
It
 is hard to draw a line between admissible and inadmissible 
tax-reduction measures. (...) In light of the angry political mood 
concerning the tax practices of certain multinational groups, drawing 
that dividing line is no easy task for the Court of Justice and not 
every action by any individual to reduce their tax should be open to a 
verdict of abuse.”[1]
(Juliane Kokott, advogada-geral da Corte Europeia de Justiça)
 
Em
 1º de julho de 2018, na sequência do depósito pela Eslovênia do quinto 
instrumento de ratificação, entrará em vigor a Convenção Multilateral, 
destinada a implementar medidas para prevenir a erosão das bases fiscais
 e o deslocamento artificial de lucros (Multilateral Convention to Implement Tax Related Measures to Prevent Base Erosion and Profit Shifting ou,
 simplesmente, MLI), preconizadas pelo Comitê de Assuntos Fiscais da 
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A 
convenção foi assinada há pouco menos de um ano, mais precisamente em 7 
de junho de 2017, em Paris, por 68 países. Atualmente, já são 78 países 
integrantes do MLI, e a tendência é aumentar o número de signatários
[2]. Mais de 1.200 tratados bilaterais já estão alcançados pelas modificações introduzidas pelo MLI.
 
O
 principal objetivo dessa pioneira e ousada convenção multilateral 
é permitir uma atualização imediata e, na maior extensão possível, 
padronizada dos tratados contra a dupla tributação celebrados pelos 
estados contratantes às medidas do projeto Beps
[3], acrônimo de Base Erosion and Profit Shifting, projeto esse que teve início na reunião do G20 de 2013, em São Petesburgo.
 
Com
 efeito, a opção por um instrumento multilateral foi a solução 
encontrada para se evitar a demora que ocorreria caso se deixasse que a 
adoção de referidas medidas dependesse de inúmeras negociações 
bilaterais entre os países, necessárias para atualizar aproximadamente 3
 mil tratados contra a dupla tributação. Na atual economia globalizada, 
em que a velocidade das mudanças é aterradora, caso as soluções fossem 
implementadas bilateralmente, muito provavelmente já estariam obsoletas 
quando entrassem efetivamente em vigor.
O modelo de convenção 
multilateral só se tornou possível em vista da flexibilidade do 
instrumento que permite aos países signatários optarem pela inclusão ou 
não de certas disposições (
opting-in and opting-out mechanisms) e escolherem soluções alternativas (
alternative provisions), além de criar um sistema de notificações recíprocas (
notification system) que lhes permite saberem quais os tratados e respectivas disposições que serão afetados pela convenção multilateral
[4].
 
As principais medidas do Beps abrangidas pela convenção multilateral são: (i) Ação 2 – Neutralização dos efeitos dos 
hybrid mismatches[5];
 (ii) Ação 6 – prevenção de abusos na utilização de tratados; (iii) Ação
 7 – prevenção de mecanismos para evitar a caracterização de 
estabelecimento permanente; e (iv) Ação 14 – introdução de mecanismos 
para tornar mais efetivas as resoluções de conflitos.
 
O aspecto 
inovador do MLI está em que o mesmo não tem a natureza de um mero 
protocolo adicional que introduz modificações pontuais, mas, sim, de um 
tratado autônomo que se sobrepõe aos tratados existentes assinados pelos
 países signatários no que diz respeito às variadas disposições por ele 
introduzidas.
Com exceção dos Estados Unidos, que consideram que o
 projeto Beps visou injustamente atingir as multinacionais 
norte-americanas, todos os países mais desenvolvidos aderiram ao MLI. Na
 Alemanha, por exemplo, os 32 tratados mais relevantes já estão 
abrangidos pelo MLI.
Tal como os Estados Unidos, o Brasil optou 
por não assinar o MLI. Em nosso caso, a principal justificativa dada 
pela administração fiscal foi considerar que o caráter peculiar do 
tratado multilateral poderia gerar discussões alongadas no Congresso, 
retardando a efetiva entrada em vigor das providências em questão. 
Optou-se, por isso, e também ante o número reduzido de tratados contra a
 dupla tributação celebrados pelo Brasil em vigor
[6]
 em comparação com os padrões internacionais, por fazer ajustes 
bilaterais aos tratados já existentes, bem como por introduzir essas 
cláusulas nos novos tratados a serem celebrados.
 
