quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Herdeiros da Hering trazem Guess de volta ao país com produção local


MARIANA BARBOSA
DE SÃO PAULO

A grife americana Guess está de volta ao país, desta vez pelas mãos dos herdeiros da Cia. Hering.
Conhecida pelos jeans colados ao corpo, a marca chega com preços mais acessíveis e uma estratégia diferente das grifes estrangeiras que têm desembarcado no país e que trazem as mercadorias de fora, com altos custos de importação: todos os jeans serão fabricados no Brasil. 

Além de garantir preços similares aos praticados nos EUA, a fabricação nacional permitirá adaptar a modelagem ao corpo das brasileiras. 

"Meio centímetro a mais na panturrilha ou na coxa num modelo 'skinny' faz toda a diferença em termos de conforto", diz Thomaz Hering, 25.
Os jeans custarão a partir de R$ 199. Nos EUA, começam em US$ 89 (R$ 202). 

Na primeira tentativa de trazer a Guess para o país, com outros parceiros e a linha toda importada, o jeans começava em R$ 500 e podia chegar a R$ 800. 

"O brasileiro não é burro. Não adianta trazer a marca e vender a três vezes o preço praticado lá fora", diz. 


Ze Carlos Barretta/Folhapress
André, Thomaz e Thiago, herdeiros da Hering e sócios com 40%da Guess Brasil; jeans serão todos feitos no país
André, Thomaz e Thiago, herdeiros da Hering e sócios com 40%da Guess Brasil; jeans serão todos feitos no país

A coleção que chegará às lojas em janeiro será quase 70% fabricada no país.
A Guess chegou a ter três lojas no país, incluindo um ponto de 200 m na Oscar Freire. Mas o negócio não durou mais de dois anos e foi encerrado em 2009. 

Thomaz e os irmãos André, 27, e Thiago, 30, filhos do presidente da Hering (Fábio Hering) e representantes da sexta geração da companhia catarinense, são sócios com 40% da Guess
 
 Brasil, por meio da HRG3. A Guess deterá o restante. Os valores do investimento serão divulgados no próximo balanço da companhia americana. 

A primeira loja abriu as portas na semana passada, no Shopping Cidade Jardim, mas a marca não pretende focar o luxo. A próxima abertura será no shopping Center Norte. "Jeans não tem classe social. Queremos falar com o Brasil inteiro", diz André. 

A intenção é abrir 45 lojas nos próximos cinco anos. Os sócios deverão comandar até dez lojas no eixo Rio-São Paulo. O resto da expansão se dará no modelo de franquia. A empresa também aposta nos canais multimarcas e tem como meta alcançar mil pontos de venda até 2018. 

Os Hering fazem questão de ressaltar que o negócio é totalmente independente da Cia. Hering. A produção não será feita em fábricas da Hering e não há relação societária entre as empresas. 

Com diplomas em administração e direito, os três irmãos estão impedidos de trabalhar na Cia. Hering devido a regras de governança corporativa. 

A HRG3 existe há cinco anos e tem, entre outros negócios, uma rede de 17 lojas franqueadas da Cia. Hering.

Cautela deve pautar contratação em moeda estrangeira


Tema de grande relevância no mundo empresarial é a possibilidade de contratação e de indexação em moeda estrangeira nos negócios jurídicos que prevejam obrigações a serem executadas no território nacional.

O Brasil — nação historicamente protecionista — vem há muitos anos editando normas que limitam a liberdade de as partes contratarem em moeda estrangeira, atribuindo consequências de suma gravidade, como a nulidade contratual das avenças que contrariem essas restrições.

Ocorre que grande parte dessas normas não atentou à devida clareza legislativa que o cotidiano empresarial necessita, principalmente, com a intensificação dos negócios internacionais. Como resultado, trouxeram instabilidade jurídica aos nacionais e estrangeiros que tenham celebrado contratos contemplando obrigações a serem executadas no território nacional. Desta forma, muitas demandas foram levadas ao Judiciário, que tardou em definir um posicionamento sobre esta matéria, como se denota da análise histórica de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça[1], que em muito oscilaram de entendimento.

De qualquer forma, é de elogiável clareza e técnica jurídica o recente julgamento do Recurso Especial 1.323.219J[2], da relatoria da ministra Nancy Andrighi, que enfrentou de forma precisa a possibilidade da contratação e da indexação dos negócios jurídicos em moeda estrangeira e as suas consequências legais, conforme a atual legislação vigente.


Apanhado histórico sobre o tema




Fazendo um apanhado histórico legislativo sobre o tema, temos o Decreto 23.501/33 que, em seu artigo 1º, ao tratar sobre os contratos exequíveis no território nacional, estabelecia a nulidade de qualquer estipulação de pagamento em ouro ou em determinada espécie de moeda, assim como por qualquer outro meio tendente a restringir o curso forçado da moeda na época.

Essa regra restringia a liberdade contratual das partes de estipular o pagamento em moeda estrangeira, até então consagrado pelo Código Civil de 1916, no seu artigo 947, parágrafo 1º. Como justificativa, de acordo com o contexto histórico, buscava-se evitar, principalmente, a dolarização, sob a alegação de enfraquecimento da economia interna e tentativa de minimizar os impactos e oscilações econômicas internacionais na economia brasileira.

Posteriormente, publicou-se o Decreto-Lei 857, de 11 de setembro de 1969, no afã de consolidar e alterar toda a legislação até então vigente sobre a moeda de pagamento de obrigações exequíveis no Brasil. O novo regramento — que vigora até os dias atuais — revogou as diversas legislações sobre a matéria e, em especial, o citado Decreto 23.501, além de suspender os efeitos do parágrafo 1º do artigo 947 do Código Civil de 1916.

O Decreto-Lei 857/69, entre outras disposições, manteve a regra de que seriam nulos os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações exequíveis no Brasil que estipulassem pagamento em moeda estrangeira ou, por alguma forma, restringissem o curso legal da moeda da época. Pode-se afirmar que o Decreto-Lei 857/69 trouxe avanços no cenário legal brasileiro. Isso se deve ao fato de ter excepcionado, em seus artigos 2° e 3º, um extenso universo de negócios jurídicos que poderiam ser pagos em moeda estrangeira, não se enquadrando, portanto, nas restrições aplicáveis em caráter geral às obrigações cuja execução se dariam no território nacional.

