Várias startups estão surgindo no entorno das cooperativas em uma das regiões mais vocacionadas para a agricultura
É madrugada, a cidade ainda
dorme, mas, faça chuva ou tempo bom, o produtor rural tem de acordar
para medir a temperatura dos animais da criação e só depois é que pode
voltar ao sono dos justos. Sediada em Chapecó, no oeste catarinense, a
startup Gravitwave quer acabar com essa rotina de milhares de
agricultores brasileiros. O principal produto da companhia é o Coopig,
um sistema web que possibilita controlar a produtividade de animais. O
software congrega indicadores de temperatura e mortalidade, consumo de
água e ração, aplicação de medicamentos e ocorrência de doenças, entre
outras variáveis.
Para
Iskailer Rodrigues, cofundador da empresa, o Coopig possibilita que as
indústrias e cooperativas tenham acesso em tempo real aos dados de
produção, e assim possam fazer uma gestão mais eficiente dos recursos.
“Administrar uma fazenda é como dirigir um carro. As empresas guiavam
olhando o retrovisor. Acabavam olhando para o passado, para 15 ou 20
dias atrás, e não para um dado atualizado diariamente”, explica
Rodrigues. O empreendedor catarinense teve de investir R$ 100 mil para o
começo das operações em 2016, após ganhar um prêmio do programa
Sinapses da Inovação, iniciativa do governo de Santa Catarina. E o
cheque bancou 60% do valor de que ele precisava para o pontapé inicial
na sua agrotech, ou agtech, como são em geral conhecidas as startups do
agronegócio.
O sistema
lançado por Rodrigues dá ao agricultor a possibilidade de controlar
remotamente a propriedade. Ocorrendo qualquer alteração na produção, uma
notificação é enviada ao seu celular. Todas as pontas – produtor,
técnicos agropecuários e cooperativas de produção – estão integradas em
um mesmo site de informações. Utilizado por 42 produtores rurais, o
Coopig também gerencia uma etapa da linha de produção da Cooper A1, de
Palmitos, município situado na divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa
Catarina. A startup já prepara o lançamento do Cocoricó, voltado à
avicultura, para este ano.
A
Gravitwave negocia a implantação do novo sistema nas operações da
Copagril, cooperativa de produção sediada em Marechal Cândido Rondon
(PR). A partir do novo sistema, Rodrigues estima que a empresa terá uma
base de 240 produtores utilizando o software, dos quais 140 têm foco na
produção de aves. Na visão dele, a avicultura tem urgência no controle
da produtividade das granjas. “Se você deixa um suíno três horas abaixo
da temperatura ideal, ele diminui a produtividade. Se o mesmo ocorre com
a ave, ela morre. O impacto é mais evidente. Por isso os avicultores
têm maior aceitação com a tecnologia porque eles não têm apenas prejuízo
e, sim, perda total”, exemplifica.
Para
Lara Moraes, supervisora de agribusiness da PwC Brasil, as cooperativas
estão atentas e são as principais difusoras da inovação no seu raio de
atuação. “Elas têm papel fundamental na promoção de tecnologias
disruptivas, pois é imperativo fazer com que o produtor passe a utilizar
inovações no campo”, defende. Para Ernani Carvalho da Costa Neto,
coordenador do Núcleo de Estudos de Agronegócio da ESPM-Sul, as startups
ligadas ao cooperativismo ainda estão pulverizadas. “Até este momento,
não há um movimento claro. As cooperativas que perceberem isso antes
poderão se aproveitar desse pioneirismo. Quem está fazendo esse
investimento hoje são grandes empresas de tecnologia”, analisa o
professor. “Essa postura será mais exigida no tempo competitivo que
vivemos. O sucesso de hoje não assegura o de amanhã”, adverte. Ainda que
em uma velocidade insuficiente, o campo tem atraído a atenção de jovens
empreendedores. De acordo com estimativas da Associação Brasileira de
Startups (ABStartups), as agetechs crescem, em média, 70% ao ano, em um
mercado que movimenta aproximadamente R$ 15 bilhões. Em menos de dois
anos surgiram no Brasil mais de 75 novos negócios do gênero – 15% deles
com receita anual superior a R$ 300 mil.
