Em entrevista à DW, Edmar Bacha destaca importância desta reforma para a economia brasileira. Mudança deve trazer mais arrecadação a médio prazo e longo prazo.Longe de ser ideal pelo volume de reduções ou isenções de alíquotas, a reforma tributária poderá representar “melhoria substancial” na tributação do consumo no país, caso o parecer do relator seja acolhido no Senado. A avaliação é do economista Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real, sobre o relatório da reforma apresentado nesta quarta-feira (25/10) pelo senador Eduardo Braga (MDB/AM).
“Gostei especialmente da determinação que todas as isenções sejam submetidas a cada cinco anos a uma avaliação de custo-benefício, podendo ser reduzidas ou eliminadas”, disse o economista à DW.
Para Bacha, a reforma tributária teria o potencial de impactar a economia nacional de maneira semelhante ao Plano Real, caso não tivesse sido modificada com a inclusão de jabutis – regras alheias à proposta original – durante a tramitação na Câmara dos Deputados. O plano econômico, adotado na década de 1990, foi um marco no combate à inflação, estabilizou a economia e criou condições positivas para a atividade e o investimento.
A previsão é que a proposta do relatório seja votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na primeira semana de novembro e então seguirá para a avaliação do plenário.
A reforma unifica a legislação tributária e transforma cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) em três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo. Cada um terá um período de transição para entrar em vigor.
Em entrevista à DW, Bacha comentou ainda a evolução da economia brasileira este ano, a situação fiscal e a fragilidade do ambiente externo, com as guerras em curso e o turbulento processo eleitoral argentino.
DW: Que eixos devem ser encarados pelo governo para um arranjo econômico melhor para o país?
Edmar Bacha: A coisa mais importante é reforma tributária. A reforma tributária, da maneira como foi concebida inicialmente, poderia ter um impacto sobre a economia brasileira parecido com o que o Plano Real teve. Uma unificação dos impostos, simplificação tributária, tarifa única para todos os produtos, bens e serviços. Isso seria extraordinário porque a complexidade do sistema tributário sobre o consumo no Brasil é extraordinária. As firmas têm de criar sistemas contábeis complexos. Têm de estar permanentemente acionando o governo. A quantidade de disputas policiais tributárias que existem no Brasil é sem paralelo no mundo.
Como avalia a tramitação na Câmara?
Resolver esse problema seria uma maravilha, mas para isso é preciso haver uma unificação. Em parte, porque o presidente Lula não se empenhou e em parte porque o Arthur Lira [presidente da Câmara dos Deputados] queria mandar a coisa para a frente. De qualquer jeito, criaram uma proposta que foi aprovada na Câmara com uma centena de jabutis, que distorcem totalmente a ideia inicial dessa simplificação e unificação dos impostos. Então, agora, a expectativa seria uma recomposição da proposta original no Senado. Mas para isso é preciso que o governo esteja lá dentro.
Como avalia o relatório da reforma tributária apresentado pelo senador Eduardo Braga?
Numa primeira e rápida leitura me parece que o parecer, embora longe do ideal dado o número de exceções ao tributo padrão, se acolhido representaria uma substancial melhoria em relação ao atual sistema de tributação do consumo. Gostei especialmente da determinação que todas as isenções sejam submetidas a cada cinco anos a uma avaliação de custo-benefício, podendo ser reduzidas ou eliminadas por legislação infraconstitucional.
Quais as expectativas de médio e longo prazo com a reforma?
Essa reforma tributária do consumo não necessariamente vai gerar a curto prazo aumento de impostos. A médio prazo e longo prazo sim, não porque aumenta a carga tributária, mas porque aumenta o PIB. Aumentando o PIB, aumenta a arrecadação. Então um eixo fundamental que falta seria concentrar esforços para uma reforma tributária de consumo de primeiro mundo, como era na proposta original. Agora para poder fazer isso, é preciso cuidar da segunda parte, que é a redução do gasto. Porque senão o déficit aumenta, mas aí o governo fica concentrando esforços em outras coisas para aumentar a receita. Essa é uma questão central que precisaria ser remediada.
Este ano a economia avançou de alguma forma e que desafios existem?