Como exemplo, a normativa deixou claro que não estariam inclusos nestas restrições os: (i) contratos e títulos referentes à importação ou exportação de mercadorias; (ii) contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior; (iii) os contratos de compra e venda de câmbio em geral; e (iv) empréstimos e quaisquer obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuando-se as obrigações referentes a locações de imóveis situados no território nacional.

Reconhecido o avanço legislativo do Decreto-Lei 857/69, também merece ser avaliado criticamente o seu texto. Isso porque esta norma previu a nulidade das avenças que estipulassem o pagamento em moeda estrangeira, mas se omitiu em relação à possibilidade ou não de indexar as avenças em moeda estrangeira, prática que era comum e necessária em razão da volatilidade histórica que acompanhou as moedas no Brasil em períodos anteriores ao Plano Real.

Dessa forma, o Decreto-Lei 857/69, ainda vigente, ensejou, no contexto jurídico e empresarial brasileiro, muitas falhas interpretativas pelo fato de haver vedado apenas o pagamento das obrigações em moeda estrangeira, mas não havendo vedado ou regulado se as partes contratantes poderiam ou não indexar as obrigações exequíveis no país em moeda estrangeira[3].

Essa simples lacuna — ou carência de precisão legislativa — originou discussões doutrinárias e jurisprudenciais que até hoje não foram totalmente superadas. A consequência foi um grande prejuízo, decorrente da desnecessária insegurança jurídica aos contratantes com obrigações exequíveis no território nacional.

De outro lado, após praticamente 25 anos de incerteza, a Lei 8.800[4], de 27 de maio 1994, brindou-nos com esclarecimento expresso sobre o tema. De fato, em seu artigo 6º, a referida lei estabeleceu que é nula a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no país, com base em captação de recursos provenientes do exterior.

Portanto, desde 1994 a legislação prevê regras específicas a serem manuseadas pelos operadores do direito em relação à temática, independente da discussão econômica e política que envolve a possibilidade de o Estado tolher a liberdade dos contratantes de avençarem obrigações contratuais exequíveis no Brasil com pagamento em moeda estrangeira e indexar reajustes em moeda estrangeira.

Mais adiante, a Lei 10.192/01[5], em seu artigo 1º, de forma categórica reforça a impossibilidade da indexação das obrigações em moeda estrangeira. De fato, esta normativa estabelece que, em se tratando de obrigações exequíveis no país, é vedado, sob pena de nulidade, o pagamento expresso ou vinculado à moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 857/69 e na parte final do artigo 6º da Lei 8.880/94.

Ainda no contexto legislativo, cabe mencionar que o artigo 318 do Código Civil Brasileiro de 2002, na esteira das regras já citadas, dispôs que são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuando os casos previstos na legislação especial, como a título de exemplo, aquele rol de avenças estabelecidas no artigo 2º do Decreto-lei 857/69.

Ocorre que tais positivações não foram suficientes para uma definição do posicionamento da jurisprudência sobre a matéria, sendo que os contratantes não obtiveram uma resposta exata e imediata inclusive do Superior Tribunal de Justiça neste sentido. Como evidência dessa disparidade interpretativa, pode-se mencionar o Agravo 1.043.637[6], da relatoria do ministro Aldir Passarinho Junior, julgado em 17 de fevereiro de 2009, no qual se conclui pela possibilidade de indexação em moeda estrangeira, desde que haja conversão em moeda nacional na data do efetivo pagamento.

Importante destacar que, naquele caso, discutia-se a possibilidade de indexação ao dólar de um contrato de financiamento para aquisição de bens, de sorte que não se está tratando de contratos de fornecimento de commodities ou mesmo daqueles fornecimentos que possuem grande parte do valor atrelado à variação de alguma commodity, cujo preço sofra variação de acordo com o mercado internacional. Nessas situações, o Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento no sentido de permitir tal indexação[7].


Pagamento em moeda estrangeira e exceções



Constata-se que é expressa na legislação a vedação do pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no Brasil, sob pena de nulidade. Tal regra, contida na legislação atualmente vigente, especialmente, no artigo 318 do Código Civil de 2002, e nas Leis 8.880/94 e 10.192/01 e Decreto-lei 857/69, inclusive norteia a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

E encontram-se fora do escopo dessas restrições, a título de exemplo, aqueles pagamentos em moeda estrangeira, referentes às hipóteses previstas nos artigos 2º e 3º do Decreto-lei, tais como, obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, contratos de importação ou exportação de mercadorias, entre outros mencionados anteriormente neste artigo.


Indexação e contratação em moeda estrangeira no Brasil


Da mesma forma que o pagamento, é vedada, sob pena de nulidade, a indexação e vinculação dos negócios jurídicos e obrigações exequíveis no Brasil, conforme prevê o artigo 318 do Código Civil de 2002 e nas Leis 8.880/94 e 10.192/01.

Não estão incluídas nessas hipóteses, conforme o entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado, as avenças que envolvam o fornecimento de commodities atreladas à variação de preços do mercado internacional ou que tenham grande parte da composição do produto composto por commodities. Tais negociações, por sua natureza, podem ser indexadas à variação cambial, não obstante, a intepretação literal da legislação possa levar à diversa compreensão.

Superadas as questões em relação à impossibilidade da indexação, o ponto principal a ser analisado refere-se às relações jurídicas em que não há qualquer enquadramento nas exceções legais ou jurisprudenciais e, nada obstante, são objeto de indexação das obrigações em moeda estrangeira.

A priori, analisando a letra fria da lei, tais avenças deveriam ser nulas. Contudo, na prática não parece ser esse o entendimento mais razoável e eficaz. Por essa razão, de forma acertada, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que não é nula a contratação em si, com estipulação do preço em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja efetuado em moeda corrente nacional[8].

