segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Está mais difícil para marcas manterem a liderança


Em 2003, eram 69 as marcas que lideravam as vendas em suas categorias por dez anos consecutivos; em 2012, as líderes por uma década foram apenas 28 marcas

Márcia De Chiara, do
Divulgação/Nestlé
Latas antigas de Nescafé, da NEstlé
Latas antigas de Nescafé, da Nestlé: a marca de café solúvel foi uma das sete líderes ao mesmo tempo em todas as regiões do país por uma década inteira

São Paulo - O número de marcas líderes no País caiu drasticamente nos últimos dez anos. Em 2003, eram 69 as marcas de bebidas, alimentos industrializados e artigos de higiene e limpeza que lideravam as vendas em suas categorias por dez anos consecutivos. No ano passado, as líderes por uma década foram apenas 28 marcas. A redução é de 59%, de acordo uma pesquisa da Kantar WorldPanel.

"Ficou mais difícil se manter na liderança", afirma a diretora comercial da empresa de pesquisa, Christine Pereira. Para chegar a esse número, são visitados semanalmente 8,2 mil domicílios espalhados pelo país e coletados os tíquetes de compra, onde constam as marcas dos produtos adquiridos.

Na avaliação de Christine, as marcas estão com mais dificuldade de permanecer na liderança por causa do grande número de lançamentos. Além disso, com a ascensão social de boa parte da população brasileira, o consumidor ampliou a renda, teve acesso a novas categorias de produtos e ficou mais exigente na relação entre o custo e o benefício.

"Marca que não inova não se sustenta", diz Christine, destacando que o segredo para se manter na liderança por muito tempo é aliar a tradição da marca com inovação.

Das 28 marcas líderes apontadas pela pesquisa em 2012, apenas 7 foram líderes ao mesmo tempo em todas as regiões do País por uma década inteira. Nessa lista estão o adoçante líquido Zero Cal, a aveia Quaker, o multiuso Veja, o café solúvel Nescafé, o detergente líquido Ypê, o sapólio Radium e o detergente em pó Omo.

Para Marcos Scaldelai, presidente da Bombril, dona da marca cinquentenária de saponáceo Radium, o fator mais importante para sustentar a liderança é a tradição. Mas ele pondera que a inovação também conta.

Tanto é que a empresa evoluiu em várias frentes do produto, desde a forma (pedra, pó e gel) até a embalagem, incluindo também os perfumes. "Sapólio Radium é um limpador poderoso e o desafio é torná-lo conhecido do consumidor jovem", diz o presidente.

O produto respondeu por 8% do faturamento da Bombril, que atingiu R$ 1,3 bilhão no ano passado. Cerca de 15% da verba de marketing da empresa, de R$ 70 milhões, é destinada à inovação dos produtos em geral.

"Mudamos a forma de lavar roupa", observa Paula Lopes, gerente de marketing do Omo, da Unilever. Ela ressalta que a liderança do produto está baseada em três pilares: o vínculo com as consumidoras, a tradição e, principalmente, a inovação.

Quando vale a pena largar a carreira por uma microfranquia


Encontrar um negócio com potencial de retorno e baixo investimento é o sonho de muitas pessoas que querem empreender

Editado por Priscila Zuini, de
Montagem/VOCÊ S/A
Garoto com cara de dúvida
 
Quando vale a pena largar a carreira por uma microfranquia
Escrito por Adir Ribeiro, especialista em franquias



Além do capital inicial menor em relação às franquias tradicionais, as microfranquias geralmente demandam uma estrutura menor, tanto física como em termos de mão de obra especializada. Em alguns casos não há necessidade de se ter um ponto comercial em local de grande destaque e visível, e o franqueado pode trabalhar na sua própria residência do ou cliente.

As propostas podem parecer bastante tentadoras, mas antes de investir em uma microfranquia, é necessário pesquisar sobre o negócio em si, sobre a empresa franqueadora que está oferecendo a franquia, o histórico da empresa e o grau de satisfação dos franqueados em relação ao negócio.

É fundamental também realizar análises de potenciais riscos, entender mais sobre o mercado, realizar uma autoavaliação sincera e estruturada, e o principal, identificar-se com o modelo de negócio proposto.

Mesmo em franquias (micro ou não) a atuação do empresário será fundamental para a construção do sucesso do negócio, que contará com o apoio da empresa franqueadora em termos de suporte, de uma marca mais consolidada no mercado e de um pacote de serviços aos franqueados que ajude na gestão e operação do negócio. Porém, o esforço a ser aplicado será do tamanho da ambição desse potencial investidor, porque a empresa tem, de fato, a “pegada” do seu dono.

Conhecer-se bem e saber de suas próprias deficiências, sua capacidade de investimento, sua aptidão comercial para prospectar clientes, além de avaliar até que ponto vai contar com o apoio da franqueadora e, principalmente, ter uma avaliação financeira bem feita, envolvendo o total do investimento inicial, o prazo de retorno estimado, a sua sobrevivência no período em que o negócio não terá atingido ainda o ponto de equilíbrio financeiro são alguns dos itens que o empreendedor deverá ter me mente e em foco de atuação no negócio.

Iniciar um negócio com uma marca já conhecida e respeitada é menos inseguro do que começar do zero num negócio independente, que não faça parte de uma rede de negócios. E o tempo médio de retorno do investimento na microfranquia está em média entre 18 e 24 meses, segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), contra uma média de 36 meses nos modelos tradicionais. Sempre lembrando que são estimativas de taxas de retorno e que as mesmas podem variar de acordo com uma série de aspectos.

