negócios


Revista Forbes: para Wall Street, ‘o Brasil está de volta’ aos negócios
Ilustrada pela imagem do Cristo Redentor, uma análise publicada no site da revista Forbes declara que, para Wall Street, o Brasil “está de volta” aos negócios. O fator mais destacado para explicar a afirmação é, evidentemente, o avanço da tramitação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.

Na avaliação de Kenneth Rapoza, o rali recente do Ibovespa, “que está batendo todos os mercados emergentes”, é “todo graças a um antes impopular projeto de lei de reforma das aposentadorias, pelo qual dezenas de milhares foram às ruas no fim do mês passado em apoio ao esforço do novo presidente (Jair Bolsonaro) para mudar o claudicante sistema público de pensões do Brasil”.

O autor da análise lembra que a gestora BlackRock adotou recomendação “overweight”, ou seja, acima da média de mercado para o Brasil, mas pondera que os dados econômicos contemporâneos “não são inteiramente impressionantes”. “Bancos vêm revisando o crescimento econômico para baixo o ano todo. Investidores estão deixando de olhar para os fundamentos e apostando em um voo de cruzeiro daqui para a frente por causa da reforma previdenciária.”




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Mercado se acautela contra emendas que desidratam reforma

Senado começa a articular PEC para incluir Estados e municípios na nova Previdência

 

Da Redação, com Agência Brasil

 

redacao@amanha.com.br
Mercado se acautela contra emendas que desidratam reforma


O Ibovespa, principal índice da B3 (foto), opera com leve queda na manhã desta quinta-feira (11). Agentes econômicos se dividem entre a cautela com a votação dos destaques, que podem desidratar a economia esperada de quase R$ 1 trilhão em dez anos, e o otimismo por conta do placar da aprovação na noite de quarta-feira (10). Por volta do meio-dia, o Ibovespa apresentava retração de 0,8%, aos 104.928 pontos. O dólar comercial apresentava estabilidade, sendo vendido a R$ 3,7587 na compra e a R$ 3,7593 a venda. A apreciação dos destaques ao longo do dia dará o norte aos investidores sobre o fim da votação ou não, em dois turnos, ainda nesta semana.

O Senado pode costurar um acordo para reincluir os estados e os municípios na reforma da Previdência. O movimento tem apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele se disse favorável a que governos estaduais e prefeituras façam parte da reforma, mas admitiu não haver clima para que os deputados aprovem a reinclusão dos governos locais neste momento. Pela hipótese cogitada por Maia, o Senado aprovaria a reforma da Previdência, mas as modificações seriam fatiadas. Os pontos aprovados pelas duas Casas seriam promulgados, mas a reinclusão dos estados e dos municípios voltaria à Câmara dos Deputados para ser discutida novamente.

“O que entendo é que é muito difícil que a Câmara aprove esse tema, infelizmente. Todo mundo sabe que sou a favor. Mas de repente, pode ter uma construção da inclusão, como já ouvi do presidente do Senado [Davi Alcolumbre], no Senado Federal”, declarou Maia. “Com isso, o Senado poderia trabalhar a nossa PEC mais os estados e devolver como PEC paralela [a questão] dos estados para a gente fazer o debate em outro ambiente. Num ambiente menos tensionado. Não sei se é possível, mas vamos trabalhar para que a gente não tenha atraso na análise da reforma”, acrescentou Maia. 

Os governadores dos sete Estados que compõe o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) assinaram uma carta aberta no final de maio, em Gramado (RS), em que expressam apoio a reformas estruturais, em especial à da Previdência. Entre eles, há unanimidade relação à vinculação da Reforma da Previdência aos estados. A quarta reunião do Cosud foi marcada para sábado (13) em Vitória (ES).



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