Esse é o entendimento do recente julgamento do Recurso Especial 1.323.219[9] da relatoria da ministra Nancy Andrighi, no qual entendeu que a melhor solução para essas hipóteses seria de considerar válida a contratação, tornando ineficaz, no entanto, a indexação, de sorte que os valores devem ser, na data da quitação, convertidos em reais conforme a cotação do dia da contratação (e não data do respectivo pagamento). E a partir desta data, os valores serão atualizados com base em índice oficial de correção monetária[10]. Com isso se evita o enriquecimento sem causa, na medida em que a correção monetária é mero mecanismo de reposição do valor, respeitando a obrigatoriedade do curso forçado do Real como regra geral às obrigações exequíveis no território nacional.

Adicionalmente, de forma exitosa, a decisão do Superior Tribunal de Justiça considerou que sobre o valor convertido na data da contratação, deve incidir a atualização por meio do índice de correção oficial aplicável à relação contratual específica do julgamento[11].

Dessa forma, as partes contratantes deverão redobrar a atenção antes de elegerem os índices de indexação de seus contratos, uma vez que a liberdade das partes na contratação neste particular não prevalecerá.

Portanto, recomenda-se uma avaliação prévia muita cautelosa de que tipo de contratação se está tratando e se é possível a sua vinculação em moeda estrangeira. Isso porque, se for estabelecida moeda estrangeira em negócios jurídicos em que não isso não é possível, as partes poderão encontrar-se vinculadas ao índice oficial de correção, que muitas vezes pode estar em desacordo com a melhor opção para a contratação específica, acarretando prejuízos significativos.


[1] Vide REsp 680.543-RJ, REsp 83.752-RS e REsp 402.071-CE.
[2] REsp 1.323.219- RJ, STJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27 de agosto de 2013.
[3] Neste sentido Joaquim de Paiva Muniz discorre que “antes da legislação que implementou o Plano Real, havia acirrada discussão sobre a interpretação do Dec.-lei 857/1969, pois essa norma não é clara se veda apenas o pagamento de obrigações em moeda estrangeira ou também a indexação de obrigações ao valor da moeda estrangeira. Em outras palavras, discutia-se a validade das cláusulas que obrigavam o pagamento, em moeda nacional, do equivalente a certo montante em moeda estrangeira (“pague-se ao credor, em reais, o equivalente, na data do vencimento da obrigação, a x dólares), muito comuns na prática empresarial. MUNIZ, Joaquim de Paiva, Considerações sobre Certos Institutos de Direito Contratual e seus Potenciais Efeitos Econômicos, Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais, nº 25, p. 104-122, julho/ dezembro 2004.
[4] Lei que dispõe sobre o Programa de Estabilização e o Sistema Monetário Nacional e institui a Unidade Real de Valor (URV) e dá outras providências.
[5] Lei que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real e dá outras providências.
[6] AgRg no Ag nº 1.043.637-MS , STJ, 3º Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 17 de fevereiro de 2009.
[7] REsp 1.212.847-PR, STJ, 3º Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 08 de fevereiro de 2011.
[8] Vide Resp 194.629/SP, 3ª Turma, STJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 22 de maio de 2000 e REsp 848.424/RJ, 4ª Turma, STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 18 de agosto de 2008.
[9] REsp 1.323.219 / RJ, STJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27 de agosto de 2013.
[10] A decisão não menciona especificamente qual índice oficial adotado.
[11] Neste mesmo sentido, o REsp 804.791-MG, 3ª Turma, STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03 de setembro de 2009, admitiu a contratação de dívida em moeda estrangeira, vedando a indexação cambial, de sorte que as dívidas deveriam no ato da quitação ser convertidas para moeda nacional com base na data da contratação e a partir desta data atualizado conforme índice de correção monetária previsto na legislação pátria. Em sentido contrário, denotando a existência de controvérsia, o REsp 900.680/SP, 4ª Turma, STJ. Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 14 de abril de 2008, em que foi entendido que o fato da dívida ter sido contraída em moeda estrangeira, com previsão de para moeda nacional se fizesse na data do efetivo pagamento permitindo concluir que a dívida estaria sendo exigida em reais e que, portanto, não agrediria as disposições do Decreto-lei 857/69 e da Lei nº 8.880/94. Ressalta-se, com o devido respeito, a minha contrariedade ao entendimento exarado por este julgamento.

Cotas raciais podem ser insuficientes no Brasil, diz diretor da Casa Branca


SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO

O Brasil não pode copiar o modelo de inclusão racial no ensino superior dos Estados Unidos porque os contextos desses países são muito diferentes. A opinião é de Meldon Hollis, diretor da Iniciativa da Casa Branca para Universidades e Faculdades Historicamente Negras. 

Nos EUA, os negros criaram suas próprias instituições de ensino porque não podiam frequentar as escolas dos brancos. Hoje há 110 escolas para negros. Depois, vieram as cotas para incluir aqueles que eram uma minoria (10% da população). 

No Brasil, não faz sentido incentivar a criação, agora, de escolas negras. E as cotas podem ser insuficientes, diz ele, porque os negros são, aqui, metade da população. 

Hollis esteve no Brasil para participar do festival Flink Sampa Afroétnica, da Faculdade Zumbi dos Palmares. Enquanto passou por aqui, ele conversou com a Folha.
*
Folha - O governo dos EUA tem a intenção de receber mais jovens negros do ensino superior do Brasil?

Meldon Hollis - Sim. A ideia é estreitar relações e estimular o intercâmbio de jovens afrodescendentes do Brasil às cerca de 110 universidades negras americanas.

A maioria dos estudantes negros brasileiros estudou em escolas públicas, que são mais fracas e tem inglês muito ruim. Então, esses alunos precisam de um suporte adicional. A ideia é enviar esses estudantes no verão [em maio] para que eles passem de dois a três meses estudando inglês e, depois, comecem as aulas regularmente [em setembro, início do ano letivo]. 


Zé Carlos Barretta/Folhapress
Meldon Hollis, diretor da Iniciativa da Casa Branca para Universidades e Faculdades Historicamente Negras
Meldon Hollis, diretor da Iniciativa da Casa Branca para Universidades e Faculdades Historicamente Negras  
 
O que o senhor acha do modelo de cotas do Brasil?

Não saberemos se as cotas vão funcionar até que passe um tempo mínimo para que seja feita uma avaliação. Sabemos que esse modelo trará algum progresso. Mas não sabemos se trará a solução para o problema de divisão racial.

O Brasil não é os EUA. Nos Estados Unidos, apenas 10% da população é negra, enquanto no Brasil 50% são afrodescendentes.