Portanto, deixar a sua carreira para investir numa microfranquia é uma decisão bastante importante que deve avaliar todos estes itens. Novamente, não há sucesso garantido em nenhum negócio, muito menos em franquias ou microfranquias, por isso é importante que o empreendedor tenha consciência de todos esses aspectos na sua decisão.

O sucesso exigirá muito planejamento e a escolha do ramo de atividade precisa ser criteriosa. Trabalhar menos nem sempre é uma realidade, adquirir uma microfranquia é de certa forma adquirir um emprego (ou ter um trabalho a realizar), e... trabalhar dá trabalho! Então sucesso na escolha e mãos à obra!
Adir Ribeiro é especialista em franquias, varejo e educação corporativa e fundador da Praxis Business Envie suas dúvidas com a palavra franquias no assunto da mensagem para examecanalpme@abril.com.br

A legendária universidade corportiva da GE se instala no Rio


Em entrevista exclusiva, a responsável pela expansão global de Crotonville, a lendária universidade corporativa da GE, fala sobre sua lógica meritocrática e a abertura da primeira unidade brasileira, em abril de 2014

Alexandre Battibugli/EXAME.com
Heather Wang, da GE

Heather Wang, da GE: 250 milhões de dólares no centro de pesquisa e formação de gente no Brasil

São Paulo - Em mais de um século de história, a americana General Electric formou todos os seus 12 presidentes dentro da companhia. Desde 1956, Crotonville, a primeira e mais copiada universidade corporativa do mundo, é parte obrigatória dessa formação. Do lendário Jack Welch ao atual presidente, Jeff Immelt, todos passaram por lá como alunos e, depois, como professores.

Até hoje é possível ver Immelt em suas salas de aula, a cerca de 60 quilômetros da cidade de Nova York. A expansão global do modelo começou em 2000, com a abertura da unidade indiana. Nos anos seguintes, surgiram as filiais da Alemanha e da China. Todas funcionam sob os mesmos princípios da meritocracia — para os alunos e também para os professores, que em boa parte são os próprios executivos da empresa.

Em abril de 2014, será inaugurada a versão do Brasil, onde a empresa faturou 3,3 bilhões de dólares em 2012. Chamada de Crotonville Rio, será erguida ao lado de seu primeiro centro de pesquisa no país, no Rio de Janeiro, num investimento de 250 milhões de dólares. Os preparativos já começaram.

Em fevereiro, os primeiros executivos locais foram selecionados para compor o time de professores. Os alunos serão escolhidos até janeiro. Nos dois casos, só entram os melhores, segundo a sino-americana Heather Wang, vice-presidente de RH para as operações internacionais da GE e responsável pela expansão de Crotonville. Em passagem pelo Brasil, ela falou a EXAME. 

EXAME - Por que o Brasil entrou no mapa de expansão de Crotonville?

Heather Wang - Hoje, cerca de 60% de nossos 305 000 funcionários estão fora dos Estados Unidos. Não é possível mandar todo mundo para Nova York. Por isso, em 2000, começamos a abrir centros de treinamento em outros países. E privilegiamos regiões com forte expansão, como a Índia, a China e também o Brasil, onde crescemos mais de 50% nos últimos três anos.

Para alimentar esse crescimento, precisamos de gente. Só no novo centro de inovação no Rio de Janeiro, teremos 400 novos pesquisadores de alto nível. 

EXAME - Qual é a dificuldade de replicar o modelo em outros países?

Heather Wang - É equilibrar o conteúdo adaptado à realidade local com o que será exatamente igual ao que temos nos Estados Unidos. No último grupo estão as disciplinas que tratam de nosso jeito de contratar, promover ou operar com eficiência. No caso do conteúdo local, há sobretudo assuntos técnicos relacionados aos negócios que mais crescem em cada país. 

Cada nova unidade tem uma vocação específica. Na China, onde formamos mais de 5 000 alunos por ano, centramos a atenção no desenvolvimento de tecnologias na área de saúde. No Brasil, teremos um centro de pesquisa especializado em novas tecnologias para exploração de óleo e gás ao lado de Crotonville Rio. Portanto, essa será a ênfase do conteúdo local. Os clientes, como a Petrobras, poderão fazer parte dos treinamentos.

EXAME - E qual será o papel de Crotonville Rio para a GE mundial?

Heather Wang - O centro no Rio de Janeiro servirá como base de treinamento para toda a América Latina. Entre os professores haverá não apenas brasileiros mas também de vários países da América Latina. Ao mesmo tempo, a unidade servirá de referência em tecnologia voltada para a exploração de petróleo para todas as operações da GE no mundo.

Fazer com que nossos executivos circulem por diversos países é cada vez mais frequente. Recentemente levamos um grupo da sede para passar uma semana em Angola, na África. As oportunidades estão por toda parte, e é preciso estar perto delas. 

EXAME - Por onde vocês começaram a organizar a montagem da unidade brasileira?

Heather Wang - Depois de definir a vocação da unidade, começamos a estruturar os cursos locais. Teremos 85 cursos, com duração que varia de um dia a dois anos, para uma turma de 1 600 alunos no primeiro ano. Cerca de 70% do conteúdo das aulas será traduzido do original em inglês — o restante será produzido localmente, para a realidade do país. Até o fim do ano, todo o material didático estará pronto.

Em paralelo, definimos os professores, que, na GE, são os próprios executivos. E o exemplo vem de cima. Jeff Immelt dá aulas em Crotonville, nos Estados Unidos. Altos executivos deixam suas atividades para passar uma semana na unidade americana, seja para ensinar, seja para aprender.

