Por Rafael Faustino - Fernanda Vasconcelos - redacao@savarejo.com.br - 11/07/2019
Um entra no mundo da produção com suas marcas próprias e outro ingressa no da venda direta ao consumidor. Nem todo mundo, porém, está confortável com isso
Varejistas lançam marcas próprias e fornecedores criam canais de venda
direta ao consumidor. Esse avanço de ambos tem criado um certo desconforto de
parte das empresas que atuam tanto de um lado quanto de outro. A dúvida é o
quanto isso pode estar prejudicando o relacionamento varejo-fornecedor.
Diretora do Advantage Group ,
Ana Fioratti reconhece que há uma disputa, mas, até o momento, não a ponto de
estremecer as parcerias. “O que observamos no Brasil é que ainda cresce o
reconhecimento de que trabalhar de forma colaborativa traz bons resultados,
promovendo conhecimento do shopper, ganho de eficiência e maior faturamento
para ambos”, diz.
Segundo a especialista, o varejo tem um interesse óbvio em privilegiar suas
marcas próprias, cuja participação nas vendas está em torno de 6%. O
problema, diz Ana, é quando elas começam a canibalizar categorias em que outras
marcas estão bem consolidadas. Da mesma forma, afirma ela, os
canais de venda direta da indústria devem exercer papel apenas complementar.
E ter isso em mente é importante para o fabricante não prejudicar suas próprias
vendas no varejo.
A questão, para ambos, é conhecer o limite das apostas e não deixar que elas
prejudiquem parcerias que são estratégicas. Antônio Sá, fundador da Amicci , consultoria
especializada em desenvolvimento de marcas próprias, também aponta que o efeito
dessas estratégias na competição é relativo. “As marcas das grandes indústrias
já não estão sozinhas. Há geralmente sete ou oito marcas na categoria. Não é a
marca própria que vai fazer o negócio desandar. Só sairão prejudicadas algumas
intermediárias que não trazem relevância para o shopper”, diz.
No exterior, afirmam os dois consultores, é comum que a participação das
marcas próprias do varejo beire os 40% das vendas nos mercados mais
desenvolvidos. E nem por isso, garantem eles, grandes indústrias deixaram de
ter seu espaço nas prateleiras, enquanto outras menores encontraram um bom
caminho se tornando exatamente fornecedoras para as marcas dos varejistas.
Para Ana Fioratti, da Advantage, cabe ao varejo e à indústria entender em
quais oportunidades é possível ganhar mais sem prejudicar a cadeia de consumo
como um todo. Alguns podem sair perdendo – mas provavelmente serão aqueles que
não fazem seu trabalho corretamente. “Não dá para ter um relacionamento
colaborativo com todos os varejistas ou com todas as indústrias. É preciso
fazer escolhas que valorizem o negócio, privilegiando parceiros que entreguem o
que se precisa, seja valor, qualidade ou margens melhores.”
“O varejo deve entender como a marca própria vai agregar para a
categoria como um todo. Criar uma linha própria só como
ferramenta de negociação pode ser um tiro no pé. Além disso, o desenvolvimento
de marcas exige um longo processo de definição de posicionamento, controle de
qualidade, comunicação com o consumidor, etc. Já no caso da venda direta ao
consumidor pela indústria, a grande complicação acontece quando a política de
preços por canais não está clara nem para a própria empresa. Isso gera
insatisfação no varejista que privilegia determinada marca, mas vê que ela está
mais barata em outros canais” - Ana Fioratti, Diretora
do Advantage Group
Venda Direta: mais dados sobre o consumidor
A empreitada da indústria na venda direta é repleta de exemplos. A Nestlé comprou a rede Starbucks para comercializar produtos da marca Nespresso , além de
já vender as cápsulas de seu café diretamente ao consumidor. A gigante JBS , que sempre foi focada no
varejo e em restaurantes, investe em lojas da marca Swift para atender
diretamente as pessoas. A Bauducco
tem unidades conceito e muitas outras indústrias, de vários segmentos,
vendem seus produtos por meio da internet. Procurados por SA Varejo, os
fabricantes preferiram não falar sobre o assunto ou não conseguiram retornar
até o fechamento da edição. Mas, afinal, o que está por trás dessa estratégia?
Açougue SWIFT
Em entrevista à SA Varejo de maio/2019, a JBS,
dona da marca, explicou que as lojas ajudam a entender melhor a categoria de
carnes, fazer testes e medir resultados para implementar projetos no varejo.
“Todos buscam dados do consumidor. O que se deseja hoje é saber o que faz
alguém comprar e de que forma”, explica Fábio Fialho, Chief Strategy Sale
Officer (CSSO) da Synapcom
, que oferece soluções para e-commerce. Para ele, os varejistas têm melhor
visão sobre os hábitos das pessoas e o que elas buscam. Por isso, é possível
continuar atraindo o consumidor ao oferecer experiência, testes e produtos
alinhados ao perfil do cliente.
Outro especialista, Helton Arsênio, gerente da PwC Brasil , reforça que
indústria e varejo precisam um do outro para complementar seus negócios. “É
difícil imaginar que as indústrias vão conseguir a capilaridade do
supermercado, principalmente em lugares fora dos grandes centros. Além disso,
criar uma rede de lojas ou mesmo uma rede de distribuição com o e-commerce é
custoso e elimina os ganhos financeiros da venda direta”, acredita.