Não é possível que metade da população fique fora da economia do país. Precisamos ter um progresso imediato no sentido de reduzir a desigualdade racial por aqui.

Uma coisa diferente nos EUA é que as pessoas negras têm suas próprias instituições desenvolvidas por eles próprios porque a educação era totalmente segregada. Essas instituições existem há cerca de 150 anos. Muitos líderes negros saíram dessas escolas, como Martin Luther King. No Brasil, é diferente. 

No Brasil, há só uma instituição de ensino superior negra, a Faculdade Zumbi dos Palmares. Por que o modelo não pegou?

A história dos EUA é diferente. As escolas para negros foram criadas para educar os negros que não podiam frequentar as escolas após a abolição. No Brasil, há boas instituições de ensino superior e a sociedade nunca foi segregada. Não foi preciso criar novas instituições. 

Como um aluno negro nos EUA escolhe entre uma escola para negros ou uma "regular"?

Hoje, somente 10% da população negra escolhe escolas de negros, assim como há quem escolha escolas católicas ou para judeus.
Minha filha escolheu uma faculdade para negros e meu filho escolheu uma escola regular. Ele não gosta da escola para negros, mas ela se sente muito confortável na instituição. Eu gosto da experiência que os dois estão tendo.

'Privatização de tudo' gerou protestos, que vão continuar pelo mundo, prevê marxista


ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. No seu fracasso em realizar promessas de eficiência estão as raízes dos protestos que eclodem pelo mundo e no Brasil. Partidos políticos convencionais, reféns do capital internacional, não conseguem canalizar a raiva que emerge das ruas. Não há ideias novas, e as manifestações vão continuar. 

A análise é do geógrafo marxista britânico David Harvey, 78. Professor da Universidade da Cidade de Nova York, ele ataca os "oligarcas globais" e afirma que os bilionários foram os que mais ganharam com a crise. 

Crítico da realização de megaeventos como Copa e Olimpíada, ele avalia que os governos são muito influenciados pelo capital financeiro. E aponta: "Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos". 

A partir da próxima sexta-feira, Harvey participa de debates no Brasil em torno do lançamento de seu livro "Os Limites do Capital" e da coletânea "Cidades Rebeldes". 

A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone de Nova York (EUA) na semana passada. 


Ana Yumi Kajiki
O marxista britânico David Harvey ataca os 'oligarcas globais' e diz que bilionários foram os que mais ganharam com a crise
O marxista britânico David Harvey ataca os 'oligarcas globais' e diz que bilionários foram os que mais ganharam com a crise
*
Folha - Qual sua avaliação sobre a situação mundial?

David Harvey - É muito mutante e volátil. De forma alguma estável. Não sabemos quando novos problemas vão eclodir e por quê. A situação na Europa é preocupante, com taxas muito baixas de crescimento. Nos EUA, há muita instabilidade política. Há questões sobre o modelo de desenvolvimento da China. Isso tudo está conectado e, de repente, há problemas no Brasil em razão de mudança de tom do Fed em relação à liquidez. É uma situação muito complicada e volátil. 

Então o pior não passou?

Não, longe disso. Penso que está tão perigoso quanto sempre foi. O que me surpreende é que não há novas ideias. As receitas apresentadas estão aprofundando o modelo neoliberal ou tentam desenvolver alguma forma de keynesianismo. Ambas opções me parecem muito frágeis nas circunstâncias atuais. 

O sr. disse em entrevista à Folha em 2012 que a crise deveria aprofundar a concentração de capital e as desigualdades. Isso de fato ocorreu?

Sim. Todos os dados mostram que o número de bilionários cresceu no mundo. A riqueza deles cresceu imensamente nos últimos três anos. Foi o grupo que melhor se saiu melhor na crise, enquanto todos os outros ou permaneceram estagnados ou perderam. 

Qual sua visão dos protestos que eclodiram pelo mundo? O sr. defendeu a criação de um "partido da indignação" para lutar contra o "partido de Wall Street". Como essa ideia evoluiu?

Os movimentos não estão indo muito bem. Por várias razões. Primeiro, é interessante notar quão rapidamente o poder político se moveu para tentar reprimir os protestos e prevenir qualquer forma de movimento de massa mais amplo. Segundo, há muitas divisões entre os movimentos. Há divisões teóricas entre marxistas, anarquistas, autonomistas. Há divisões entre políticos. A esquerda está muito dividida, sem sinais de atuar em conjunto. O poder político agiu muito rápido, com ações policiais, para dispersar a oposição. Isso aconteceu com o Occupy Wall Street, na Turquia. Em algum grau está acontecendo também na América Latina. 

Qual o futuro desses movimentos?

É praticamente a mesma resposta sobre o que vai acontecer com o capital. A situação é muito volátil. É muito difícil prever. Ninguém previu a eclosão dos movimentos na Turquia, nem ninguém previu os amplos protestos no Brasil. 

Qual sua visão sobre os protestos no Brasil?

É difícil falar para quem está longe. Não sei se estou qualificado a falar sobre isso. Mas o que posso dizer é que existe uma desilusão generalizada do processo político. As pessoas estão começando a discutir como modificar os piores aspectos da exploração, da extração capitalista do valor. Há também uma alienação, que leva a alguma passividade, que é interrompida ocasionalmente por explosões de raiva frustrada. O nível de frustração por todo o mundo está muito alto agora. Por isso não surpreende que essas manifestações ocorram. O problema é canalizar essa raiva para movimentos políticos existentes que tenham um projeto. Isso não se enxerga. Prevejo mais explosões de raiva nos próximos anos. Há o Egito com seus problemas não resolvidos, a guerra civil na Síria, protestos na Turquia, na Suécia, no Brasil e uma volta dos protestos no Chile. É uma fotografia que está aparecendo globalmente e suspeito que vai continuar assim dentro de um modo muito volátil. 

Há conexão entre esses movimentos?

