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Brasil recebe 30 mil novos imigrantes italianos entre 2000 e 2015.
O Brasil recebeu aproximadamente 30 mil novos imigrantes italianos no
período de 2000 a 2015 – mais da metade (16 mil) nos últimos cinco anos
–, naquela que pode ser chamada de “terceira onda” desta imigração
histórica: tivemos a grande onda do final do século 19 até por volta de
1920; a segunda iniciada logo após o fim da Segunda Guerra, que reduziu
de volume na década de 60; e a terceira a partir dos 2000, especialmente
após os anos de 2005 e 2006. Os dados fazem parte do Projeto “Nuovi
Arrivati” (Recém-Chegados), que tem o objetivo de quantificar e traçar o
perfil sociodemográfico e profissional dos cidadãos italianos
residentes no Brasil há menos de 10 anos.
O projeto “Nuovi Arrivati” é uma realização do Comitê dos Italianos no
Exterior da Circunscrição de São Paulo (Comites-SP) e financiado pelo
Ministério das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional da
Itália (MAE). Na Unicamp, suas atividades são desenvolvidas no âmbito do
Observatório das Migrações em São Paulo, projeto temático Fapesp/CNPq
coordenado pela professora Rosana Baeninger, do Núcleo de Estudos de
População “Elza Berquó” (Nepo) da Unicamp. Também colaboram com a
iniciativa o Consulado Geral da Itália em São Paulo, a Câmara
Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura (Italcam), a
Missão Paz e o Escritório Guarnera Advogados.
Segundo Rosana Baeninger, esta pesquisa concilia o interesse do
Comites-SP, que é de garantir boa acolhida aos novos imigrantes
italianos, com o interesse do Observatório das Migrações de melhor
conhecer o que ela define como uma nova modalidade migratória. “Temos
muito mais conhecimento dos imigrantes latino-americanos, que compõem
uma mão de obra menos qualificada e não documentada. Ocorre que a partir
do século 21, com a mobilidade internacional do capital e da força de
trabalho, temos a circulação de mão de obra altamente qualificada. O
Brasil está na rota das migrações internacionais e é dentro desta
modalidade que chegam os novos imigrantes italianos, tendo São Paulo
como maior porta de entrada.”
À frente do projeto está Pier Francesco De Maria, doutorando em
demografia, que colaborou diretamente com o Comites-SP na elaboração de
um questionário para os imigrantes italianos recém-chegados, visando
captar características como idade, sexo, escolaridade, profissão, estado
civil e as principais dificuldades encontradas ao chegar ao país. “Este
projeto tem o propósito de favorecer a integração dos italianos de
recente imigração no Brasil e, em especial, melhorar o acesso dos
concidadãos a informações claras e confiáveis, indispensáveis para a
inserção social e profissional na realidade brasileira. Com base nos
resultados do questionário foram definidos os conteúdos de um ciclo de
seminários que vêm sendo oferecidos desde junho.”
Pier De Maria, ele próprio, faz parte da onda de imigrantes italianos
que vieram nos últimos 10 anos, levando-o a se envolver com o Projeto
“Nuovi Arrivati” também em termos pessoais. “Sou italiano e esta é uma
coletividade que me representa. Nem eu, nem meus pais [a mãe é
brasileira] tivemos acesso a informações como da documentação necessária
para meu ingresso no ensino médio, ou sobre como transferir dinheiro
para o Brasil – meu pai era servidor público na Itália. Como a minha
família, várias outras não têm acesso a informações importantes para a
sua inserção no mercado de trabalho e na sociedade brasileira. Isso me
motivou a colaborar com o Comites-SP e desenvolver o projeto nesta
parceria.”