Em fevereiro, identificamos 25 executivos locais como instrutores em potencial de Crotonville Rio. Desses, escolhemos 15, que já estão sendo treinados. Além deles, teremos cerca de dez instrutores externos, de consultorias parceiras ou universidades locais. 

EXAME - Por que a maioria dos professores são os próprios executivos da GE?

Heather Wang - É uma maneira de manter a conexão entre a vida real da empresa e o que se discute nos treinamentos. Também permite que nossos melhores executivos transmitam conhecimento para o maior número possível de pessoas.

Na medida em que é um compromisso que começa com os principais executivos da empresa, que passam uma semana inteira ao lado dos alunos em Crotonville, todos percebem que é algo levado muito a sério. 

EXAME - Como transformar bons executivos em bons professores?

Heather Wang - Primeiro, identificamos os melhores na especialidade que queremos ensinar. Pode ser alguém que contrata muito bem ou é um ótimo vendedor. Mas não basta colocá-los na frente de uma sala para falar qualquer coisa. Treinamos e certificamos esses profissionais para dar aula.

Eles adquirem noções de didática. Depois, medimos a avaliação dos alunos. Quem não se dá bem deixa de dar treinamento. Só ficam os melhores também na sala de aula. 

EXAME - E como são escolhidos os alunos?

Heather Wang - Por mérito. Vamos escolher os alunos até o início de 2014, de acordo com o resultado que eles tiverem apresentado neste ano. Queremos acelerar a carreira dos melhores. 

EXAME - Crotonville surgiu há mais de 50 anos. Como manter o conteúdo atualizado?

Heather Wang - O currículo muda o tempo todo. E para isso usamos a própria informação que vem das salas de aula. Há dois anos, percebemos que muitos participantes diziam que a empresa era muito burocrática. Iniciamos um programa de simplificação da companhia, e o tema virou uma disciplina.

Trouxemos executivos que simplificaram processos para multiplicar o conhecimento. Crotonville serve tanto para captar necessidades de mudança como para amplificar o impacto dessa mudança. 

EXAME - E houve alteração no modelo de ensino?

Heather Wang - Nos últimos cinco anos, passamos a ter menos salas no formato de auditório e mais espaços abertos, que permitem que os alunos se organizem em grupos para discussões práticas. Queremos reduzir a teoria ao mínimo. Hoje, fazemos até alguns treinamentos em sessões de culinária.

Percebemos que mudar o ambiente de algo formal para algo mais divertido ou interativo pode ser mais eficiente. Também temos menos papel. Num encontro recente, distribuímos tablets para os participantes com o conteúdo das aulas, em vez do material impresso. 

EXAME - A GE investe cerca de 1 bilhão de dólares em formação de pessoas por ano. Dá para calcular o retorno desse investimento?

Heather Wang - Sim. Para isso, medimos as taxas de promoção e rotatividade. Se quem passou pelo curso cresceu na companhia, fizemos nosso trabalho. Na China, notamos esse efeito. A rotatividade baixou de 13% para 7% por ano com o centro de treinamento local. Esperamos manter a atratividade para o novo time de especialistas no Rio de Janeiro.

domingo, 6 de outubro de 2013

Brasil rumo à elite do petróleo mundial



Ramona Ordoñez (Email)
Bruno Rosa (Email)


RIO — Quarenta e três bilhões de barris de petróleo. Em outubro de 1973, há 40 anos, nem o mais otimista dos cenários poderia prever que o Brasil, então fortemente afetado pelo primeiro choque do petróleo, “escondia” em seu território reservas tão volumosas, capazes de alçar o país ao décimo lugar no ranking mundial da commodity. Naquela época não se falava em pré-sal. O assunto nas manchetes dos jornais era a guerra no Oriente Médio, que levaria à decisão dos principais países produtores de nacionalizar suas riquezas, até então exploradas por petrolíferas americanas. Em poucos dias, o preço do barril saltou de US$ 3 para US$ 11, a valores da época. A venda aos Estados Unidos foi embargada. O Brasil também sentiu o baque do controle da oferta e a alta de preços. Dependente das importações para o consumo de combustíveis, começou a trilhar o caminho da crise, com a moratória da dívida externa nos anos 1980.
Embora o preço do petróleo continue sensível às guerras do Oriente Médio e o Brasil enfrente desafios para viabilizar a riqueza do pré-sal, a perspectiva do país hoje é outra. Somos o 15º país na elite mundial do produto, com 15,7 bilhões de barris em reservas provadas. Com o pré-sal na Bacia de Santos, são mais 15,4 bilhões de barris. E Libra, que vai a leilão no dia 21, tem até 12 bilhões de barris. Esse volume adicional, de 27,4 bilhões de barris, são os degraus para o décimo lugar no ranking — com o país atingindo 43,1 bilhões de barris em reservas, nível próximo ao de nações da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) como Nigéria (37 bilhões) e Líbia (48 bilhões).

Em valores, o óleo do pré-sal da Bacia de Santos representa uma riqueza de US$ 2,7 trilhões. Mas, como esse petróleo será produzido ao longo de 20 ou 30 anos, e não de uma só vez, equivale a US$ 540 bilhões ou R$ 1,2 trilhão a valores presentes, segundo cálculo de especialistas.