Sim, cada um tem suas demandas específicas, mas há problemas de base provocados pela natureza autocrática do neoliberalismo, que virou um modelo padrão para o comportamento político. Isso não é satisfatório para a massa da população. Há uma crise na governança democrática. Ao mesmo tempo, há o fracasso do neoliberalismo, que não entregou um mínimo de padrão de vida para a massa da população. Há uma raiva contra as formas tomadas pelo capitalismo. No Norte da África, na Tunísia, no Cairo os protestos foram parcialmente sobre alta nos preços da comida. A segurança alimentar se tornou um tema muito importante. Isso diz respeito ao poder do agronegócio e à especulação com as commodities, que provocaram a alta dos preços. Há inflação nos preços de comida em muitas partes do mundo. 

No Brasil, os protestos estouraram por causa da alta nas tarifas de ônibus. Como especialista em questões urbanas, como o sr. avalia esse problema?

O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. Então tudo vira objeto das forças do mercado. Dizem que essa é a forma mais eficiente de prover bens e serviços para uma população. Mas, na verdade, é uma maneira muito eficiente de um grupo da população reunir uma grande soma de riqueza às custas de outro grupo da população --sem entregar, de fato, bens e serviços (transporte, comida, casas etc). Essa é uma das razões do descontentamento da população. Por isso explodem manifestações de raiva, insatisfações em diferentes lugares e em diferentes direções políticas. Turquia, Brasil, Suécia. Há uma situação de fundo que dá uma visão comum às batalhas, embora cada uma delas seja especifica e diferente. No Brasil, foi o custo do transporte. Em outros lugares, é preço da comida, da habitação, ou apenas se trata de fazer um ataque a essa "commodização" do espaço público. 

Então a privatização é demasiada?

Há muita "commodização". FMI e Banco Mundial dizem que com o mercado tudo será resolvido. Estamos fazendo isso há 30 anos e não está sendo ok. 

Aqui se discute a violência nas manifestações. O que o sr. pensa sobre os black blocs e a violência policial?

Uma das dificuldades de falar sobre isso é que, se o poder político responde com violência a qualquer protesto legítimo, em determinado ponto, alguns que estejam nos protestos também vão responder com violência. Há muita divisão no movimento popular. Mas, em algum ponto, não há mais nada a fazer do que responder à violência com violência. Isso significa que a situação ficou fora de controle. Uma das responsabilidades do poder político é, na medida do possível, limitar a violência policial. Pessoalmente não gosto do que fazem os black blocs e acho que em muitas casos eles não ajudam. Sempre ouvimos que deveríamos tolerar o que faz o poder político, o que muitas vezes significa tolerar o intolerável. Em algum ponto, as pessoas começam a dizer: não vou tolerar o intolerável; vou fazer o intolerável para o intolerável. Não estou advogando de forma alguma a violência, mas estou dizendo que é muito difícil em muitas situações --como vimos nas lutas anticoloniais-- sair do problema sem usar algum tipo de força. Lembro aqui do filme de Costa Gavras "A Batalha de Argel", que é um bom exemplo de como as coisas funcionam. 

Alguns dizem que há interesse dos EUA nesses movimentos, como forma de desestabilizar governos. O sr. acha que é possível?

Há muitos exemplos históricos mostrando que isso acontece. Seria muito surpreendente identificar que hoje isso não é o caso. É muito difícil controlar isso. Apontar somente os EUA seria errado. 

Partidos tradicionais foram pegos de surpresa no Brasil. De outro lado, os movimentos não têm uma organização própria. Como tudo isso pode se transformar em forças políticas organizadas?

Se eu tivesse essa resposta, não estaria falando com você agora. Estaria lá fora fazendo. Não sei a resposta. A situação agora reflete a alienação das pessoas em relação a praticamente todos os partidos políticos e a sua desilusão com o processo político. Nos EUA, o Congresso tem uma taxa de aprovação de 10%. Nessa circunstância, as pessoas não vão canalizar o seu descontentamento para o processo político, pois não enxergam esperança nisso. Por isso, há essa raiva. E assim as coisas vão continuar. 

O sr. concorda com a visão de que partidos de todos os matizes caminharam para a direita e que a esquerda se diluiu em ONGs e estruturas voláteis?

Há internacionalmente uma ortodoxia econômica, que é reforçada pelos movimentos do capital internacional. Os partidos políticos convencionais se tornaram reféns desse poder. 

Isso acontece com o PT no Brasil?

Isso é para o julgamento de seus leitores. Noto que há uma desilusão sobre o PT entre seus próprios integrantes. 

O sr. está escrevendo um livro sobre as contradições do capitalismo. Qual é a principal hoje?

Uma das contradições do capitalismo agora é que o capital precisa crescer. Mas as condições nas quais isso pode ocorrer são cada vez mais restritas. É muito difícil achar novos lugares para ir e novas formas de atividades produtivas que possam absorver a enorme quantidade de capital que está buscando por atividades lucrativas. Como consequência, muito capital agora vai para atividades especulativas, para patrimônio, compra de terras, commodities, criam-se bolhas. Esse é o problema real: como o capital pode continuar crescendo nos próximos anos. Está ficando cada vez mais difícil para o capital achar formas de fazer isso. O crescimento está colocando muito estresse sobre o ambiente. 

Quais seriam as principais contradições para o Brasil?

A contradição ambiental, a desigualdade social no Brasil --que é uma contradição muito perigosa no Brasil. E a especulação sobre terras e recursos naturais. 

O sr. escreveu em "Os Limites do Capital" que é cada vez mais difícil hoje encontrar o inimigo e identificar quem ele é. Quem é o inimigo e onde ele está?

O inimigo é um processo, não uma pessoa. É um processo de circulação de capital. O capital entra e sai de países. Quando decide entrar, há um "boom"; quando decide sair, há uma depressão. Por isso, é necessário controlar esse processo de circulação. Se algo que é feito desagrada esse processo, ele desaparece. De certa forma, o Brasil tem possibilidades limitadas, porque o capital pode simplesmente desaparecer. 

Algo mudou após o inicio da crise ou é só mais do mesmo?

É realmente mais do mesmo. Estados que costumavam pagar muito para instituições financeiras não fizeram nada para proteger o bem estar da sua população. Foi o que aconteceu no México nos anos 1980. E a mesma história se repete, com os ricos ficando mais ricos enquanto falamos. 

O sr. escreveu que as políticas que não agem sobre as contradições principais ficam apenas nos sintomas da crise. Por exemplo?

