SÃO
PAULO (Reuters) - A indústria de veículos no Mercosul está cobrando dos
principais membros do bloco, Brasil e Argentina, a definição de uma
política de longo prazo para o setor que seja capaz de dar
previsibilidade para os investimentos e maior competitividade ao setor,
em um momento em que o bloco negocia um acordo comercial com a União
Europeia.
Segundo o presidente da General Motors para o Mercosul,
Carlos Zarlenga, sem uma definição clara sobre a política industrial no
Brasil para os próximos anos e a aprovação de regras futuras para o
comércio de veículos no Mercosul “a indústria está investindo às cegas”.
“É fundamental trabalharmos hoje para termos uma previsibilidade
sobre o que vai acontecer a partir de 2020. Todos os investimentos
anunciados hoje (pelo setor) passam do horizonte de 2020. Estamos
investindo às cegas e isso não pode acontecer”, disse Zarlenga durante
seminário do setor promovida pela editora AutoData.
Uma comitiva
de presidentes de montadoras de veículos, mais a Associação Nacional dos
Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), deve se reunir na
terça-feira com o presidente Michel Temer, na expectativa de fazer o
governo federal avançar na aprovação da política industrial conhecida
como Rota 2030.
O encontro deveria ter acontecido em 12 de abril,
mas as mudanças ministeriais geradas pela saída de ministros
interessados em disputar as eleições de outubro acabaram postergando a
reunião.
“Estamos discutindo isso, Rota 2030, há um ano e meio,
espero uma surpresa positiva amanhã”, disse Zarlenga. Porém, o
presidente da Anfavea, Antonio Megale, presente no mesmo seminário foi
mais pessimista, comentando que na terça-feira “não deve ser assinado
nada”.
A política automotiva anterior, Inovar Auto, caducou no
final do ano passado e, a partir deste ano, o mercado passou a conviver
com importações de veículos que pagam apenas imposto de importação e não
mais uma sobretaxa de até 30 por cento caso os importadores não
invistam em produção e pesquisa e desenvolvimento nacionais.
O
Rota 2030 pretende ditar as regras de incentivo ao setor abordando temas
como economia no consumo de combustível e obrigatoriedade de
equipamentos de segurança nos veículos.
Segundo Zarlenga, entre
este ano e 2030 são estimados investimentos no Brasil pelo setor
automotivo de 30 bilhões de reais em pesquisa e desenvolvimento por
ciclo de cinco anos, ante de 25 bilhões de reais aplicados entre 2012 e
2018.
No
caso da GM, a pauta de desenvolvimento inclui veículos elétricos e
modelos unificados que possam ser vendidos no Brasil e na Argentina sem
precisarem de alterações para atender a regras específicas locais, algo
conhecido como “reconhecimento mútuo” e que segundo ele poderá ser
colocado em prática no Mercosul em 30 dias.
Além da política
industrial no Brasil, o setor busca também a discussão de regras que vão
substituir o acordo automotivo atual entre Brasil e Argentina, que
vence em meados de 2020. Os dois países possuem 76 fábricas de veículos,
das quais 65 estão no Brasil, e uma capacidade de produção anual de 6
milhões de unidades.
Atualmente, o comércio bilateral é regido
por uma regra conhecida como “flex” em que a cada 1 dólar que o Brasil
importa da Argentina sem incidência de tarifas, o Brasil pode exportar
ao vizinho 1,5 dólar também sem sobretaxas.
“O setor esta
começando a se desorganizar...Há um alinhamento político entre Brasil e
Argentina e os países passam por um momento de crescimento muito forte
(de suas indústrias de veículos). Mas nosso questionamento é que para se
organizar o setor é preciso ter uma visão de mais longo prazo”, disse
Megale, da Anfavea.
Segundo Zarlenga, da GM, a indústria
automotiva do Brasil e da Argentina deve crescer 3,6 por cento ao ano,
em média, nos próximos 10 anos, com o Brasil passando de vendas internas
previstas para 2018 de 2,7 milhões de veículos para 2,9 milhões em 2019
e chegando a 4 milhões em 2027. Para a Argentina, o crescimento
esperado pela empresa sai de 1 milhão em 2018 para 1,2 milhão em 2027.
“Temos
regras claras hoje (sobre o flex) que terminam em julho de 2020. O
ponto é que não dá para esperar 2020 chegar para se ter uma nova regra”,
disse o presidente da GM Mercosul.
Além do comércio bilateral
entre Brasil e Argentina, a indústria automotiva do Mercosul —formado
também por Paraguai, Uruguai e Venezuela, que está suspensa— tem pela
frente a possibilidade de entrada em vigor no próximo ano do livre
comércio de veículos entre Brasil e México, conforme regido pelo acordo
bilateral atual, disse Megale. Ele defendeu gradualismo na abertura,
pedindo o mesmo nas discussões do Mercosul com a UE.
“Tem
chances reais de sair (acordo Mercosul-UE), embora estejamos discutindo
há 20 anos. Mas ele tem que vir com gradualidade. A UE hoje tem 1,7
habitante por veículo e o Mercosul tem 4,45, enquanto isso a UE tem 17
por cento de sua capacidade ociosa enquanto as montadoras no Mercosul
têm 41 por cento.”