
Foz do Amazonas (Foto: Agência Brasil)
Após anos de diálogo e de uma tentativa frustrada em 2023, a Petrobras conseguiu do Ibama o licenciamento ambiental para iniciar as perfurações de poços de busca por petróleo na região da foz do Rio Amazonas, no estado do Amapá. Agora, a empresa afirma ter cumprido os requisitos para iniciar os trabalhos “imediatamente”.
A conquista da empresa recebeu reações mistas da sociedade. Enquanto por um lado houve comemorações dentro do governo e até de movimentos de trabalhadores como a Federação Unificada dos Petroleiros (FUP), ambientalistas criticam a atividade petroleira na região pelos altos riscos oferecidos a uma zona sensível e por constituir um avanço da indústria petroleira em um momento de agravamento das mudanças climáticas.
Em nota, o Ibama defende suas ações e afirma que, após o indeferimento em 2023, o órgão e a empresa “iniciaram uma intensa discussão, que permitiu significativo aprimoramento substancial do projeto apresentado, sobretudo no que se refere à estrutura de resposta a emergência”.
O licenciamento chega a poucos dias do início da COP-30, conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) que trata das mudanças climáticas e tem como objetivo justamente buscar alternativas para reduzir o gás carbônico emitido na atmosfera.
Onde está a Bacia da Foz do Amazonas?
A Margem Equatorial é uma vasta área geológica no litoral brasileiro que se estende por mais de 2,2 mil quilômetros, desde o estado do Amapá até o Rio Grande do Norte. O epicentro do interesse e também da controvérsia está na Bacia da Foz do Amazonas, a porção mais ao norte da Margem Equatorial. É nesta região, especificamente no bloco FZA-M-59, que a Petrobras planeja iniciar a perfuração de um poço exploratório.

A área é ambientalmente muito sensível devido à sua proximidade com ecossistemas únicos, como os Corais da Amazônia, descobertos em 2016, além de manguezais e da grande biodiversidade marinha influenciada pela foz do maior rio do mundo.
O que mudou desde 2023?
Discussões sobre a exploração de petróleo na região ocorrem há mais de uma década, com debates nos governos de Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Há menos de três anos, durante o primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, um parecer do Ibama não autorizou o início das pesquisas na região naquele momento.
“Isso é muito normal para grandes obras”, analisa a advogada Priscila Artigas, presidente da Comissão de Direito Ambiental do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). “Todas as grandes obras do Brasil passaram por essas discussões. A Petrobras fez então um trabalho de aprimorar os estudos e análises que o Ibama exigiu.”
O projeto avançou em meio a forte pressão política. O presidente Lula demonstrou em diversas ocasiões apoio a exploração de petróleo na região, assim como nomes expressivos da política do Amapá como os senadores Davi Alcolumbre (União Brasil – AP) e o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT – AP).
Professor de direito ambiental da PUC-SP, André Gerardes acredita no entanto que a decisão do Ibama foi sobretudo técnica. “O Ibama é conhecido como uma instituição que sempre conseguiu manter uma certa autonomia. Os técnicos têm a garantia do funcionalismo público. Só quem preside o órgão é cargo de confiança”, diz.
Entre as novidades entregues pela Petrobras para obter o licenciamento estão mais estudos e até simulações de situações de emergência realizadas ao longo dos últimos meses. Em uma delas, brinquedos foram utilizados para representar animais em risco durante um resgate noturno.
O Ibama destaca que o licenciamento decorre de um Estudo de Impacto Ambiental, formulado a partir de “três audiências públicas, 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá, vistorias em todas as estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração, além da realização de uma Avaliação Pré-Operacional, que envolveu mais de 400 pessoas, incluindo funcionários e colaboradores da Petrobras e equipe técnica do Ibama”.
“Houve, portanto, um processo de amadurecimento institucional, que consolidou práticas de precaução mais sofisticadas”, analisa a advogada Helena Duarte Pereira, da área de direito regulatório do Gaia Silva Gaede Advogados.
Entre as exigências do Ibama que foram atendidas pela empresa estão:
- Construção de Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) de grande porte para tratar animais vítimas de vazamento de óleo no município de Oiapoque (AP). Já havia outro centro em Belém (PA);
- Inclusão de três embarcações offshore dedicadas ao atendimento de fauna vítima de vazamentos;
- Quatro embarcações de atendimento nearshore.
Licença ambiental ainda pode ser revogada?
O professor André Gerardes lembra que o Ibama é a última instância quando tratamos de licenciamento ambiental no país.
“Não cabe um recurso para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, nem o próprio presidente Lula pode rever a decisão. O máximo que é possível acontecer é o Ministério Público entender que a decisão não está fundamentada e recorrer ao judiciário”, diz Gerardes.
Após a divulgação do licenciamento, organizações da sociedade civil já afirmaram que irão à Justiça contra a licença. Observatório do Clima, Greenpeace e Painel Científico para a Amazônia estão entre os críticos da medida.
“Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta”, afirmou Paulo Artaxo, integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e especializado em crise climática e Amazônia. “Precisamos de um acordo global para eliminar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que temos que fazer é impedir sua ampliação”, disse.
É importante destacar que a licença emitida pelo Ibama autoriza apenas a pesquisa na região para averiguar se de fato há petróleo na bacia da Margem Equatorial. “A própria pesquisa eventualmente pode me indicar que não tem petróleo, que não tem viabilidade econômica ou técnica para a exploração”, diz Priscila Artigas. Caso seja comprovado potencial econômico, outro licenciamento, de exploração, deverá ser emitido.
O potencial da Margem Equatorial
Especialistas acreditam que a região pode ser a próxima potência petrolífera brasileira. A crença no potencial da Margem Equatorial decorre de sua proximidade com a Guiana, país que na última década viveu um “boom” econômico catapultado pela exploração de petróleo. Também nos arredores está a Venezuela, com a maior reserva mundial desta commodity no mundo. Mais próxima da região, a Guiana Francesa também planeja perfurar seu solo.
A pesquisa que a Petrobras inicia agora será determinante para definir o futuro, na visão do pesquisador João Victor Marques, da FGV Energia.
“Será possível dimensionar o volume existente no reservatório, bem como sua qualidade e características físico-químicas, e, por fim, verificar a viabilidade econômica para produção”, explica Marques.
“Finalmente, declarada a comercialidade, tem-se início a fase de desenvolvimento, quando o projeto de produção é desenhado, incluindo a unidade estacionária de produção e o modelo logístico de escoamento do óleo”, segue Marques. Ele destaca que, dado o contexto atual de enfrentamento às mudanças climáticas, “o projeto precisa seguir estritamente as condições de resiliência ambiental e econômica para ser competitivo, ambientalmente responsável e socialmente justo”.
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