Preço de 1973 é metade da cotação atual


Há 40 anos, depois do choque — tema da série de reportagens que O GLOBO inicia hoje — esse cenário positivo era impensável. Em 1973, os países industrializados e em desenvolvimento experimentavam forte crescimento graças a um petróleo barato (US$ 2 a US$ 3 por barril). Mas em 16 de outubro daquele ano, dez dias após o início da guerra do Yom Kippur, os países do Oriente Médio, reunidos na Opep, decidiram dar as cartas e retirar o poder das petroleiras americanas que comandavam o mercado. Em só um dia, o preço do barril subiu 70%: de US$ 3 (ou US$ 17 a valores de hoje) para mais de US$ 5. Em dezembro, atingiu quase US$ 11 — cerca de US$ 50 a valores atuais, metade da cotação da última sexta-feira. A alta seria como, se hoje, a média pulasse de US$ 115 (setembro) para US$ 414 em dois meses. Um caos.

O susto pegou o Brasil embalado, crescendo mais de 10% ao ano, em meio às grandes obras do “milagre econômico”, em plena ditadura militar. Mas o país era vulnerável, dependente das importações de petróleo. A Petrobras produzia 170 mil barris/dia e importava 80% de suas necessidades. Para manter o crescimento acelerado e arcar com as importações, o governo optou por financiamento externo. De 1973 a 1979, o endividamento externo subiu de US$ 12,5 bilhões a US$ 49,9 bilhões. Com o segundo choque, em 1979, o preço do barril pulou, em valores da época, de US$ 14, em média, para US$ 31. Esses US$ 31 equivalem hoje a US$ 100, que é justamente o patamar atual do barril.

— O primeiro choque pegou todo mundo de surpresa. Os mercados não anteciparam isso. O fator surpresa foi decisivo. Mas a economia estava num voo alto, de cruzeiro. Já o segundo choque pegou menos de surpresa, mas éramos mais vulneráveis, com a economia em desaceleração, e o país endividado — disse Carlos Langoni, que era diretor da Escola de Pós-Graduação e Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em 1973 e presidente do Banco Central entre 1980 e 1983.

Com o primeiro choque, a inflação disparou. No mundo, pulou de 7,8% para 13,4% entre 1973 e 1974. No Brasil, passou de 15,5% para 34,5%, e a situação se tornou insustentável após os EUA elevarem suas taxas de juros para segurar a inflação, o que acabou atraindo capitais de todo o mundo. Em 1982, o Brasil pediu moratória.

— Não houve racionamento no Brasil. Insistimos em manter o crescimento, com endividamento, até que a economia não aguentou e deu sinais de que o modelo era insustentável. Em 1980, foi o último ano de crescimento alto, de 9% — recorda-se Langoni

Sem a perspectiva de os preços do petróleo voltarem ao patamar anterior do primeiro choque, o mundo passou a buscar outras fontes de energia e a explorar novas áreas de petróleo, até então economicamente inviáveis. Foi aí que se iniciou o desenvolvimento de campos na Rússia, no Alasca, no Mar do Norte e no Golfo do México. Ao mesmo tempo, a indústria automobilística começou a desenvolver carros que consumiam menos combustível. No Brasil, a Petrobras apostou no mar: a Bacia de Campos (RJ e ES), hoje a maior produtora do país, foi descoberta em 1977. E o governo criou o Programa Nacional do Álcool (Pro-Álcool), o primeiro no mundo que visava a substituir a gasolina por etanol.

— Com o choque, os países foram investindo em outras fontes de energia. O carvão passou a ser usado para gerar energia elétrica. Todo o mundo buscou estimular a energia nuclear, foi uma coqueluche mundial. O Brasil também investiu em programa nuclear, mas não foi bem sucedido. Entre os bons resultados, está o início da exploração no mar e os investimentos em álcool. Foi nessa época que a Coppe e a Petrobras começaram a trabalhar em conjunto para desenvolver as primeiras plataformas no mar. Eram estruturas de 500 metros a mil metros de profundidade — afirma Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ.


Conflito sírio: OPEP mais fraca reduz efeitos


Atualmente, o preço do petróleo está novamente pressionado. O barril subiu cerca de 15% este ano, e o Oriente Médio é mais uma vez o epicentro da alta, desta vez por causa de conflitos na Síria. Apesar da variação, especialistas não esperam um novo choque a curto prazo. Segundo eles, agora a oscilação de preços é causada por questões geopolíticas e não está ligada à restrição da oferta do petróleo, como ocorreu em 1973 e 1979. Além disso, o mundo não é mais tão dependente dessa região como foi no passado, quando Estados Unidos e Europa tiveram de adotar racionamento de combustíveis. A rainha Juliana, da Holanda, por exemplo, aderiu à bicicleta. O cartel representava 51,1% da produção total no mundo, que era de 58,5 milhões de barris por dia.

Hoje, o mundo vive uma situação inversa, com o aumento da oferta de petróleo de área fora do Oriente Médio: as areias betuminosas do Canadá, o tight oil (petróleo não convencional de rochas) e o shale gas (gás não convencional) dos EUA, o pré-sal do Brasil, entre outros. A Opep perdeu espaço econômico e força política. Representa hoje 43% da produção mundial, de 86 milhões de barris por dia.

— No primeiro choque, os países da Opep viram a importância política do produto. Subiram o preço até a recessão reduzir a demanda. Aprendemos que o mundo vive em crise. Achávamos que a depressão dos anos 30 era a última, até que em 2008 caímos no buraco — diz Ernane Galvêas, presidente do BC de 1968 e 1974 e, depois, entre 1979 e 1980, quando assumiu a Fazenda, até 1985.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/brasil-rumo-elite-do-petroleo-mundial-10268238#ixzz2gziAXmob
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Suíça investiga manipulação no câmbio

Por Jamil Chade

Bancos internacionais estariam manipulando de forma coordenada a taxa de câmbio de moedas pelo mundo, num novo escândalo que atinge o setor financeiro. As autoridades suíças anunciaram que abriram investigação em relação às suspeitas de que grandes instituições financeiras mundiais estariam se colocando em acordo sobre a taxa cobrada para cada moeda estrangeira, influenciando também os valores das moedas de países emergentes, como o real. 
 
