A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse nesta quarta-feira, 5, que o governo é “terminantemente contra” equiparar as facções criminosas brasileiras a organizações terroristas, como vem defendendo a oposição à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo Gleisi, essa equiparação abriria margem para que outros países atacassem o Brasil.
“O
governo é terminantemente contra, nós somos contra esse projeto que
equipara as facções criminosas ao terrorismo. Terrorismo tem objetivo
político e ideológico, e o terrorismo, pela legislação internacional, dá
guarida para que outros países possam fazer intervenção no nosso País”, disse a ministra.
Ainda
de acordo com a ministra, o governo não concorda com essa equiparação
já que o Brasil conta com uma legislação de combate às organizações
criminosas.
“Nós já temos uma legislação sobre facções
criminosas, mandamos agora um projeto de lei que traz bastante rigor
para o combate às facções. E temos a PEC da Segurança, que está
dormitando há quase seis meses e a Câmara não deu encaminhamento. Espero
que o relator realmente apure seu relatório para que a gente aprove o
mais rápido possível e possamos fazer ações integradas”, declarou.
Governo federal não vê motivação ideológica nas facções
As
últimas manifestações do governo federal apontam direção diferente. O
ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, entende que PCC e CV não
possuem inclinação ideológica para serem classificadas como terroristas.
“Grupos terroristas são aqueles que causam perturbação social,
política, têm uma inclinação ideológica etc, o que não acontece com as
organizações criminosas”, explicou o ministro na semana passada.
As
declarações foram dadas durante divulgação do projeto Antimáfia,
documento do Ministério da Justiça e Segurança Pública que muda alguns
entendimentos na legislação sobre organização criminosa e endurece as
ações de combate contra facções. O texto foi enviado para avaliação da
Casa Civil e ainda terá de passar pelo Congresso.
O pacote é uma
tentativa do governo federal de protagonizar o tema da segurança pública
após entraves colocados à PEC da Segurança Pública, sistema integrado
de ação dos governos federal, estadual e municipal para atacar o crime
organizado. O projeto Antimáfia também representa uma alternativa ao
projeto em discussão na Câmara.
A
ideia de classificar facções como o PCC e o CV como terroristas esteve
na pauta de uma reunião entre membros do governo Trump com o Ministério
da Justiça e Segurança Pública em maio. O governo Lula rechaçou a
sondagem feita pelos norte-americanos, que pediram a categorização de
PCC e CV como terroristas.
A comitiva liderada por David Gamble alegara, segundo relatos de pessoas envolvidas ao Estadão,
que a legislação americana permitiria sanções mais pesadas contra as
duas facções se elas fossem enquadradas de tal modo pelo governo do
Brasil.
Os americanos mencionaram que o FBI (a Polícia Federal
norte-americana) avaliava que o PCC e o CV estavam presentes em 12
estados americanos, como Nova York, Flórida, Nova Jersey, Massachusetts,
Connecticut e Tennessee.
As duas facções têm usado o território
americano para lavar dinheiro, por meio de brasileiros que viajam ao
país, de acordo com membros da comitiva de Trump. Eles citaram que 113
brasileiros tiveram visto negado pela Embaixada dos Estados Unidos após
terem sido identificados como ligados às quadrilhas.
‘Classificação como terrorista é grande bobagem’, diz especialista
O
enquadramento das facções como grupos terroristas é uma “grande
bobagem”, na visão de Samira Bueno, diretora executiva do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
“Não estamos vendo terrorismo. O
que o Comando Vermelho e o PCC fazem é por dinheiro. Eles querem ganhar
dinheiro. De novo há uma tentativa de enquadrar o problema de uma forma
distorcida porque a política não deixa a gente avançar. Por isso, nós
vemos essa situação há tanto tempo no Rio de Janeiro”, afirmou à Rádio Eldorado nesta quarta-feira.
Este
é mesmo entendimento de Márcio Christino, promotor do Ministério
Público de São Paulo e autor do livro Laços de Sangue – A História
Secreta do PCC. Para ilustrar sua argumentação, o especialista cita como
exemplo de terrorismo o ataque do grupo Hamas contra Israel em outubro
de 2023, estopim dos conflitos na Faixa de Gaza.
“Neste ataque não
existiu objetivo de lucro, de ganho patrimonial. Foi um ataque
político. PCC e CV adotam o formato de cartéis, união de interesses
criminosos pautados pelo tráfico”, explica.
O ex-secretário
nacional de Segurança Pública José Vicente Filho também discorda de uma
eventual nova classificação. Em sua visão, a resposta adequada já está
prevista no Pacote Antimáfia.
“Cada crime terá uma resposta
própria. Não é necessário (enquadramento como terrorista). A prioridade é
impor penas que desestimulem a ação criminosa, garantindo que os
responsáveis passem o maior tempo possível em cumprimento de pena. Isso
já está contido na legislação Antimáfia”, diz o especialista.
*Com informações do Estadão Conteúdo e Deutsche Welle