A Copa não tem o poder de transformar o Brasil. No dia 12 de junho, continuaremos a ser o mesmo país. E é aí que está o mal: em algum momento acreditamos poder fingir ser o que não somos
São Paulo - Um mês — um único mês — de alegria não poderia nos custar
tão caro. Não estou falando apenas da montanha de dinheiro investido em
12 estádios de futebol que certamente não prestarão um grande serviço à sociedade após o apito final do Mundial de futebol do Brasil.
Na paisagem de Brasília,
o Mané Garrincha surge quase como um deboche, com sua cobertura de
tecido importado de 174 milhões de reais. Não estou falando apenas das
parcas obras de infraestrutura e
mobilidade urbana, feitas às pressas, à base de jeitinhos e de aditivos
contratuais. Tudo isso é inconcebível. Mas também é fato. Nada disso
seria um mal necessário — mas permitimos que fosse.
O preço maior, até agora, é o desalento, o mal-estar geral, a sensação
de que somos, comprovadamente, uma sociedade mixuruca, de segunda
categoria, que não consegue planejar, que não consegue realizar, que é
incapaz de fiscalizar, que é impotente para impedir — não a realização
da Copa, mas os descalabros expostos via satélite em ocasiões como essa.
Estamos com medo de passar vergonha diante do mundo. Estamos angustiados com o que vão dizer lá fora sobre nossos aeroportos, rodovias, hospitais.
O que acontecerá se um bueiro explodir no Rio de Janeiro? E se
ocorrerem arrastões no Recife? O que vão falar dos brasileiros se um
turista for assaltado e morto? E se fotos com meninas prostitutas em
Fortaleza estamparem os jornais estrangeiros? O que americanos, ingleses
e espanhóis vão pensar da paisagem de Itaquera, um dos bairros mais
pobres de São Paulo, palco da abertura do Mundial?
A Copa não tem o poder de transformar o Brasil. No dia 12 de junho,
continuaremos a ser o mesmíssimo país. E é aí que está todo o mal: em
algum momento, acreditamos que pudéssemos fingir ser algo que não somos.
Nações são como famílias. Não queremos que nossa raiva, amargura,
desavença e miséria sejam expostas.
É sempre mais confortável jogar tudo para debaixo do tapete das
intimidades. Talvez isso pudesse ser feito se o mundo não tivesse mudado
desde 1950 e se tudo se resumisse à paixão nacional, ao futebol. Não é,
evidentemente, o caso.
Ao optar por sediar a Copa de 2014, aceitamos correr o risco de
escancarar o que temos de melhor e de pior — e é a evidência de nossas
incapacidades que nos dá raiva e nos faz desejar, no fim das contas, que
nada disso estivesse acontecendo.
A exposição deste Brasil que não queremos ver é o que dá um inesperado
gosto amargo a um evento que deveria ser nossa grande festa. Bom seria
se tudo não passasse, como afirmou dias atrás o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, de pura intriga de “setores que parecem desejar o
fracasso da Copa”.
E que querer ir de metrô ao estádio fosse uma “babaquice” da classe
média mimada. Infelizmente, pelo menos para Lula, o brasileiro não
parece feliz com as opções de mobilidade urbana sugeridas por ele: ir a
pé, descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa.
Pode ser — e é melhor que seja assim — que tudo mude quando a bola
começar a rolar no gramado, o brasileiro ouvir o hino e eventuais
vitórias passarem a inflar nossa autoestima e nosso orgulho nacional.
Seria ótimo, no fim das contas, que a amargura e a revolta dessem lugar à
festa.
Nesta altura do campeonato, é bom torcer para que o melhor do
brasileiro — nossa verdadeira face boa — possa aflorar. Vai ter Copa — a
Copa possível no Brasil das realidades, e não das ilusões. Também somos
filhos de Deus, e um mês de alegria será uma pequena compensação pelo
preço que, num momento de autoengano coletivo, decidimos pagar.
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