Por dia, os grandes bancos vendem e compram trilhões no mercado de câmbio. A suspeita agora, porém, é de que os valores desses contratos e dessas moedas não flutuam livremente, mas seriam fixados pelos bancos em pelo menos dois momentos do dia.

Segundo as autoridades financeiras da Suíça, país que concentra um dos maiores polos de bancos do mundo, "múltiplas instituições pelo mundo" estariam implicadas no novo escândalo. Há um ano, os bancos já foram pegos manipulando a Libor - taxa do mercado financeiro de Londres e uma das principais referências de juros no mundo -, o que resultou em condenações afetando Barclays, UBS e vários outros bancos.

Por causa dessa fraude, o banco suíço UBS recebeu uma multa de US$ 1,5 bilhão e o britânico Barclays foi multado em US$ 450 milhões.

Os suíços indicaram que a investigação não está ocorrendo apenas no país e que governos de várias partes do mundo estão colaborando. Por enquanto, os investigadores não revelam nem os nomes do bancos afetados nem os países. Bancos como o UBS e o Credit Suisse se recusaram a comentar o caso e se fazem parte da investigação.

Em junho, autoridades britânicas já haviam indicado que estavam preocupadas diante de suspeitas de que funcionários de bancos estariam trocando informações entre eles e usando até mesmo ordens de clientes de compra e venda de moedas estrangeiras para manipular a taxa base do mercado de câmbio.

Oficialmente, as taxas de câmbio são estipuladas a cada dia por meio de uma análise em momentos predeterminados do dia dos volumes de negócios envolvendo os maiores bancos do mundo.

A suspeita recebida pelas autoridades é de que operadores (traders) de bancos estariam se coordenando não apenas para trocar informação, mas para atuar justamente nesses momentos de avaliação, comprando ou vendendo moedas e, assim, influenciando em seu valor. Em Londres, por exemplo, os horários mais importantes para fixar a taxa são às 11 horas e às 16 horas. (Jamil Chade, correspondente)


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Investidor brasileiro é preguiçoso e perde dinheiro com isso


Pelo menos 4,8 milhões de brasileiros estão pagando caro para investir. Outros são mal assessorados por gerentes e acabam fazendo aplicações que não têm nada a ver com seu perfil. Mudar isso não é tão complicado assim: basta querer

Ilustração: Pedro Piccinini/EXAME
Ilustração - Pessoas esperam sentadas
São Paulo - Se fosse preciso escolher um pecado para resumir o comportamento médio do investidor brasileiro, seria difícil decidir entre avareza e preguiça. Acostuma­dos a décadas de retornos altos em investimentos seguros, os brasileiros poupam pouco e, quando poupam, aplicam mal seu dinheiro.

Funciona assim: quem recebe seu salário em determinado banco não pensa duas vezes e investe lá seu dinheiro. Não importa se as taxas cobradas por esse banco são altas, se os retornos são parcos, se há centenas de alternativas disponíveis.

O máximo que a preguiça permite é atender a ligação do gerente — muitos fogem de seus gerentes como criminosos —, ouvir sua “dica” e mudar de aplicação. Segundo a consultoria britânica Oliver Wyman, nada menos que 95% dos investidores brasileiros seguem, em linhas gerais, essa cartilha.

Nos Estados Unidos, só 4% dos poupadores aplicam no banco. É comum que os americanos procurem instituições especializadas em investimen­tos para aplicar o que têm. Nem sempre dá certo, claro, porque esse é o espírito da coisa. Mas a preguiça do brasileiro adiciona uma certeza ao incerto mundo das finanças pessoais: quem não presta atenção nas taxas que paga empobrece. 

Como funciona essa indústria da preguiça? No último mês, EXAME entrevistou gerentes de bancos, assessores financeiros e pesquisou os rendimentos e as taxas dos principais fundos do mercado. Uma conclusão é que 4,8 milhões de investidores estão jogando dinheiro fora — ou melhor, jogando dinheiro no bolso dos gestores que administram seus recursos.

É quase metade do total de cotistas de fundos do país. Em suma, essa gente toda paga taxas de administração muito mais altas do que o que seria razoável. Os consultores ouvidos para esta reportagem só recomendam a seus clientes fundos que cobrem, no máximo, 2% de taxa, com alguma variável sobre o desempenho (se o rendimento ficar acima do projetado, o gestor recebe parte do extra).

Mas 4,8 milhões de brasileiros pagam a partir de 3% de taxas de administração, muitas vezes em fundos de renda fixa que deveriam cobrar menos de 1%. “Pagar 2% só se justifica em fundos mais sofisticados”, diz Paulo Colaferro, sócio da assessoria financeira Taler.

fundos DI e fundos de ações passivos, em que o trabalho do gestor é seguir o comportamento de um índice de mercado, em que as taxas passam de 5% ao ano. Por quê? A justificativa dos gestores é que, se a aplicação mínima é baixa, o percentual cobrado precisa ser mais alto para cobrir as despesas administrativas, como o envio de extratos. Pode até ser verdade; mas haja preguiça para investir num fundo desses. 


Taxa num boleto?


Para as instituições financeiras, o comportamento médio do investidor rende um dinheirão. O fundo DI mais caro do país é o Classic Referenciado, do banco Santander, que cobra 5% de taxa de administração. Em 12 meses, o fundo teve um rendimento líquido de apenas 2,4%, o que correspondeu a cerca de 4 milhões de reais, divididos entre 176 000 cotistas.