O primeiro 
tratado brasileiro a ser ajustado às novas medidas preconizadas pela 
OCDE no âmbito do Beps foi o com a Argentina. Com efeito, em 24 de julho
 de 2017, foi assinado, na cidade de Mendoza, um protocolo, ainda 
pendente de aprovação pelo Congresso Nacional, que introduziu uma série 
de modificações ao tratado original de 17 de maio de 1980 (Protocolo de 
Mendoza).
Já nos dizeres de seu novo preâmbulo, o tratado não se 
basta com o objetivo de eliminar a dupla tributação, passando a exigir 
que essa eliminação se faça “sem criar oportunidades para a não 
tributação ou tributação reduzida mediante evasão ou elisão fiscal 
(inclusive por meio de acordos para o uso abusivo de convenções cujo 
objetivo seja estender indiretamente, a residentes de terceiros Estados,
 os benefícios previstos nesta Convenção)”.
Como bem anota Ramon Tomazela
[7],
 a mera inserção dessa disposição tem efeitos limitados, tendo em vista 
que ela não exclui os resultados que podem advir da aplicação em 
concreto do tratado. Se a aplicação da disposição convencional em 
combinação com as leis internas resultar em uma situação de dupla não 
tributação, não é possível recusar tal efeito apenas pela invocação do 
preâmbulo para permitir a cobrança de tributo em violação ao tratado.
 
O
 Protocolo de Mendoza também atualizou o conceito de estabelecimento 
permanente, adotando a opção A do artigo 13 do MLI (cfr. artigo 5). 
Trata-se, no entanto, de providência com baixo impacto prático no 
Brasil, tendo em vista a inexistência de definição mais ampla pela lei 
interna de hipóteses de caracterização do conceito, que autorizariam o 
Brasil a tributar os lucros auferidos por aquele estabelecimento como se
 lucros de uma pessoa jurídica nacional fossem. É que, na verdade, a 
política fiscal brasileira tem sido no sentido de gravar as remessas de 
pagamentos ao exterior com o Imposto de Renda na fonte, escusando-se, 
assim, dos ônus de uma apuração sintética do lucro. Tal prática, por 
vezes, se revela incompatível com as restrições ao poder de tributar 
impostas pelos mesmos tratados, especialmente no que diz respeito aos 
pagamentos de serviços sem transferência de tecnologia
[8].
 