Crescimento talvez não seja possível e talvez não seja mais o objetivo. Falam apenas que temos baixo crescimento, alto desemprego e que precisamos ter o crescimento de volta. Mas há limites. 

Isso é dizer para um país como o Brasil que a festa acabou?

Não. O crescimento principal agora ocorre para o 1% mais rico da população mundial. É para esse grupo que todo o crescimento é canalizado. É um problema global, verdadeiro nos EUA, no Brasil. É preciso haver uma redistribuição de renda globalmente e entre classes. Por isso é quase impossível começar a falar disso sem falar de uma luta global. Há muitos bilionários no Brasil, no México, na Índia, na Rússia. O clube dos bilionários é que é o problema. Estamos vendo oligarcas globais controlando potencialmente ¾ da economia global, sugando uma enorme parte da riqueza mundial. O crescimento está sendo canalizado para eles. Meu ponto é: vamos para crescimento zero, sem canalizar o crescimento para eles, e, ao mesmo tempo, devemos fazer uma redistribuição. Por trás de seu argumento está a ideia que se pode redistribuir o crescimento. Mas tivemos muito crescimento que nunca foi redistribuído. Por que precisamos ouvir esse argumento agora, de que o crescimento é necessário para a redistribuição? 

Então redistribuição de riqueza é mais importante do que crescimento propriamente dito?

Sim, claro. 

Nesse cenário haveria uma guerra e tanto, não?

Olhando para o que está acontecendo nas ruas, se pode pensar que isso esse tipo de coisa não está tão longe assim. 

Em São Paulo, há também a discussão sobre o aumento do imposto sobre propriedade urbana. Há protesto dos mais ricos. Isso também evidencia uma luta social?

Vamos chamar de luta de classes. Ela está mais evidente, mas muitas pessoas não gostam de falar sobre isso.
No início, o Brasil parecia estar indo bem na crise. Agora estamos travados. O que deu errado?

Houve mudanças modestas no Brasil no sentido de redistribuir renda, como o Bolsa Família. Mas é necessário fazer muito mais. Muito dos gastos em enormes projetos de infraestrutura ligados à Copa do Mundo e à Olimpíada são uma perda de dinheiro e de recursos. As pessoas se perguntam por que o país está fazendo todos esses investimentos para a FIFA ter um grande lucro. Para o resto do mundo é surpreendente ver os brasileiros se revoltando contra construções de novos estádios de futebol. Mas as pessoas perceberam a diferença entre ter o futebol e colocar todo esse dinheiro nos bolsos de outras pessoas. Além disso, esses projetos de infraestrutura levam a desapropriações, desalojamentos, reengenharia de cidades. 

Copa e Olimpíada não fazem bem para o país?

Economicamente, muito poucos projetos. A Grécia está em dificuldades em parte por causa do que foi feito em razão da Olimpíada de Atenas. Muitas cidades olímpicas nos EUA entraram em dificuldades financeiras. 

Como o sr. explica o poder da FIFA e do COI e o apoio que obtêm dos governos?

É como qualquer poder monopolista: extrai o máximo do que se tem a oferecer. Os governos são muito influenciados pelo capital financeiro. Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura, de urbanização. Envolvem também despossuir pessoas, removendo-as de suas residências, como forma de abrir espaço para todos esses megaprojetos. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos. 

No Brasil, manifestantes pediram o "padrão FIFA" para educação e saúde.

É que precisa ser dito. O dinheiro precisa ir para educação, centros de saúde. 

Como o sr. analisa a situação política na America Latina?

Politicamente houve, na superfície, um tipo de política antineoliberal. Mas não houve nenhum verdadeiro grande desafio para o grande capital. Há um discursos anti-FMI. Mas, de outro lado, o Brasil está ofertando a exploração de seu petróleo para empresas estrangeiras, por exemplo. Não é profunda a tentativa de ir realmente contra as fundações do capitalismo neoliberal. É uma política antiliberal só na superfície. Mas há alguns elementos, como o Bolsa Família, que não fazem parte da lógica neoliberal. 

A política antineoliberal é retórica no continente?

Muito disso é retórico. Mesmo a Venezuela não vai muito longe em realmente desafiar os interesses do capital. 

Os EUA não perderam posições na região?

Os EUA estão mais fracos na América Latina, em parte porque o crescimento da região foi mais orientado para a o comércio com a China, que ampliou o seu papel imensamente. De muitas formas, a economia na América Latina é muito mais sensível ao que ocorre na economia chinesa do que na norte-americana. 

E a China para onde vai?

Se tivesse a resposta para isso...estaria especulando e fazendo milhões... [risos] A situação na China é muito volátil. Há muitos problemas: superprodução, superacumulação, especulação com propriedades, superinvestimento em infraestrutura. Não se sabe muito sobre a condição dos bancos. 

O sr. diria que o socialismo é objetivo no futuro?

Não sei como chamar. Diria que o objetivo é uma política anticapitalista. Chamar de comunismo, socialismo, anarquismo --não sei se podemos colocar um nome nisso. Mas alguma coisa precisa emergir que não é o capitalismo. Infelizmente, o mundo está indo cada vez mais fundo no capitalismo em vez de sair dele. E o capitalismo não está funcionando bem de nenhuma maneira. O capitalismo não está muito saudável. Quantas crises tivemos nos últimos anos? Se olharmos para o longo prazo, há uma longa crise em cascata: a crise do Sudeste Asiático nos anos 1990, a falência da Rússia, do Brasil, da Argentina. Depois, EUA, Espanha, Europa. É uma longa crise sendo construída gradualmente. 

Mas o capitalismo não opera na base de crises?

Sim, mas geralmente nas crises capitalistas aparecia uma coisa diferente. O capitalismo ia se reformando a si mesmo no curso das crises. Foi o aconteceu nos anos 1930 e, de alguma forma, em 1970. Mas agora ele parece não saber como se revolucionar a si próprio no meio da turbulência. Não há nenhuma ideia nova por aí, Ninguém tem novas e boas ideias para sair da crise. 

Qual foi o fato mais surpreendente para o sr. neste século 21?

A falta de uma massiva oposição política organizada ao que está acontecendo. 

E por que isso ocorre?

Se tivesse uma boa resposta já tinha feito a revolução.