Para ele, o consumidor aceita comprar direto da indústria bens de maior
valor, como celulares e carros. Mas acha improvável que ele percorra vários
sites para adquirir um item de baixo custo em cada um. “O marketplace, o
e-commerce do varejo e as lojas físicas continuarão atendendo a maior parte do
volume dessa compra”, avalia o gerente da PwC. Quem concorda é Paulo Ferezin,
sócio-diretor para varejo da KPMG . Ele afirma que as pessoas têm hoje mais meios para
escolher itens de maior valor agregado ao menor preço. “A busca é feita em
clics”, conclui.
Vendas Online em sites de fabricantes
Pesquisa aponta o perfil de compra e quanto movimentam os sites da
indústria*
- 45% das pessoas compram eletros
- 16% itens de perfumaria e cosméticos
- 14% de moda & acessórios
- 10% alimentos e bebidas
- 15% outros
2,5 bilhões de reais quanto movimentou a venda online em
sites de fabricantes em 2018
20% crescimento da receita em relação ao ano anterior
43% taxa de aumento no número de pedidos nesses sites
-16% queda no tíquete médio, o que indica a entrada de mais
fabricantes no e-commerce ao consumidor
Fonte: Ebit/Nielsen * todos os segmentos, inclusive bens duráveis
Marca própria: fidelização e massa de margem
Fidelizar o consumidor é o sonho de qualquer loja, certo? Imagine ter seu
próprio produto como o preferido do cliente, ganhando mais a cada venda. É isso
que tem motivado os supermercados a investir mais nas marcas próprias. Apesar
de não serem novidade, elas vêm mudando seu perfil: não são criadas apenas como
uma opção de preço baixo, mas, sim, para dar uma alternativa de qualidade aos
rótulos mais conhecidos do mercado. “O preço é o diferencial, mas o shopper
evoluiu e se preocupa também com a qualidade. Ele quer ver que aquele produto
de marca própria do supermercado custa menos e ao mesmo tempo entrega uma
qualidade semelhante à do mais caro”, destaca Marco Quintarelli, consultor
especializado em marcas próprias.
Até por essa preocupação, não é mais tão simples lançar um produto próprio.
A seleção de fornecedor, o controle de qualidade e a finalização do produto
tomam bastante tempo do varejista, segundo outro especialista, Antônio Sá, da
Amicci. “Todos querem entrar nesse negócio, mas são as grandes redes que
lideram o esforço. O varejo assume o papel de indústria, e poucos têm condições
de fazer isso se dedicando de forma adequada ao desenvolvimento do produto”,
aponta.
De fato, gigantes como Carrefour e GPA têm apostado forte na estratégia. Em ambas, a
participação está em 12% das vendas totais, e as marcas próprias são
posicionadas com preço em torno de 30% inferior ao das líderes. As duas redes
afirmam que não tiram espaço das marcas mais vendidas para posicionar as suas
próprias. O Carrefour diz que apenas em alguns casos retira marcas de pouca
relevância, enquanto o GPA privilegia ilhas e espaços extras de exposição para
seus produtos.
E, embora a rentabilidade seja maior com as marcas próprias, o que mais move
os investimentos das redes é a fidelização do shopper. “Mais do que a
rentabilidade na categoria, visamos à massa de margem, que melhora conforme o
cliente volta mais vezes à nossa loja e compra nossos produtos”, explica Allan
Gate, diretor comercial de marcas próprias do Carrefour.
GPA Sortimento de marcas exclusivas gira em torno
de 4 mil itens. Entre elas estão Casino e Taeq
GPA
Variedades de marcas exclusivas
O GPA se destaca por contar com várias marcas exclusivas – Casino, Taeq,
Qualitá, Finlandek e Club des Sommeliers. A boa relação custo-benefício, que os
produtos buscam oferecer, se deve sobretudo à negociação comercial em grande
volume. É o que afirma Wilhelm Kauth, diretor de marcas exclusivas da empresa.
“Também há a redução de alguns custos em relação às marcas da indústria, como
logística e marketing, que são eliminados em um processo de marca própria”,
lembra.
12% participação das marcas próprias nas vendas do
Multivarejo (divisão que engloba as bandeiras Extra e Pão de Açúcar)
4 mil itens total de SKUs de marca própria
Carrefour
Qualidade semelhante a de líder
Na companhia, todo o desenvolvimento de produto (que leva de seis a oito
meses) tem como objetivo se assemelhar à líder da categoria, afirma Allan Gate,
diretor comercial de marca própria. “Ficamos com um preço de 20% a 30% abaixo
da primeira colocada, mas miramos qualidade parecida”, conta. Além disso, o
Carrefour observa algumas tendências de consumo em seus produtos, fazendo, por
exemplo, um molho de tomate com menos sódio e açúcar para aqueles consumidores
que se preocupam com a saudabilidade.
30% taxa anual de crescimento de vendas
20% previsão de participação das marcas próprias de
alimentos e bebidas até 2022 – hoje está em 12%
3 mil itens total de itens de marca própria
https://www.savarejo.com.br/detalhe/negocios/varejo-e-industria-invertem-negocios-bom-ou-ruim-para-a-relacao-colaborativa