Em geral, podemos dizer que a economia está se comportando melhor do que os economistas prediziam no começo do ano, dado especificamente o fato de o Congresso ser dominado pelo Centrão e o governo do PT ser muito ainda dentro de lógica estatal protecionista e muito pouco reformista, como o Brasil precisa. Então, havia essa perspectiva de que a maneira de conciliar o nacional estatismo do lulo-petismo com a voracidade do Congresso, do Centrão, seria gastar mais. E isso oferecendo uma perspectiva muito ruim, em termos não somente fiscal, mas do crescimento da dívida e da necessidade de o Banco Central manter juros reais muito altos por muito tempo.
E como foi a evolução?
Comparado com essa perspectiva, estamos indo melhor do que se esperava. Apesar de o Centrão estar basicamente sob o controle de Arthur Lira. Por um lado, tem esse lado fisiológico, mas por outro também tem uma certa preocupação com a situação fiscal. De fato, o controle da situação fiscal está na mão do ministro da Fazenda, o Fernando Haddad, que é uma pessoa muito sensata. E, nesse sentido, as coisas estão melhores do que a gente previa.
Ele faz um bom trabalho?
Com certeza. O problema do Haddad, nem é a oposição. O problema do Haddad é o ‘fogo amigo' e a dificuldade de lidar com essa voracidade característica tanto do Centrão quanto essa visão ideológica do PT, sintetizada anos atrás pela ex-presidente Dilma Rousseff de que “gasto é vida”. Essa ideia de que o país vai para frente se o governo gastar mais. Ele está tratando de lidar com essa situação. Agora, a questão fiscal brasileira continua fundamentalmente em aberto. O que preocupa? Há a discussão sobre a dificuldade de cumprir os superávits fiscais previstos estes dois anos.
Visto de hoje, é praticamente impossível cumprir a meta fiscal. Porque o governo insiste em gastar mais, se recusa a considerar propostas de reforma administrativa, reforma previdenciária, prosseguir no programa de privatizações, que poderiam reduzir o gasto. E fica nessa crença de que, entre aspas, taxando os ricos eles vão conseguir tapar o buraco. Nós sabemos, obviamente, que a taxação dos fundos offshore, dos fundos fechados, é mais do que devida. Mas ela não vai gerar os recursos suficientes no nível que o governo necessita para cumprir as metas fiscais.
Na perspectiva da arrecadação, um crescimento maior ou alguma medida poderia beneficiar o atingimento das metas?
O problema é aonde que vai sair o crescimento. Este ano está surpreendendo, não é? Mas o ambiente externo está muito ruim. Há mais uma guerra no mundo, como se não bastasse a Ucrânia ser invadida pela Rússia. A tensão contínua entre a China e os Estados Unidos. O ambiente externo está muito frágil.
E localmente, na nossa região, as eleições na Argentina, enfim, estão totalmente turbulentas. Tudo indica que a Argentina vai entrar numa hiperinflação. O que será péssimo para eles, mas muito ruim também para o Brasil. Nessas circunstâncias, era preciso um pouco mais de tranquilidade. E fazer uma revisão dos gastos para assegurar que o Brasil mantenha alguma perspectiva de continuado acesso ao mercado internacional tanto de bens quanto de capital.
Acredita que a Argentina precisará passar por uma experiência de extrema direita, como o Brasil passou?
Acho que não é uma questão de extrema direita. É questão de como a Argentina vai conseguir lidar com essa inflação galopante. E com uma defasagem, já deve estar até mais 150%, o dólar blue [cotação paralela] deve estar chegando a quase mil pesos. E acelerando, com a perspectiva de Javier Milei ameaçando fazer uma dolarização imediata. A Argentina tem reservas internacionais negativas e isso só pode ser feito se liquidar o valor do peso, ou seja, se houver uma hiperinflação, que será extremamente penosa, especialmente para as classes mais baixas da Argentina. Os trabalhadores que não têm acesso a dólares.
A desvalorização, caso feito, seria um novo choque de empobrecimento no país?
Com certeza, mais ainda do que está acontecendo. Quem carrega peso hoje em dia são os trabalhadores, o pessoal mais pobre. Enfim, se você acelerar a inflação, quem vai sofrer, vai ser um sofrimento terrível. Sabe-se lá o que é que vai resultar disso? Enfim, a situação é muito preocupante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário