Os imigrantes portugueses se interessam mais a questões econômicas e sociais do país de que aos resultados das eleições.
Qual o impacto das eleições brasileiras na vida dos portugueses que
vivem do outro lado do Atlântico? Não há uma solução simples para esta
pergunta, mas, caso houvesse, a resposta passaria em grande parte pela
economia. “Como imigrante qualificado, o que me preocupa é que haja
crescimento económico para que nós possamos continuar aqui. A economia é
locomotiva de tudo o resto”, afirma ao
PÚBLICO Rui Alves, um engenheiro civil de 32 anos que vive há quatro em Curitiba.
Rui e a namorada, Maria Peixoto, de 31 anos, também portuguesa e
engenheira civil, gostam da vida que levam na capital do Paraná. Mas o
“crescimento desastroso do PIB” não os encoraja a ter filhos e construir
um futuro no país. “Não havendo investimento, não há trabalho na
engenharia civil”, conclui Maria, durante uma conversa via Skype. Não
têm um candidato predilecto. E dizem ter acompanhado a campanha
eleitoral com alguma distância, como todos os portugueses contactados
pelo
PÚBLICO.
João Laranjeiro, 40 anos, tem uma postura parecida: não vive as
presidenciais de forma apaixonada, mas está expectante para perceber
como a economia vai se comportar. “Como se diz aqui, estou à janela à
espera para ver o que acontece”, diz o gestor de remarketing de uma
empresa de gestão de frota automóvel. João vive há mais de uma década em
São Paulo, onde diz estar feliz e integrado. Apesar do desaceleramento
da economia, não acredita na teoria da bolha que vai estourar a qualquer
momento. “É uma bolha que vai desinchar mas não estourar, há muito
consumo interno”, prevê. Por isso, até ver, não pensa em regressar.
Rubens Barbosa — ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington e
especialista em migrações do Instituto Millenium — corrobora a ideia de
que, nestas eleições, o que está em cima da mesa é a prosperidade. “O
que interessa para os imigrantes é mesmo o crescimento económico”,
independentemente do resultado eleitoral. Esta é a parte evidente da
questão. A menos óbvia, mas nem por isso menos urgente, é a definição de
uma política clara de imigração, um assunto que esteve adormecido
durante a campanha eleitoral.
Definir políticas de imigração
O discurso dos novos imigrantes é marcado por queixas como a
burocracia dos vistos, a precariedade e a demora no reconhecimento dos
diplomas. Quem o diz é Marta Rosales, investigadora do Instituto de
Ciências Sociais e coordenadora do projecto “Travessias do Atlântico”,
financiado pela Fundação Ciência e Tecnologia. “A maior parte entra com
visto de turista ou estudante e depois fica no país. Vêem a migração
como uma experiência, não é uma decisão para a vida. Muitos dizem que
vão ficar enquanto estiver a dar”, afirma a antropóloga.
Rubens Barbosa lamenta que não haja ainda no Brasil a preocupação,
comum em outros países, de atrair imigrantes qualificados. “Eu acho que
agora, depois da eleição, esse tema vai voltar. Porque se a gente voltar
a crescer, como se espera, colocando ordem na economia, vão aparecer
dificuldades para atender à demanda qualificada”, afirma. Na sua
opinião, qualquer que seja o resultado eleitoral, “a necessidade vai
determinar a urgência do assunto”.
Não é tarefa simples mudar-se para o Brasil com um diploma ou uma
ideia de negócio na mão. Ana Paula Costa, por exemplo, que vive há nove
anos no país, conta que foi “muito complicado” obter visto como
investidora. “Demorou muito tempo, nem os advogados brasileiros sabiam
muito bem como conduzir o processo”, conta a empresária de 53 anos, que
já teve uma pousada em Maceió e hoje vive em Florianópolis.
A engenheira Maria Peixoto também sentiu bastante dificuldade em
obter o visto. “As empresas brasileiras resistem em contratar
estrangeiros porque assim têm encargos muito maiores”, explica Maria. Já
Ivone Barreira, 23 anos, obteve facilmente o visto porque entrou no
país como estudante. Cursa um mestrado na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, mas tem planos para, uma vez graduada, lutar para encontrar um
emprego e, assim, poder continuar no Brasil. Já estagiou, aliás,
durante dez meses na delegação carioca de uma agência das Nações Unidas.
“É muito difícil viver aqui, a cidade é muito cara, mas gostava de
ficar”, confessa.
Nem tudo é economia
Se o desinteresse pela política local é um traço comum entre os
imigrantes, a preocupação central com a economia não é obrigatoriamente
uma regra. “Os problemas sociais são tão sérios que, sinceramente, para
mim, as questões económicas passam a ser secundárias”, confessa Hugo
Gonçalves, escritor português de 38 anos que vive há três no Rio de
Janeiro, onde trabalha como editor da Língua Geral. É claro que precisa
de manter o emprego, mas o que o preocupa de facto é a incapacidade de o
país mitigar problemas sociais como, por exemplo, a violência, a
homofobia e o elitismo que circunda a prática segura do aborto.
Andréia Azevedo Soares