Historicamente
um estado fomentador do agronegócio brasileiro, o Rio Grande do Sul
também vem desenvolvendo múltiplas iniciativas de empreendedorismo
tecnológico aplicado à economia rural. Um levantamento realizado pela
ABStartups aponta o Rio Grande em quarto lugar em número de filiadas à
entidade, superado apenas por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Voltando-se ao promissor mercado das startups, o Sebrae-RS criou o
programa StartupRS Agrotech para fomentar as empresas que desenvolvem
soluções para o agronegócio. Em sua primeira edição, o programa
selecionou dez startups de diferentes regiões do estado para aprimorarem
o trabalho entre junho e outubro de 2018. “Os dispositivos conectados e
o uso de inteligência artificial e big data são algumas das tecnologias
aplicadas para resolver problemas reais dessa cadeia que vai do campo à
mesa. É uma revolução para o agronegócio brasileiro”, pontua Debora
Chagas, coordenadora estadual de startups e economia digital do
Sebrae-RS.
O Sicredi também
vem trabalhando soluções digitais para integrar e aproximar suas
atividades, tradicionalmente voltadas ao financiamento rural. Em março, a
cooperativa de crédito inaugurou um núcleo de inovação no Tecnosinos,
parque tecnológico instalado no campus central da Unisinos, em São
Leopoldo (RS), para partilhar o mesmo ambiente das startups instaladas
no local. Em julho, o Sicredi lançou o Inovar Juntos, programa que
reunirá startups para apresentar soluções para desafios, como conectar
associados pessoa jurídica e pessoa física (market place) e coleta de
dados para perfil de investidor, por exemplo. A instituição financeira
selecionará até 20 startups para um Pitch Day, em setembro, em que as
empresas apresentarão suas propostas. As escolhidas passarão para as
fases seguintes e, por fim, haverá uma avaliação dos resultados para
possível parceria comercial.
O
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deu um
empurrão que pode alavancar o desenvolvimento de startups no país. A
instituição criou o BNDES Garagem, que destinará R$ 10 milhões para
apoiar a criação e aceleração de startups neste e no próximo ano. O
banco fez, em julho, uma chamada pública para convidar empresas que dão
apoio às startups, chamadas de aceleradoras. Depois dessa fase, a
empresa vencedora selecionará, em novembro, 60 startups inovadoras. Em
setembro do ano que vem, mais 60 serão escolhidas. Na seleção, a
prioridade será dada àquelas que apresentarem soluções relacionadas ao
planejamento estratégico do BNDES, como educação, saúde, segurança,
economia criativa e meio ambiente. O objetivo do banco é reunir em um
único espaço programas de criação de startups e de aceleração de
negócios inovadores, local de coworking (compartilhamento de espaço e de
recursos), laboratórios de inovação, universidades e escolas de
negócios, gestores de fundos de investimentos e grandes empresas de
tecnologia.
Inspiração no Vale do Silício
O Paraná está logo atrás do Rio Grande do Sul no ranking da ABStartups, ocupando o quinto lugar. Com auxílio técnico do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o Sindicato e Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) lançou em abril o Programa de Inovação do Cooperativismo Paranaense visando a disseminar práticas inovadoras dentro das cooperativas. “Queremos fazer com que as cooperativas do Paraná tenham acesso às tecnologias de diagnóstico de competências e metodologias de implantação da inovação em seus ambientes”, projeta José Roberto Ricken, presidente do Ocepar. Em agosto, um grupo de presidentes de cooperativas deve viajar a Boston, nos Estados Unidos, para um período de imersão no MIT, como também em startups da região.
