Waldir Raupp, da Refinaria Alberto Pasqualini, diz ser mito a
crença de que o aumento da produção de biocombustíveis oneraria o
preço dos alimentos e empobreceria a populaçãoPor Pedro Pereira
Ao
contrário do que sugerem os países de primeiro mundo, o aumento na
produção de biocombustíveis não onera o custo dos alimentos –
fenômeno que empobreceria a população dos países subdesenvolvidos. Quem
garante é Waldir Raupp, gerente de suporte operacional da Refinaria
Alberto Pasqualini/Petrobras. Segundo ele, os países que derem um passo à
frente na produção de biocombustíveis neste momento estarão em vantagem
nos próximos 20 ou 30 anos, quando o petróleo começará a ficar mais
escasso.

O
raciocínio de Raupp se opõe frontalmente ao de críticos europeus e
norte-americanos para os quais o uso de lavoura para gerar energia
tornará alimentos mais caros e inacessíveis às populações. “Se eu
começo a ocupar a área [dos países de terceiro mundo] com biotecnologia,
à medida em que a demanda de alimentos aumenta, sobem os preços e
cresce a geração de riquezas. Mesmo com pressão nos preços, haverá
transferência de riqueza dos industrializados para os produtores
primários, distribuindo renda pelo planeta”, contesta Raupp.
Atualmente,
o ranking mundial de produção de biodiesel é encabeçado pelos Estados
Unidos. Em segundo lugar está a Argentina – “o que muita gente não
sabe”, ressalta Raupp. Divididos entre o terceiro e o quarto lugar, com
números praticamente iguais, figuram Brasil e Alemanha. “Se eu voltar
(no tempo) uns quatro ou cinco anos, os Estados Unidos estavam
engatinhando. Eles tem um programa acelerado de biocombustíveis, em
especial biodiesel. Perceberam que é uma forma de minimizar os riscos”,
observa.
Embora figure como maior produtor mundial de biodiesel,
os Estados Unidos ainda são responsáveis apenas por cerca de 3% do que
consomem. “Mas isso vai crescer. Os gráficos mostram crescimento
exponencial nos próximos 20 anos. Até 2030 deve ser um percentual bem
significativo”, aposta Raupp.
Ele explica que até algum tempo
atrás os derivados do petróleo ainda eram muito mais baratos, o que
desestimulava preocupações com a busca de um combustível alternativo.
Mas o aumento do preço do petróleo tornou os biocombustíveis mais
competitivos – e atraentes estrategicamente, na medida em que reduzem o
risco de dependência externa.
Geopolítica dos biocombustíveisUm
termo bastante empregado no setor petrolífero desde os anos 1970, a
“geopolítica” vem sendo mencionada por Raupp para esclarecer como a
utilização não apenas do fóssil, mas também dos novos combustíveis, pode
alterar o cenário político global. “A necessidade não coincide com a
localização do produto. Então a política aparece para resolver isso”,
explica.
Enquanto as maiores reservas de petróleo estão, pela
ordem, na Arábia Saudita, na Venezuela, no Irã e no Iraque, o Brasil
figura no 15° lugar, ainda sem contabilizar as reservas do pré-sal. Com a
produção do que foi encontrado nesta camada, há a possibilidade de que o
Brasil salte algumas posições na lista. Por outro lado, os maiores
dependentes são Estados Unidos, China, Japão, Índia e Alemanha. Embora a
China já utilize combustíveis em patamar semelhante ao dos Estados
Unidos, especificamente em petróleo fica bem atrás, pois sua indústria
gera bastante energia à base de carvão. “Existe toda uma lógica de
países que possuem e querem negar acesso e países que estão
dependentes”, conta Raupp.
Nos próximos anos, além da escassez de
petróleo, outros fatores devem contribuir para a alteração desse
quadro. O principal deles é o crescimento populacional: até 2050, a
Índia deve ultrapassar a China em número de habitantes, o que elevará a
demanda de energia total nesses países. Porém, a China ainda será o
maior consumidor geral, já que a renda per capita continuará crescendo
mais em função da alta industrialização.
Autossuficiência brasileiraDepois
da onda de otimismo gerada pelo superávit de petróleo no Brasil em 2008
e 2009, o consumo no país disparou e a velocidade de reposição não foi
tão grande. Por isso, a condição de país autossuficiente se desfez – mas
a estimativa é que seja retomada já em 2014.
“É importante
entender que [a velocidade de produção] estabilizou porque praticamente
toda a parte de águas profundas já estava explorada. A velocidade não
foi grande e isso dá a impressão de que não vamos mais aumentar a
produção”, lamenta Raupp. Mas ele se apressa em explicar que, com a
chegada do pré-sal, haverá um período de quatro ou cinco anos de ajustes
no processo e que, em seguida, haverá uma nova aceleração na produção.
“Há
cerca de três anos, a Petrobras via um pouco diferente. Como ainda não
se tinha certeza do pré-sal, a companhia queria crescer muito mais em
biocombustíveis. Queria ocupar esse espaço em nível mundial. Com a
descoberta do pré-sal, repensou a velocidade das coisas. Mas o
biocombustível continua muito importante”, sustenta.
Raupp também
falou sobre a autossuficiência em derivados do petróleo, algo que o
Brasil deve alcançar somente por volta de 2020. Acontece que o petróleo
não se encaixa, necessariamente, em todas as matrizes de refino:
enquanto algumas propriedades podem ser processadas em uma refinaria,
outras não. Para ajustar isso, os países realizam importação e
exportação do produto.
Isso aconteceu no Brasil. Logo que se
capacitou à extração em águas profundas, o petróleo era muito pesado e
as refinarias não estavam preparadas. Então houve investimento
generalizado para processar o petróleo brasileiro e isso praticamente se
equilibrou. Agora, com o pré-sal, o processo deve se repetir – e com
grandes dificuldades, novamente.
“No Brasil não tem nada fácil”,
brinca Raupp. “O petróleo brasileiro, além de ser encontrado em locais
de difícil acesso, como águas ultraprofundas e a camada pré-sal, em
grande parte não é de qualidade tão boa. Isso não significa que não seja
lucrativo - continua sendo e muito. Mas o esforço é enorme: o tempo
inteiro é preciso desenvolver tecnologia porque não existia para águas
ultraprofundas e agora, para o pré-sal, também”, revela.
Questionado
sobre a possibilidade de essa tecnologia ser exportada para outros
países que venham a descobrir petróleo em suas camadas mais profundas, a
exemplo do Brasil, Raupp explique que é possível, mas difícil. “A costa
oeste da África tem o mesmo perfil geológico, até por ter sido tudo uma
coisa só antigamente, mas a perspectiva de se descobrir [petróleo em
águas ultraprofundas] em outros países não é muito boa”, acredita.
O
sul ocupa a segunda posição entre as regiões que mais produzem
biodiesel no Brasil, atrás apenas do centro-oeste e com bastante
vantagem em relação ao sudeste, terceiro colocado. Em contrapartida, o
sudeste produz muito mais álcool. “Não tenho o número exato do sul, mas
no Rio Grande do Sul há um investimento pesado em biodiesel”, garante
Raupp.
Waldir Raupp também é professor do curso de pós-graduação
em engenharia de automação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Nesta segunda-feira, ele palestrou sobre a “Geopolítica de
combustíveis” no jantar-debate semanal do Instituto de Estudos
Empresariais (IEE), em Porto Alegre.