Outras
 medidas preconizadas no MLI que foram adotadas pelo protocolo 
consistem: (i) no estabelecimento de um período mínimo de 365 dias de 
detenção da participação societária para aplicação da alíquota reduzida 
em matéria de dividendos; e (ii) na supressão do método da isenção como 
modalidade de eliminação da dupla tributação, agora substituído pelo 
método do crédito para todas as categorias de rendimentos.
Essa 
segunda providência terá efeitos relevantes sobre os investimentos 
brasileiros na Argentina, já que a legislação interna (Lei 12.973/2014) 
prevê a tributação automática no Brasil dos lucros auferidos pelas 
controladas no exterior, considerados disponíveis por ficção legal na 
data da sua apuração e a versão original do tratado não só assegurava 
(como continua a assegurar), em seu artigo VII, que os lucros de uma 
sociedade residente em um determinado estado (Argentina) só podem ser 
tributados naquele mesmo estado, mas também era categórica no sentido de
 que estariam isentos de tributação no Brasil os dividendos provenientes
 da Argentina pagos a uma sociedade residente no Brasil detentora de 
mais de 10% do capital da empresa argentina (artigo XXIII, nº 2).
Dentre
 as medidas do MLI adotadas pelo Protocolo de Mendoza, a que certamente 
causará maior polêmica trata-se da introdução de uma cláusula de 
principal purpose test (PPT), nos termos da qual “(...) um 
benefício da presente Convenção não será concedido em relação a um 
componente de renda ou de capital se for razoável concluir, com base em 
todos os fatos e circunstâncias relevantes, que obter esse benefício 
constituiu um dos objetivos principais de um acordo ou operação que 
tenha resultado, direta ou indiretamente, nesse beneficio, a menos que 
seja demonstrado que a concessão de tal benefício nessas circunstâncias 
estaria de acordo com o objeto e propósito das disposições pertinentes 
da presente Convenção”.
Trata-se, sem dúvida, de disposição que 
causará as maiores controvérsias no Brasil, podendo enfrentar inclusive 
resistências no Congresso Nacional, que tem sido refratário à aprovação 
de normas gerais antielisivas incompatíveis com o princípio da 
legalidade da tributação, rejeitando reiteradamente providências 
legislativas nesse sentido, como a versão original da LC 104/2001, a MP 
66/2002 e a MP 685/2015.
Cláusulas como essa levantam grandes 
debates interpretativos nas jurisdições em que têm sido aplicadas, 
especialmente no âmbito da União Europeia, em que os princípios e 
liberdades nela assegurados são incompatíveis com o extremo grau de 
subjetividade que uma cláusula dessa natureza confere à administração 
fiscal na aplicação do tratado.
Não é por outra razão que na epígrafe desta coluna citamos pronunciamento da advogada-geral da Corte Europeia de Justiça
[9]
 em processo versando sobre a possibilidade de um Estado-membro 
(Dinamarca) pretender recusar a aplicação das diretivas que isentam de 
tributação na fonte o pagamento de juros e dividendos a pessoa jurídica 
residente em outro Estado-membro (Luxemburgo), por considerá-la não ser o
 beneficiário efetivo do rendimento, valendo-se, para o efeito, de 
princípios interpretativos mais restritivos desse conceito, recentemente
 propostos pela OCDE, em colisão com aqueles adotados na legislação 
europeia. Nas palavras da advogada-geral, a admissão dessa nova 
interpretação restritiva significaria dar às administrações fiscais dos 
países-membros da OCDE o poder de dizer como se devem interpretar as 
diretivas europeias.
 