Já o banco recebeu 161 milhões de reais, como resultado da aplicação da taxa de administração sobre o patrimônio. Há dezenas de fundos DI com aplicações mínimas inferiores a 20 000 reais e taxas de administração menores do que 1%, inclusive nos grandes bancos. Mas, claro, é preciso pesquisar.

Como a postura média do investidor é aplicar o dinheiro e esquecer, ninguém pensa em quanto paga por ano a seu banco. “Se a taxa de administração chegasse num boleto único no fim do ano para o investidor pagar, ele teria uma postura diferente”, diz o americano Dan Ariely, um dos maiores especialistas em finanças comportamentais e professor da Universidade Duke, na Carolina do Norte.

Numa carteira de 300 000 reais, mudar de uma taxa de 2,5% para 2% significa economizar 1 500 reais ao ano.

Com a queda dos juros — e o fato de aplicações de maior risco, como ações e imóveis, estarem rendendo cada vez menos —, olhar o quanto se paga a bancos, gestoras e corretoras para investir é ainda mais importante. Se a bolsa valoriza mais de 40% num ano, como ocorreu em 2007, pagar 5% para uma corretora intermediar a compra dos papéis não faz tanta diferença.

Se a expectativa é ganhar pouco mais de 10%, esse custo se torna relevante. Quando a bolsa cai, então, vira questão de honra. A mesma coisa vale para os fundos DI: na época em que os juros estavam em 25% ao ano, muitos investidores nem percebiam que pagavam 5% de taxa de administração. Ainda sobrava um rendimento de cerca de 20%. Hoje, sobra menos que a inflação. 
Gerentes x consultores


Alguns gestores dizem que cobram caro porque investem melhor. Mas será mesmo? Segundo uma pesquisa da empresa de investimentos XP, todos os fundos mais caros do mercado renderam menos que a média de suas categorias nos últimos 12 meses. Um exemplo impressionante é o fundo de ações do banco Alfa, que cobra 8,5% de taxa de administração.

Por esse preço, era de esperar um desempenho à Warren Buffett. Mas o fundo do Alfa perdeu 18% em 12 meses, enquanto seus pares tiveram rendimento de 9% (procurado, o Alfa não comentou). Quem comprou cotas do fundo PIBB, que segue o índice IBrX e cobra mísero 0,06% de taxa, também perdeu, mas 4%.

O levantamento da XP também mostra que produtos caros não são exclusividade dos bancos. O segundo fundo de ações mais caro é da gestora gaúcha Pilla Invest, que cobra taxa de 6%. Na outra ponta, um multimercado de altíssimo desempenho, o fundo Verde, gerido por Luis Stuhlberger, cobra 1,5% de taxa e rendeu 15% em 12 meses — ou 7 821% desde que foi criado, em 1997.

Há, por aí, muitos caminhos para enriquecer — mas não se tem notícia de alguém que tenha dado esse salto seguindo dicas de investimento de seu gerente de banco. O problema, certamente, não é de falta de alternativa.

Hoje, há uma variedade de fundos e novas opções na renda fixa, como títulos ligados a infraestrutura e papéis do setor imobiliário, todos isentos de imposto de renda, que são pouco conhecidos pelos investidores. E são ignoradas pelos gerentes de grandes bancos.

Em julho, EXAME visitou agências de Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa, os quatro maiores bancos do país, perguntando onde aplicar 300 000 reais por um prazo superior a cinco anos. Em linhas gerais, os gerentes consultados recomendaram colocar a maior parte do dinheiro em fundos de previdência, e o restante em fundos DI.

Nenhum falou de fundos multimercados que aplicam parte do patrimônio no exterior, uma categoria que está rendendo bem, ou de ações. Um gerente deu uma dica bizarra: aplicar tudo, os 300 000 reais, numa letra imobiliária que vence em dois anos e paga 88% do juro de mercado (CDI), o equivalente hoje a 6,4%.

Fazer isso é aproveitar mal esse dinheiro. Para quem está disposto a deixar o dinheiro aplicado por cinco anos, há outras opções na renda fixa que pagam muito mais. É o caso de um papel imobiliário lastreado no aluguel de um estaleiro da Petrobras, que rende 6,75% ao ano mais a inflação (em torno de 13% hoje).

O interessante é que, procurados oficialmente pela reportagem, os bancos tinham opiniões diferentes. Recomendaram investir em fundos DI, multimercados e de ações — e deixar só pequena parte em planos de previdência. Difícil é entender por que os gerentes não estão dando conselhos semelhantes.

O que fazer? Não há saída a não ser pesquisar. Assessorias financeiras especializadas, como Apogeo, Claritas, Taler e XP, prometem fazer a pesquisa para os clientes, enviando e-mails ou telefonando a cada “oportunidade” que surge, como CDBs de ban­cos médios ou títulos de renda fixa. Mas é claro que os consultores não são à prova de fogo.

Uma pesquisa da Universidade de Toronto mostrou que a maioria dos assessores recomenda com mais frequência fundos que remuneram melhor, e não necessariamente os que são mais adequados ao perfil do investidor (esses profissionais recebem comissão quando um cliente aplica no fundo recomendado). Ganhar dinheiro não é fácil. Mas, com preguiça, fica ainda mais complicado.


É preciso rever regras regulatórias da advocacia'


Com 798 advogados, o JBM é o maior escritório do Brasil em quantidade de profissionais do Direito. Até o fim de 2012, eram 737, mas o crescimento da banca, que lida apenas com advocacia de massa, exigiu mais. No entanto, não foi a quantidade de trabalhadores que a fez atingir o faturamento de R$ 110 milhões ao ano. Foi a tecnologia.

