Dois livros do indiano Raj Sisodia mostram a importância de construir negócios que tenham uma razão de existir para que sejam amados por consumidores, fornecedores e clientes
Abilio Diniz no curso Exame PME: "Leitura fundamental para todo empreendedor"
São Paulo - Em 1970, o americano Milton Friedman, um dos mais infuentes economistas do século 20, cunhou uma frase
sobre o mundo dos negócios repetida à exaustão nos últimos 40 anos: "As
empresas têm uma, e apenas uma, responsabilidade social: usar seus
recursos e envolver-se em atividades destinadas a aumentar seu lucro, desde que seguindo as regras do jogo".
O indiano Rajendra Sisodia, professor de marketing da Universidade Bentley, nos arredores de Boston, publicou dois livros
para mostrar o que considerou uma lacuna no pensamendo de Fried man. Um
é Os Segredos das Empresas Mais Queridas, escrito em parceria com os
consultores David Wolfe e Jagdish Sheth. O outro é Conscious Capitalism
("Capitalismo consciente"), não lançado no Brasil.
"O impacto de uma empresa pode ser muito mais amplo", diz Sisodia. "A
razão de existir deve ir além de gerar lucro e criar valor para os
acionistas."
Sisodia afirma que só empresas lucrativas são sustentáveis. Porém,
elas devem gerar valor não só para os acionistas mas também para as
outras partes da cadeia. "O capitalismo consciente é um modelo de
atuação com base na criação de valores para todos os stakeholders", diz
um dos livros. (Stakeholders são as partes que se relacionam com a
empresa, como clientes, fornecedores e funcionários.)
Um princípio do capitalismo consciente é que todos os stakeholders são
importantes. Ao seguir essa filosofia, nenhuma empresa
precisaria preocupar-se em criar mecanismos e departamentos
específicos para cuidar da responsabilidade social.
"O conceito de ter de desenvolver uma responsabilidade
social corporativa se baseia na ideia de que a estrutura por trás das
empresas é necessariamente contaminada", diz ele. "Não é assim."
Tudo
começa com dar respostas a uma questão fundamental: por que esta empresa
precisa existir? É sobre esse tipo de valor diz Sisodia, que os líderes
precisam refetir ao tomar qualquer decisão.
Conscious Capitalism desenvolve preceitos que Sisodia havia abordado em
Os Segredos das Empresas Mais Queridas. O livro trata do que
seus autores chamam de empresas humanísticas, que constroem
vínculos emocionais com seus stakeholders. Eles acreditam que haja cada
vez mais empresas que dão importância a esse tipo de compromisso.
"Os empreendedores começaram a perceber que o mundo vive uma era de
transcendência", diz Sisodia. A ideia é que há — dentro e fora das
empresas — uma preocupação cada vez maior em ir além dos fatores
materiais, como ganhar dinheiro e acumulá-lo, que caracterizaram o
século 20.
O que mudou? A demografia. Hoje, a maioria da população adulta
de países como os Estados Unidos tem mais de 40 anos. A prevalência
de pessoas mais velhas é uma realidade recente — no século 19, quem
passasse dos 30 podia considerar-se longevo.
"A preocupação de ser, mais do que ter, é uma característica
presente principalmente nas pessoas de meia-idade", diz o livro. A busca
por um sentido para a existência tem exercido um papel cada vez mais
importante na remodelação da cultura empresarial. "Acreditamos que isso
esteja mexendo com a alma do capitalismo", afirmam os autores de Os
Segredos das Empresas Mais Queridas.
Sisodia e seus colegas dedicaram tempo e várias páginas do livro a
identifcar quais eram as empresas mais queridas e a entender o que
faziam para se diferenciar. A busca incluiu uma pesquisa que ouviu
milhares de profissionais do mundo empresarial,bprofessores
universitários, estudantes e consumidores em geral.
Os pesquisadores pediam que as pessoas lhes falassem sobre as empresas
que, literalmente, adoravam. Chegou-se a centenas de nomes. A amostra
foi submetida a fltros quantitativos e qualitativos. Desse trabalho
surgiram 28 empresas.
Uma delas é a JetBlue, companhia aérea criada nos Estados Unidos por David Neeleman, que depois fundou a Azul no Brasil. Entre outras conhecidas dos brasileiros estão Amazon, BMW, eBay, Google, Harley-Davidson e Starbucks.
Em geral, as empresas mais queridas pagam a seus executivos
salários relativamente modestos e remuneram os profissionais da parte de
baixo da pirâmide acima do padrão de seu setor.
Também facilitam o acesso dos funcionários a seus superiores e
dão autonomia para que os empregados resolvam os problemas dos clientes o
mais rapidamente possível. Como resultado, registram níveis de
rotatividade significativamente mais baixos do que os da concorrência, e
seus produtos e serviços são divulgados pelos próprios clientes, que os
recomendam a amigos.
A pesquisa mostrou que a maioria das empresas mais queridas é mais
lucrativa do que as concorrentes em que a disparidade salarial é alta e
a autonomia dos funcionários é baixa. E quem comprou ações dessas
empresas obteve retornos até oito vezes maiores do que a média do
mercado americano num período de dez anos.
A discussão é retomada em Conscious Capitalism. Os autores
constatam que os números melhores das empresas mais queridas têm a
mesma lógica que os das empresas não tão queridas — a gestão de fatores
fundamentais, como expansão de receitas, controle de custos e aumento de
produtividade.
Os autores sustentam que as empresas adeptas do
"capitalismo consciente" — termo que expressa a filosofia de que o lucro
não está acima de tudo — são superiores nesses aspectos. No lado das
receitas, o dinheiro entra ao atender às necessidades tangíveis e também
às intangíveis dos clientes.
Do lado dos custos, evitam- -se despesas que não geram valor,
como gastos provocados pela alta rotatividade de funcionários. No fim de
tudo, os resultados aparecem, segundo o livro, não porque há pressão
por eles, mas porque os funcionários gostam de estar onde estão.
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