A partir do momento em que se aceita deixar 
nas mãos da administração fiscal o poder de recusar a aplicação de 
benefícios para certos contribuintes, “por se considerar razoável 
concluir que tenha tido como um dos principais objetivos obter um 
benefício outorgado pela convenção”, estará o particular completamente 
exposto à subjetividade do aplicador da lei. Não pode haver maior abalo à
 segurança jurídica dos particulares a outorga à administração de um 
poder de ler a psique dos indivíduos a ponto de saber quais são seus 
motivos e objetivos.
A solução preconizada pelo MLI para a 
resolução de conflitos dessa natureza entre Estados contratantes passa 
pela adoção obrigatória da arbitragem tributária (artigos 18 a 26), 
justamente para evitar que as medidas do Beps não acabem por promover a 
dupla tributação, que os tratados justamente visam evitar. O Brasil, tal
 como alguns outros estados, ainda resiste em aceitar a arbitragem como 
modalidade de resolução de conflitos tributários, bastando-se com o 
procedimento amigável (mutual agreement procedure – MAP), recentemente regulado pela Instrução Normativa RFB 1.669/2016.
Muito
 embora o Brasil não seja signatário do MLI, as novidades trazidas por 
esse instrumento já nos afetam diretamente, seja pelo emprego de alguma 
de suas cláusulas em protocolos bilaterais, como foi o caso da 
Argentina, seja pela sua adoção em novos tratados, como os recentemente 
assinados com a Suíça, em 3 de maio, e com Singapura, em 7 de maio, que 
serão objeto de análise mais detalhada nas próximas colunas.
Há, 
pois, uma nova fronteira a ser desbravada no domínio da tributação 
internacional, e os profissionais do Direito Tributário no Brasil devem 
estar cada vez mais atentos e atualizados para poder saber aplicar essas
 novas regras e conceitos com a melhor técnica jurídica, sempre 
observando a primazia das garantias conferidas aos contribuintes pela 
nossa Constituição.
[1] “É
 difícil traçar a linha divisória entre as medidas de redução de tributo
 admissíveis e as inadmissíveis. Em vista de um raivoso clima de 
descontentamento politico com as práticas adotadas por certas 
multinacionais, traçar essa linha divisória tornou-se uma difícil tarefa
 para a Corte de Justiça e não é qualquer medida adotada por um 
individuo para reduzir tributos que pode receber o veredito de 
abusiva” (tradução livre).
[2] www.oecd.org/tax/treaties/beps-mli-signatories-and-parties.pdf
[3] O
 Beps consiste em um conjunto de medidas propostas pelo Comitê de 
Assuntos Fiscais da OCDE com vistas a coibir a adoção de certas condutas
 por parte das empresas multinacionais que resultem em perdas de 
arrecadação fiscal. Tais práticas consistiam, em apertada síntese, (i) 
na localização em países de menor tributação da titularidade jurídica de
 certas receitas ou ganhos de capital, sem que em tal jurisdição 
houvesse necessariamente uma estrutura física e humana adequada à 
execução da atividade empresarial no local de seu domicilio (
profit shifting);
 e (ii) na obtenção de deduções fiscais em uma jurisdição que não 
correspondem necessariamente a receitas tributáveis na outra jurisdição (
base erosion).
[4] http://www.oecd.org/tax/treaties/mli-database-matrix-options-and-reservations.htm
[5]
 Trata-se de expressão de difícil tradução para o português. O conceito 
abrange situações em que o tratamento tributário conferido por um Estado
 a determinado rendimento ou a pessoa, combinado com o tratamento 
conferido pelo outro Estado, gera oportunidades de economia fiscal. Como
 bem elucidado por Gerard Everaert em sua dissertação de mestrado 
apresentada em 31 de março de 2014 na Universidade Católica de Lisboa, 
intitulada 
Dedução/não inclusão com hybrid mismatches: Game over?:
 “Grosso modo, trata-se da obtenção de uma situação de vantagem (por 
exemplo a dupla não tributação) resultante do aproveitamento das 
diferenças de tratamento tributário de certos instrumentos, entidades ou
 operações situadas em dois ou mais Estados. É importante realçar, desde
 já, que por regra, tal vantagem resulta de uma descoordenação entre 
jurisdições e não de um comportamento fraudulento ou elisivo por parte 
do sujeito. Para além do óbvio impacto nas receitas tributárias, os 
hybrid mismatches despoletam alguns dos mais interessantes debates na 
discussão tributária internacional. Será legítimo aos sujeitos passivos o
 aproveitamento dos casos de descoordenação entre dois ou mais sistemas 
tributários? 13. Será possível reagir contra estes comportamentos no 
quadro dos dispositivos existentes ou é necessária a introdução de novos
 mecanismos ao nível internacional? Existe algum princípio ou regra, ao 
nível internacional que proíba a exploração destes casos de mismatch? Se
 sim, a quem compete a resolução dos problemas: ao Estado da fonte? Ao 
Estado da residência? A um terceiro Estado?” (
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17678/1/TESE%20VF.pdf)
[6] Estão atualmente em vigor 34 tratados contra a dupla tributação.
[7] http://kluwertaxblog.com/2017/09/05/brazils-absence-multilateral-beps-convention-new-amending-protocol-signed-brazil-argentina.
[8] Cfr. 
O Leading case
 sobre a matéria no Superior Tribunal de Justiça (
https://www.conjur.com.br/dl/acordao-bitributacao-copesul.pdf).
[9] http://www.internationaltaxplaza.info/homepage/news-archive/news-archive-2018/news-archive-march-2018/4369-the-opinion-of-the-ag-in-case-c-115-16-n-luxembourg-1.html 
 
 
https://www.conjur.com.br/2018-mai-16/consultor-tributario-convencao-multilateral-ocde-protocolo-mendoza