Os sistemas e métodos são tão importantes para a atuação do JBM no mercado que, no meio deste ano, o escritório se dividiu, colocando advogados de um lado e a turma da tecnologia de outro. Nascia a empresa Finch Soluções. O novo negócio começou com 550 colaboradores em 27 filiais, e levou consigo a expertise em dados que o JBM coletou nos seus cinco anos de vida e nos 18 mil processos que recebe mensalmente — ao todo, hoje são conduzidos cerca de 320 mil.

A Finch presta serviços para o próprio JBM, para clientes do escritório e para outras bancas de advocacia. Seu faturamento anual chega a R$ 45 milhões, para alegria do advogado José Edgard Bueno. Maestro a reger essas duas orquestras ao lado do sócio Reinaldo Mandaliti — na Finch, entram outros dois sócios —, Bueno não gosta de gravatas, prefere jeans a ternos e usa constantemente o termo “indústria do Direito”. De propósito. Ele quer quebrar o tabu em torno da chamada “mercantilização da advocacia”, expressão que provoca arrepios aos advogados por causa de restrições da OAB.

O medo de a profissão mercantilizada levar ao aviltamento de honorários só serviu para que não houvesse regras adequadas ao mercado, e os honorários caíram ainda assim, diz Bueno. Para ele, é hora de a profissão se livrar de preconceitos e interesses e se reinventar — ou se rediscutir. Regras rígidas demais levaram ao engessamento, opina.

Entre os clientes do escritório estão Itaú, Bradesco, CPFL, Elektro, Unilever, Electrolux, Vivo e CSN, com demandas de Direito do Consumidor e, em alguns casos, do Trabalho. Na carteira da Finch também estão alguns dos grandes, como Itaú, Rodobens e Banco Safra.

A empresa de tecnologia também oferece soluções como jurimetria, ou seja, projetar possibilidades jurídicas para seus clientes a partir dos dados já coletados de suas contendas na Justiça, ou de outros concorrentes. A partir das medições, vem o trabalho jurídico — aí pelo JBM —, de propor que em uma comarca sejam forçados mais acordos, ou que em outra as brigas sejam levadas adiante.

José Edgard Bueno bate na tecla de que a Ordem dos Advogados do Brasil deveria repensar os moldes da regulamentação da advocacia. Pensar em regras especificamente para escritórios grandes, outras para médios, para pequenos e para os advogados que atuam sozinhos.

As normas para contratação de advogados também o incomodam. Para ele, advogado que não é sócio só poderia ser celetista. “Quem não contrata por CLT faz concorrência desleal”, reclama. O regime de associado, diz ele, é uma aberração. “Como pode a OAB recomendar uma forma de contratação que a Justiça não aceita?”

Bueno recebeu a revista Consultor Jurídico na última segunda-feira (30/9) em seu escritório na Avenida Faria Lima, na capital paulista — uma das 26 filiais do JBM. Sem gravata.

Leia a entrevista:

ConJur — Tem havido muitas cisões em escritórios. A Ordem dos Advogados do Brasil está preocupada em fortalecer sua câmara arbitral, para que os rachas sejam resolvidos entre advogados. O JBM tem experimentado essas situações?

José Edgard Bueno — Cisão de sócio é praticamente inexistente para a gente, porque o nosso mercado é sui generis. Para entrar, precisa ter uma estrutura muito grande ou ir para outro lugar que já tenha uma estrutura razoável, para levar clientes e ter o investimento necessário para isso. Uma parte do serviço da advocacia aqui não depende só do know how do advogado, como no mercado tradicional. Aqui, a estrutura é um fator decisivo. O cliente compra também a tecnologia envolvida por trás do negócio. E isso não sai do dia para noite.

ConJur — O JBM nasceu com seis sócios, agora são só dois. O que motivou a saída dos outros quatro?

José Edgard Bueno — Eles montaram um escritório em Ribeirão Preto (SP).  Queriam advogar, fazer um escritório menor. E estão indo super bem. Acho que eles sentiram que era o momento de montar a butique deles. Porque aqui, a sociedade é quase como que uma estrutura de empresa.

ConJur — O escritório se dividiu em duas organizações, uma ficando com a advocacia e outra com a tecnologia. Como foi isso?

José Edgard Bueno — Essa é uma história de tentativas e erros. Tínhamos advogados e sistema, e achávamos que o sistema resolveria todos os problemas do advogado e que com ambos conseguiríamos fazer a prestação do serviço final. Isso funcionou durante um período, mas, no fundo, a gente começou a perceber que não é só isso. Não adianta nada ter um sistema de prateleira, nem mesmo desenvolver um próprio, como é o nosso caso. Ele, em si, não resolve. O que vai resolver é conhecer o negócio, a estrutura do mercado jurídico, o seu cliente e aplicar esse conhecimento ao seu sistema. Aí é onde você começa a desenvolver alguns aplicativos, é o que eu chamo da tecnologia. Identificamos que tínhamos essa tecnologia e notamos que ela tem um valor no mercado. Vimos que não era um serviço de advogado, não fazia sentido ficar dentro do escritório. Então criamos uma empresa específica para isso, a Finch Soluções, que faz essa gestão da minha tecnologia. No fundo é o que a literatura chama de BPO - Business Process Outsourcing.

ConJur — E passaram a prestar serviços para si mesmos?

José Edgard Bueno — Toda tecnologia que eu aplicava para mim mesmo tinha um valor. Começamos a prestar serviços para os clientes do escritório e, depois, para outros escritórios de advocacia.