Desde
o ano passado, a Frísia Cooperativa Agroindustrial, de Carambeí (PR),
realiza a DigitalAgro (foto), uma feira que apresenta soluções
inovadoras para as cooperativas de produção do estado. A iniciativa foi
fruto de uma viagem dos dirigentes da Frísia ao Vale do Silício, na
Califórnia. “Vimos que era praticamente impossível ter sucesso na
agricultura e na pecuária sem ter essas inovações por perto. Quando
retornamos, começamos a discutir que precisávamos ter um evento voltado à
agricultura”, relembra Emerson Moura, superintendente da cooperativa.
Com
aporte de R$ 5 milhões em sua segunda edição, a Digital Agro não
pretende concorrer com feiras já consolidadas como a Expodireto, de
Não-Me-Toque (RS), por exemplo. Tanto é que o conceito é totalmente
diferente: o objetivo é ser reconhecida como a primeira feira agrícola
100% voltada para inovação no Brasil. Moura percebe que eventos como a
Digital Agro são essenciais para a modernização do modelo do
cooperativismo, que é desenvolvido da mesma forma há décadas. “Se não
tiver aplicação das novas tecnologias que fazem revigorar suas margens e
aumentar a rentabilidade, e se continuar alocada na produção em que os
custos vêm aumentando e as margens vêm diminuindo bastante, a
cooperativa está fadada a desaparecer”, analisa.
A
Digital Agro faz parte de um projeto maior da cooperativa, o Centro de
Inovação Frísia, que pretende discutir com as startups novas tecnologias
que possam ser aplicadas às atividades da agroindústria. No que
depender da vontade dos cooperativistas empreendedores do Paraná,
Carambeí pode se tornar, quem sabe, a capital do “Vale do Silício” rural
que começa a fincar raízes em toda a região Sul.
Um hub para startups
Com
diversas ramificações, a área da saúde foi um dos setores mais
impactados pelo advento das startups. Uma das healthtechs mais
conhecidas do país é a Dr. Consulta, sistema que conecta uma rede de
centros médicos, oferecendo consultas e exames que podem ser realizados
até no mesmo dia da solicitação. É uma alternativa para pessoas que não
podem investir muito em saúde, pois não há mensalidade: os pacientes
pagam apenas pelo serviço que recebem. Atenta ao movimento do setor, a
Unimed Porto Alegre (foto) lançou, no ano passado, o programa de
aceleração Bem Startup Unimed, em parceria com a aceleradora Grow+. O
programa consiste em alocar uma empresa dentro da estrutura da
cooperativa durante seis meses para que a startup possa auxiliar a
Unimed em seus processos e também ganhar know-how e experiência de
mercado. É como se a cooperativa fosse um hub de startups, emprestando
sua credibilidade às pequenas empresas. Além disso, a Unimed também
investe R$ 100 mil na startup – metade em consultoria com profissionais
especializados em administração de empresas e novos negócios.
O
grande desafio da Unimed tem sido mudar sua cultura organizacional para
a inserção de uma startup nas rotinas de trabalho. “Todas as empresas
tradicionais trabalham com um formato próprio. A novidade gera um
desconforto na medida em que se começa a trazer startups para dentro e
fazer com que elas trabalhem juntamente com os funcionários”, revela o
médico Salvador Gullo Netto, diretor de provimento e líder do programa.
Para dar início à primeira edição do projeto, a Unimed Porto Alegre
alocou apenas uma empresa em suas operações. A startup realiza a análise
técnica de exames laboratoriais de rotina realizados pela cooperativa. A
opção por ter apenas uma investida é momentânea, pois faz parte da
estratégia abranger sucessivamente mais empresas ao longo dos anos. A
segunda edição do programa está em fase final de preparação, e outras
duas devem ocorrer em 2019. “Não estamos muito preocupados com o número
de empresas, mas sim com o resultado que as healthtechs podem nos
proporcionar, no sentido de mexer com a cultura da cooperativa médica”,
avalia Gullo Netto.