Mensalão tucano fica para início de 2014


THAIS BILENKY
DE SÃO PAULO

O mensalão tucano poderá ser julgado ainda no primeiro semestre de 2014. Segundo apurou a Folha, essa é a expectativa no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, o relator do processo no STF (Supremo Tribunal Federal). 

Diretamente consultado, Barroso evitou comprometer-se com prazo. "Vou julgar o mais rápido que o devido processo legal permitir", disse.

O mensalão tucano, segundo a descrição do Ministério Público Federal, foi um esquema de desvio de dinheiro de empresas públicas de Minas Gerais para financiar a reeleição do então governador Eduardo Azeredo (PSDB) na eleição de 1998. 

Apesar de os fatos descritos terem ocorrido antes, o caso só veio a tona depois da denúncia do mensalão petista (2005). Foi quando o nome do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza começou a ser citado como um dos operadores do esquema petista. Valério também seria um dos personagens centrais do suposto esquema mineiro. 

Segundo a acusação, duas estatais (Copasa e Comig) e um banco público (Bemge) repassaram, com aval de Azeredo, R$ 3,5 milhões em patrocínio a três eventos esportivos promovidos pela SMPB, uma das agências de Valério. 

Para disfarçar o uso desse dinheiro na campanha do PSDB, Valério teria feito empréstimos fraudulentos de R$ 11 milhões no Banco Rural, o mesmo que apareceria depois no mensalão petista. 

Para alguns, o mensalão tucano teria servido de modelo para o esquema petista. Azeredo, hoje deputado federal, acabou perdendo a disputa de 1998 pelo governo mineiro para o ex-presidente Itamar Franco (PMDB). 


TRÂMITE

 
No Supremo, o julgamento do suposto desvio de recursos públicos em Minas está dividido em duas ações penais e um inquérito, que corre em segredo de Justiça. 

A primeira ação penal é contra Azeredo. A segunda é contra o hoje senador Clésio Andrade (PMDB-MG), então candidato a vice na chapa tucana de 1998. A defesa de Azeredo tem até a próxima sexta-feira (22) para pedir diligências (providências do relator). Barroso poderá aceitá-las ou não. 

Depois, o relator abrirá prazo para as alegações finais da defesa de Azeredo e do Ministério Público Federal. Caso ele não requeira novas provas, poderá então elaborar o relatório e enviá-lo ao revisor, Celso de Mello. 

Com o voto feito, o revisor encaminha o caso ao presidente do Supremo, que definirá a data em que a ação será posta na pauta do plenário. O mandato de Joaquim Barbosa na presidência do Supremo termina em novembro de 2014. O próximo presidente será Ricardo Lewandowski. 

A ação contra Andrade está pendente no Ministério Público, por conta de uma testemunha que ainda não foi ouvida. Será preciso que o órgão defina se a substituirá ou se desistirá para que Barroso dê continuidade à ação. 

Outros processos sobre o caso correm em instâncias inferiores da Justiça mineira, onde são processados Marcos Valério e Walfrido dos Mares Guia, que coordenou a campanha de Azeredo em 1998. 


Editoria de Arte/Folhapress

Projetos militares lideram investimentos do governo federal


GUSTAVO PATU
DE BRASÍLIA
IGOR GIELOW
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Enquanto as Forças Armadas reclamam publicamente da falta de verbas para atividades cotidianas, dois projetos militares recebem os maiores investimentos do governo Dilma Rousseff neste ano.
Juntos, o Prosub, para o desenvolvimento de submarinos, e o KC-390, um avião de transporte e reabastecimento aéreo encomendado à Embraer, obtiveram R$ 2,5 bilhões do Tesouro Nacional até outubro, segundo levantamento feito pela Folha

Os montantes destinados a cada uma das iniciativas superam os desembolsos com as principais obras de infraestrutura tocadas pelo governo, casos das ferrovias Norte-Sul e Oeste-Leste e da transposição do rio São Francisco. 

Os dois projetos militares foram incluídos este ano no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que reúne os investimentos considerados prioritários e livres de bloqueios de despesas.

KC-390 da Embraer

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Ilustrações artísticas do KC-390 da Embraer, que servirá para transporte tático e reabastecimento aéreo. Inicialmente uma adaptação do modelo civil, foi redesenhado com ajuda da FAB, que se comprometeu a comprar 28 unidades em acordo assinado em 2009
Se não chega a emular a famosa frase do líder paquistanês Zulfiqar Ali Bhutto de que "mesmo que tenhamos de comer grama, faremos a bomba atômica", a situação indica o privilégio aos dois projetos considerados mais estratégicos para o país. 

Graças ao impulso da Defesa, a área econômica evitou um fiasco maior no desempenho dos investimentos do Tesouro Nacional no ano, de R$ 46,5 bilhões de janeiro a setembro, segundo os dados oficiais mais atualizados. 

Essa modalidade de gasto, que reúne a construção civil e a compra de equipamentos, acumulou alta de apenas 2,9%, abaixo da inflação, enquanto as despesas totais do governo cresceram 13,5%. 

Editoria de Arte/Folhapress

No mesmo período, a Defesa investiu R$ 6,5 bilhões, uma expansão de 32%. Entre os ministérios que mais investem, a taxa só é superada pela Integração Nacional. 

O número contrasta, contudo, com a queixa dos militares. Os comandantes das três Forças estiveram na semana retrasada no Congresso Nacional para reclamar R$ 7,5 bilhões a mais no Orçamento da União de 2014, mencionando situações como o fato de que 346 das 624 aeronaves da Força Aérea estão no chão por falta de manutenção e de combustível. 

O problema passa pelo fato de que o pagamento de pessoal, inclusive pensionista, come cerca de 70% do orçamento militar, previsto para R$ 72,9 bilhões no ano que vem. O gasto atual no setor está em 1,5% do Produto Interno Bruto, e a Defesa sugere que deveria ser de 2%. 


TECNOLOGIA FRANCESA

 
Segundo a Defesa, além disso, tanto o Prosub quanto o KC-390 estão coincidentemente em momentos de maior desembolso --a construção de submarinos tem previsão orçamentária até 2024, por exemplo. 

O Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos) prevê, com tecnologia francesa, construir base, estaleiro, quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear até a próxima década. 