Nesse sentido, conforme o doutorando, a expectativa é de quatro
resultados principais: traçar um perfil dos italianos recém-imigrados e
identificar suas necessidades; fornecer um quadro claro das instituições
italianas e locais para obter informações; melhorar a qualidade das
orientações fornecidas pelas associações italianas que trabalham com
imigrantes; e facilitar o acesso a informações seguras em rede sobre a
temática da integração social e profissional dos imigrantes. Ao final,
prevê-se a transcrição e a publicação na rede dos conteúdos dos
seminários e de resultados do questionário, tornando-os acessíveis
inclusive para italianos interessados em se mudar para o Brasil.
De Maria informa que parte desta imigração acontece dentro de empresas
transnacionais, com profissionais inseridos no mercado de trabalho
formal do país, mas existe uma parcela significativa de imigrantes de
alta qualificação que, por conta da crise mundial, vem buscar
oportunidades de trabalho através das redes sociais, até um momento
melhor de voltar à Itália. “Calculamos em sete ou oito mil os imigrantes
que vieram por conta própria. Os Comites são eleitos diretamente pelos
italianos quando a região recebe pelo menos três mil. O Comites de São
Paulo possui população bem maior e aglomera os estados do Mato Grosso do
Sul, Mato Grosso, Acre e Rondônia, formando um eixo pelo Centro-Oeste.
Os outros cinco Comites no Brasil estão no Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul, Paraná, Pernambuco e Minas Gerais.”
Adultos jovens
Diante da constatação de uma população altamente escolarizada e
qualificada, optou-se por distribuir o questionário por redes sociais, o
que trouxe maior capilaridade e perto de 300 retornos de vários pontos
do país, com respostas todas válidas, o que é uma exceção neste tipo de
pesquisa. “Os entrevistados falam três ou quatro idiomas e estão
inseridos no setor financeiro e deslocados para filiais no Brasil,
havendo ainda investidores, profissionais liberais, estudantes
universitários e até aposentados.”
Uma constatação é que se trata de uma população adulta jovem, com a
maioria entre 20 e 45 anos, que chegou solteira, embora muitos hoje se
declarem casados e com filhos, tendo construído aqui um percurso de
vida. “No primeiro período analisado [por meio dos dados do Sistema
Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros – Sincre], de 2000 a
2015, temos mais homens que mulheres e, a partir de 2010, a pirâmide
fica mais rejuvenescida, com uma concentração de jovens, o que está
ligado à falta de oportunidades no mercado de trabalho da origem. Em
minha infância na Itália, eram muitas as pessoas com diploma que não
conseguiam empregos em suas áreas, sobrevivendo como subempregados – e
isto é sistemático no país. Os jovens vêm para o Brasil na esperança de
se inserir em suas carreiras, o que às vezes acontece, às vezes não.”
Uma questão importante, mas pouco usual nestas pesquisas, é o por quê de
ter deixado a Itália, quando geralmente se pergunta somente o por quê
de ter escolhido o Brasil. “Entre os imigrantes que não foram enviados
por empresas, está a expectativa de uma vida melhor para os filhos. Lá,
eles sentem na pele o reflexo da crise mundial porque o país ainda não
havia se recuperado de crises anteriores, desde um período político e
econômico mais difícil por conta dos escândalos de corrupção da década
de 1990. Uma resposta curiosa foi a de falta de identificação com a
Itália, sugerindo uma pessoa aberta a deixar o país por desprendimento
em relação à cultura.”
Dificuldades de inserção
Perguntados sobre as dificuldades enfrentadas na chegada e quais ainda
enfrentam anos depois do ato migratório, o demógrafo comenta as
principais elencadas pelos imigrantes. “No caso de São Paulo, há um
contingente significativo de italianos que vieram sem conhecer os
trâmites necessários para regularizar sua estada, sem saber como obter o
visto de permanência e quais são os tipos de visto. Outras dificuldades
apontadas são de acesso ao sistema de saúde (que na Itália não é
único), de convalidação de diplomas, de transferência de dinheiro para o
Brasil (são profissionais bem remunerados) e de como aplicar recursos,
pois muitos são investidores.”
