Depois da gestão turbulenta do sul-coreano Mu Hak You, a Gafisa anuncia nova direção — e o desejo de construir o caminho pelo qual se recupere
Uma característica une boa parte das principais
incorporadoras brasileiras. Mesmo após o boom de aberturas de capital do
setor, em 2007, muitas delas seguiram com um sobrenome forte à frente
dos negócios: Horn, na Cyrela; Nigri, na Tecnisa; Menin, na MRV; Zarzur,
na EZTec; e Borenstein, na Helbor. Até pouco tempo, a Gafisa destoava
dessa corrente. Com uma estrutura acionária pulverizada, a gestão da
empresa não era personificada em um “dono”. Esse perfil ganhou outro
contorno em setembro de 2018, quando o sul-coreano Mu Hak You, por meio
da gestora GWI, consolidou uma participação relevante e passou a ditar
os rumos da operação. Entre outras medidas polêmicas, a nova gestão fez
severos cortes na equipe, assumiu todos os assentos no Conselho de
Administração, suspendeu pagamentos a fornecedores e, com o caixa
pressionado, promoveu um questionado programa de recompra de ações. Seis
meses depois, o investidor saiu de cena. E deixou como herança um
grande ponto de interrogação sobre o futuro da companhia. Agora, sob uma
nova perspectiva, a Gafisa tenta juntar os cacos e construir as bases
de sua recuperação.
Os primeiros passos foram dados na manhã da segunda-feira 6. Em
assembleia, os acionistas confirmaram Roberto Luz Portella como novo
CEO. O executivo já integrava o Conselho de Administração desde meados
de março e vai acumular também os cargos de diretor financeiro e de
relações com investidores, em substituição a Ana Recart, braço direito
de Mu Hak You. “Antes de aceitar qualquer convite, eu fiz uma análise
crítica da empresa. Não vim totalmente cru ao assumir a posição”, afirma
Portella. “O mercado ficou realmente atônito, sem saber para onde ia a
Gafisa. Agora, cabe a mim mostrar esse caminho.”
Portella não estará sozinho nessa empreitada. No Conselho, o
executivo terá a companhia de seis nomes. Entre eles, Nelson Tanure,
investidor conhecido por mirar empresas em dificuldades financeiras e
operacionais. Com apenas 500 ações da Gafisa, ele já manifestou
interesse em ampliar consideravelmente essa fatia. A nova composição
ganhou um voto de confiança dos acionistas, que deram sinal verde para
um primeiro aumento de capital, por meio da emissão de até 26 milhões de
novas ações ordinárias, dentro do limite autorizado pelo estatuto
atual. O preço fixado do papel é de R$ 6,02, abaixo da cotação da
empresa na quarta-feira 17, de R$ 6,96. “Não nos interessa fazer uma
emissão com preço alto e captar 20%, 30%. Queremos 100%”, diz o CEO. No
mercado, estima-se que a captação alcance até R$ 160 milhões. Em busca
de fôlego no caixa, também foi aprovada a emissão de debêntures
conversíveis de até US$ 150 milhões. Ao mesmo tempo, o aumento do limite
de capital para 120 milhões de ações estará em pauta em nova
assembleia, em 23 de abril.
Enquanto aguarda a injeção de capital, Portella faz um diagnóstico
dos problemas da Gafisa. Uma das principais constatações é a histórica
falta de um comando centralizado, que permitiu o avanço de “núcleos de
poder” dentro da empresa. Em relação ao passado mais recente, ele
destaca a ausência de uma gestão que representasse, de fato, os
interesses dos demais acionistas. Agora, a ideia é permitir que
diretoria e Conselho trabalhem muito próximos, em um modelo no qual os
membros do colegiado possam ter mais participação nas decisões
operacionais. Ao mesmo tempo, ele entende que essa abertura para o
diálogo não deve se limitar ao público interno. “A Gafisa é muito
fechada. Para recuperar a credibilidade e chamar capital, precisamos
conversar com os investidores potenciais, o mercado financeiro e os
clientes.”
na mira Essas estratégias terão o apoio de comitês de reestruturação,
de governança, de investimentos e de auditoria. Algumas questões do
passado serão alvo dessas iniciativas. E de eventuais buscas por
ressarcimentos. Apontada por um grupo de minoritários, uma suposta
fraude na cisão dos negócios com a Tenda, em 2017, é uma delas. Bem como
uma série de medidas tomadas pela gestão anterior. “Não posso prejulgar
ninguém, mas posso investigar. Até mesmo para que os acionistas e o
mercado tenham a segurança de que isso não irá se repetir”, afirma
Portella. Em paralelo, os segmentos no radar da incorporadora, mais
conhecida pelos empreendimentos de média e alta renda, também serão
reavaliados. Não estão descartadas as entradas em frentes como parcerias
público privadas (PPPs), hotelaria e produtos mais populares.
Os primeiros sinais da nova gestão são bem vistos por fontes
consultadas pela DINHEIRO. Mas há percalços à frente. “A empresa precisa
se capitalizar, pois tem um endividamento muito alto”, diz Shin Lai,
analista da Upside. Hoje, as dívidas da Gafisa somam R$ 889,4 milhões,
sendo que 39% desse montante vencerá em 2019. “Mas também é preciso dar
uma resposta operacional ao mercado, com a manutenção de projetos e o
anúncio de lançamentos.” Marcelo Apovian, sócio da consultoria Signium,
ressalta que o novo quadro tem o perfil ideal para a reestruturação da
empresa e a atração de recursos. “Minha dúvida é saber o quanto esse
capital vai durar, especialmente em um momento em que a economia não dá
sinal de retomada.” Esse cenário parece não assustar Portella. “Nosso
desafio não é de um ou dois anos. É de longo prazo”, afirma. “Mas vamos
convencer o mercado que a Gafisa agora tem um rumo.”
https://www.istoedinheiro.com.br/o-plano-para-a-construtora-sem-dono/
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