Essa capacidade hoje só é detida pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França). Base e estaleiro estão sendo feitos no Rio de Janeiro, e o primeiro submarino já está em construção. 

O segundo projeto, iniciado também em 2009, visa colocar no ar o primeiro protótipo do maior avião brasileiro no ano que vem. As peças já estão sendo produzidas.

Negócios também precisam ser amados, diz professor


Dois livros do indiano Raj Sisodia mostram a importância de construir negócios que tenham uma razão de existir para que sejam amados por consumidores, fornecedores e clientes

Mariana Segala, da
Fabiano Accorsi
Abilio Diniz no curso Exame PME

Abilio Diniz no curso Exame PME: "Leitura fundamental para todo empreendedor"

São Paulo - Em 1970, o americano Milton Friedman, um dos mais infuentes economistas do século 20, cunhou uma frase sobre o mundo dos negócios repetida à exaustão nos últimos 40 anos: "As empresas têm uma, e apenas uma, responsabilidade social: usar seus recursos e envolver-se em atividades destinadas a aumentar seu lucro, desde que seguindo as regras do jogo".

O indiano Rajendra Sisodia, professor de marketing da Universidade Bentley, nos arredores de Boston, publicou dois livros para mostrar o que considerou uma lacuna no pensamendo de Fried man. Um é Os Segredos das Empresas Mais Queridas, escrito em parceria com os consultores David Wolfe e Jagdish Sheth. O outro é Conscious Capitalism ("Capitalismo consciente"), não lançado no Brasil.

"O impacto de uma empresa pode ser muito mais amplo", diz Sisodia. "A razão de existir deve ir além de gerar lucro e criar valor para os acionistas."

Sisodia afirma que só empresas lucrativas são sustentáveis. Porém, elas devem gerar valor não só para os acionistas mas também para as outras partes da cadeia. "O capitalismo consciente é um modelo de atuação com base na criação de valores para todos os stakeholders", diz um dos livros. (Stakeholders são as partes que se relacionam com a empresa, como clientes, fornecedores e funcionários.)

Um princípio do capitalismo consciente é que todos os stakeholders são importantes. Ao seguir essa filosofia, nenhuma empresa precisaria preocupar-se em criar mecanismos e departamentos específicos para cuidar da responsabilidade social.

"O conceito de ter de desenvolver uma responsabilidade social corporativa se baseia na ideia de que a estrutura por trás das empresas é necessariamente contaminada", diz ele. "Não é assim."

 Tudo começa com dar respostas a uma questão fundamental: por que esta empresa precisa existir? É sobre esse tipo de valor diz Sisodia, que os líderes precisam refetir ao tomar qualquer decisão. 

Conscious Capitalism desenvolve preceitos que Sisodia havia abordado em Os Segredos das Empresas Mais Queridas. O livro trata do que seus autores chamam de empresas humanísticas, que constroem vínculos emocionais com seus stakeholders. Eles acreditam que haja cada vez mais empresas que dão importância a esse tipo de compromisso.

"Os empreendedores começaram a perceber que o mundo vive uma era de transcendência", diz Sisodia. A ideia é que há — dentro e fora das empresas — uma preocupação cada vez maior em ir além dos fatores materiais, como ganhar dinheiro e acumulá-lo, que caracterizaram o século 20. 

O que mudou? A demografia. Hoje, a maioria da população adulta de países como os Estados Unidos tem mais de 40 anos. A prevalência de pessoas mais velhas é uma realidade recente — no século 19, quem passasse dos 30 podia considerar-se longevo. 

"A preocupação de ser, mais do que ter, é uma característica presente principalmente nas pessoas de meia-idade", diz o livro. A busca por um sentido para a existência tem exercido um papel cada vez mais importante na remodelação da cultura empresarial. "Acreditamos que isso esteja mexendo com a alma do capitalismo", afirmam os autores de Os Segredos das Empresas Mais Queridas.

Sisodia e seus colegas dedicaram tempo e várias páginas do livro a identifcar quais eram as empresas mais queridas e a entender o que faziam para se diferenciar. A busca incluiu uma pesquisa que ouviu milhares de profissionais do mundo empresarial,bprofessores universitários, estudantes e consumidores em geral.

Os pesquisadores pediam que as pessoas lhes falassem sobre as empresas que, literalmente, adoravam. Chegou-se a centenas de nomes. A amostra foi submetida a fltros quantitativos e qualitativos. Desse trabalho surgiram 28 empresas.

Uma delas é a JetBlue, companhia aérea criada nos Estados Unidos por David Neeleman, que depois fundou a Azul no Brasil. Entre outras conhecidas dos brasileiros estão Amazon, BMW, eBay, GoogleHarley-Davidson e Starbucks.

Em geral, as empresas mais queridas pagam a seus executivos salários relativamente modestos e remuneram os profissionais da parte de baixo da pirâmide acima do padrão de seu setor.

Também facilitam o acesso dos funcionários a seus superiores e dão autonomia para que os empregados resolvam os problemas dos clientes o  mais rapidamente possível. Como resultado, registram níveis de rotatividade significativamente mais baixos do que os da concorrência, e seus produtos e serviços são divulgados pelos próprios clientes, que os recomendam a amigos.

A pesquisa mostrou que a maioria das empresas mais queridas é mais lucrativa do que as concorrentes em que a disparidade salarial é alta e a autonomia dos funcionários é baixa. E quem comprou ações dessas empresas obteve retornos até oito vezes maiores do que a média do mercado americano num período de dez anos. 

A discussão é retomada em Conscious Capitalism. Os autores constatam que os números melhores das empresas mais queridas têm a mesma lógica que os das empresas não tão queridas — a gestão de fatores fundamentais, como expansão de receitas, controle de custos e aumento de produtividade. 

Os autores sustentam que as empresas adeptas do "capitalismo consciente" — termo que expressa a filosofia de que o lucro não está acima de tudo — são superiores nesses aspectos. No lado das receitas, o dinheiro entra ao atender às necessidades tangíveis e também às intangíveis dos clientes.

Do lado dos custos, evitam- -se despesas que não geram valor, como gastos provocados pela alta rotatividade de funcionários. No fim de tudo, os resultados aparecem, segundo o livro, não porque há pressão por eles, mas porque os funcionários gostam de estar onde estão.