Em relação às ocupações, Pier De Maria afirma que a maior parte dos
imigrantes é formada por diretores e gerentes que vêm trabalhar em
filiais de empresas no Brasil e de investidores que abrem novos
empreendimentos como na rede hoteleira, geralmente no litoral do
Nordeste. “Um dos principais vistos concedidos é de investidor. Em
seguida aparecem os estudantes universitários, que são relevantes também
em períodos anteriores ao recortado na pesquisa, mas também chama
atenção o volume de profissionais liberais e de aposentados, pessoas
vindo em outro momento do ciclo de vida.”
Um levantamento importante no Projeto “Nuovi Arrivati”, na opinião do
demógrafo, foi dos locais de moradia dos novos imigrantes italianos, que
estão majoritariamente nas grandes cidades, sobretudo em capitais como
São Paulo, Fortaleza, Salvador, João Pessoa, Maceió e Rio de Janeiro.
“Mas vale observar que no Estado de São Paulo já vemos um número
significativo de imigrantes na Baixada Santista e também no interior,
formando uma espécie de corredor por cidades como Campinas, Sorocaba e
Piracicaba, conforme os dados do Sincre, da Polícia Federal.”
De acordo com De Maria, a língua não representa barreira para esses
imigrantes, já que mais de 70% falam pelo menos três idiomas (como
espanhol, inglês e francês) e a maioria diz possuir domínio pelo menos
regular do português na leitura, escrita, fala e audição. “Existe certa
racionalidade na escolha de vir para o Brasil, com a busca de algum
conhecimento prévio sobre o país e uma construção do percurso. No meu
caso, por exemplo, fui aprender português antes de migrar. Outro aspecto
a destacar é que, embora vários entrevistados tenham vindo por
possuírem parentes de outras gerações, dois em cada três não pretendem
permanecer no Brasil, com a ideia de voltar para a Itália ou ir para
outro país – e isso envolve desde os jovens aos mais velhos.”
Circulação de cérebros
A professora Rosana Baeninger, coordenadora do Observatório das
Migrações, afirma que as ações pontuais por parte de comunidades e
associações italianas diante da chegada dos novos imigrantes refletem,
na verdade, a falta de uma política imigratória do Brasil para o século
21. “Na imigração italiana do século 19 para o século 20, tínhamos uma
mão de obra não qualificada, ao passo que esta é altamente qualificada,
fazendo parte de uma nova modalidade migratória que chamamos de
‘circulação de cérebros’. Esses imigrantes podem ficar aqui por algum
tempo, mas não necessariamente permanecerão – ficar no Brasil não é o
projeto migratório deles.”
A docente da Unicamp lembra que o país possui o Estatuto do Estrangeiro,
herdado em 1980 do regime ditatorial e pelo qual só podem permanecer os
imigrantes que vêm com a empresa, ou seja, a mão de obra qualificada e
com emprego formal. “São os imigrantes desejados. Mas, mesmo para estes,
a legislação não oferece abertura para que possam convalidar seus
diplomas e se inserir no mercado de trabalho com visto permanente. A Lei
de Imigração se tornou urgente a partir da entrada dos haitianos, que
formam uma mão de obra igualmente qualificada, mas que acabou encaixada
preponderantemente no setor de serviços. Isso porque o nosso
Estado-nação tem como tipo ideal de imigrante o branco europeu.”
Segundo Rosana, a Lei de Imigração que substitui o Estatuto do
Estrangeiro, em trâmite no Congresso, envolve um embate político muito
forte entre os Ministérios do Trabalho e da Justiça. “O retrato maior de
uma sociedade despreparada para o século 21 é a de não conseguir,
minimamente, saber o que fazer com essas novas ondas de imigrantes. Se o
Brasil escolheu entrar na rota do capital internacional, tem de se
preparar para a entrada de uma mão de obra qualificada e não
qualificada.”
A coordenadora do Observatório das Migrações observa que, mesmo que o
país não esteja com o mesmo dinamismo econômico de alguns anos atrás,
continua sendo uma alternativa inclusive para a mão de obra qualificada,
em função das redes migratórias. “Uma constatação em relação à grande
onda de imigrantes italianos da virada do século 19 para o 20, é que no
século 21 a metrópole de São Paulo continua sendo a porta de entrada.
Contudo, Campinas também já desponta e a expansão para o interior
paulista tem muito mais a ver com a alocação de empresas transnacionais
do que com a rede migratória histórica do passado”.
Rosana Baeninger salienta que a dinâmica dos fluxos muda rapidamente de
perfil e que a legislação brasileira não consegue identificar e acolher
estes imigrantes. “Pesquisas teóricas mostram que no início temos uma
mão de obra altamente qualificada, mas que depois vai puxar uma
população com qualificações menores, como, por exemplo, a que virá
trabalhar para esses novos imigrantes italianos. Por outro lado, o
Brasil, que sempre foi tratado como um país de imigração na virada para o
século 20 ou de emigração no final do mesmo século, está se tornando um
país de trânsito migratório: os haitianos já estão indo para outros
países como o Chile e, também para os italianos, poderemos ser um país
de trânsito dentro desta mobilidade internacional cosmopolita.”
O doutorando Pier De Maria acrescenta que, com a demora na aprovação da
Lei de Imigração, as características de imigração vão mudando e novas
necessidades aparecem. “Os novos imigrantes italianos, por agora, contam
com a imigração histórica, podendo se encaixar nas redes migratórias –
eles não demandam visto humanitário ou de refúgio, mas e se fosse o
caso? Temos profissionais liberais que aqui são assalariados ou
arquitetos que trabalham como técnicos devido à dificuldade na
convalidação do diploma.”
Em relação aos amparos legais, afirma De Maria, todas as questões são
baseadas em leis antigas que precisam de mudanças para incorporar novas
características desta mobilidade internacional. “Há italianos que
circulam pelo mundo e vieram para o Brasil de outros países. Há os que
nasceram fora da Itália, mas que lá moraram e vieram para cá – como
incorporá-los? Algumas declarações são de imigrantes que vieram da
Argentina e outros países da América Latina porque herdaram a cidadania
do pai italiano. Houve respostas de imigrantes com ensino médio (o que é
pouco para conseguir boa colocação na Itália) e que estão alocados no
trabalho informal – será que conseguirão o visto de permanência? São
possibilidades que podem surgir no futuro.”
Segundo o demógrafo, o questionário do Projeto “Nuovi Arrivati” captou
uma população bastante móvel, com pessoas que já viveram em países da
Ásia, África e América do Norte. “São imigrantes que não têm restrições
em termos de fronteiras. Imaginávamos que os italianos preferissem
países do primeiro mundo, mas no caso da Ásia, por exemplo, o Japão não
aparece, e sim Bangladesh e Vietnã. Para eles, é muito fácil obter
vistos para circular pela América Latina e outros continentes.”
Sobre esta migração de italianos para o sudeste asiático ou países como
Bolívia e México, Rosana Baeninger cita Pietro Basso, sociólogo italiano
que oferece aporte teórico ao Observatório das Migrações e para quem as
migrações, qualificadas ou não, ocorrerão cada vez mais entre países
periféricos. “São países onde as empresas conseguem maior taxa de lucro.
Este aspecto é interessante para reforçar que o Brasil está na rota das
migrações internacionais. Na política imigratória do século 19, as
normas imigratórias no país buscavam a assimilação desses imigrantes
europeus, estava-se construindo um Estado-nação. Se as associações e
coletividades italianas se preocupam até hoje com o resgate da memória
histórica dessas imigrações passadas, os novos imigrantes não têm
necessariamente o mesmo interesse; pode ser que o Brasil seja apenas um
dos tantos países de trânsito pelos quais circulam.”
Luiz Sugimoto