ConJur — Que tipos de produtos vocês oferecem?

José Edgard Bueno — Para clientes, por exemplo, um produto muito interessante é o que a gente chama de jurimetria. O JBM é um grande laboratório, com informações de processos tramitando no Brasil inteiro. O volume de informações que circulam no nosso sistema interno é brutal. São 15 mil audiências por mês, 160 mil diligências. Entram, por mês, uma média de 18 mil processos. Isso me dá uma base de dados incrível a respeito do sistema judiciário. A gente começou a ligar os pontos, descobrir que uma empresa teria mais problemas com um tipo de ação em um local específico. Conectando várias informações de fontes diferentes, formamos uma informação final para o cliente. Criamos um negócio e alguns produtos em cima disso. Um deles é informar ao cliente que há um processo contra ele em D+2, ou seja, dois dias depois de entrarem com a ação, muito antes de ele ser citado. Isso tem um valor para ele que é incomensurável, porque ele vai ser citado, em média, só cinquenta e poucos dias depois. Então, ele tem quase dois meses de informação antecipada para tomar uma série de atitudes.

ConJur — Ele já prepara a defesa?

José Edgard Bueno — Aí entra o conhecimento do negócio. Eu falo que tem essa ação no interior do Maranhão, por exemplo. Ele vai chegar no SAC dele, vai ter essa informação antecipada, terá um prazo razoável para preparar uma boa defesa, pegar as informações e tudo o mais.

ConJur — E a parte de jurimetria?

José Edgard Bueno — É um tipo de informação de serviço que damos ao cliente com base nesses dados todos que temos na nossa base, podendo desenhar tendências. Hoje eu tenho condições de verificar na comarca “x” ou na comarca “y” qual vai ser a decisão do juiz em determinada matéria, daquele juiz, daquela comarca especifica, com aquela empresa ou com aquele tipo de problema. Conseguimos até identificar diferenciações entre empresas. Porque o juiz também reage conforme a postura que a empresa adota perante o Judiciário.

ConJur — É possível identificar o tratamento diferente para uma ou outra empresa?

José Edgard Bueno — Tem cliente nosso, do qual obviamente não vou citar o nome, que adotou uma política agressiva de acordos perante o Judiciário. Ele comprava esse produto nosso para saber a informação antes, para ter tempo de ver o que era caso de acordo e o que não era. Ele chegou a uma postura tão sofisticada que não contestava a ação. Ele chegava no Judiciário com a postura de falar: “Olha, eu errei, juiz. Mas não devo essa quantia toda que este senhor está pedindo, mas sim o que está aqui, conforme esse laudo. Em vez dos 10 pedidos, estou disposto a pagar 5”.

ConJur — E os juízes passaram a aceitar as propostas?

José Edgard Bueno — A reação natural do juiz em uma situação como essa é forçar, obviamente, a parte contrária a fazer um acordo. Quando não há acordo, o juiz começou a condenar a empresa naquele valor que ela reconhecia como correto, e não no valor pedido. Diminuiu, então, brutalmente o índice de condenação daquele cliente. O subproduto disso foi que, naqueles casos em que o cliente não reconhecia o pedido, não chegava com essa postura agressiva de fazer acordo, o juiz começou a ler a argumentação da empresa. Não entrou mais no automático. Porque a gente sabe como é que funciona. O Judiciário, quando tem milhares de ações, vai mais ou menos automático. É muito difícil parar para ler, até pelo volume. Em um segundo momento, passou a diminuir o número de condenações. Isso começou lá atrás, quando ele passou a saber dos processos com antecedência e soube tratar essa informação.

ConJur — A Finch já nasceu grande, com R$ 45 milhões em faturamento anualizado. Como isso foi possível?

José Edgard Bueno — É porque eu transferi todos os ativos, transferi contratos e deixei no JBM só os advogados. A Finch me presta serviço de tudo. Toda contabilidade, faturamento, tudo aquilo que exige a expertise de escritório de advocacia a gente faz na Finch também. O JBM é um cliente da Finch.

ConJur — Tem havido uma grita de advogados contra os leilões reversos, onde clientes chamam diversos escritórios para um serviço e ficam com aquele que oferece o menor preço. Vocês são contrários a essa prática?

José Edgard Bueno — É impossível interferir em regras de mercado. Ou temos um mercado livre ou temos um mercado regulado. O que nós queremos ser? Nós queremos ter uma reserva de mercado onde o advogado estabelece o preço do produto tabelado? Esse não é o espírito da nossa lei. A nossa Constituição não é assim. Estamos em uma sociedade capitalista e isso faz parte. Precisamos rever nossas regras regulatórias, o que permitiria enfrentar uma situação como essa. Hoje só acontece isso porque o mercado está absolutamente pulverizado na oferta de serviços. Tem uma oferta brutal de escritórios e serviços, e uma demanda que não é suficiente. A regra aplicada é a de Adam Smith. Só acontece isso porque tem uma oferta muito grande. Como se enfrenta isso? Revendo-se algumas regras que engessam a nossa profissão e, especificamente, facilitando a fusão e os possíveis formatos de um escritório, de uma sociedade de advogados, em formato de empresa. Se houvesse essa possibilidade, o mercado se autorregularia para chegar a um nível de consolidação do mercado de prestação de serviço para se ter grandes players.

ConJur — A OAB bloqueia as fusões entre escritórios?

José Edgard Bueno — Não é que ela bloqueia. As regras são tão rígidas para viabilizar uma fusão que, na prática, elas inviabilizam. Eu não posso ser sócio de um outro escritório na mesma subseção em que eu tenho inscrição. É um absurdo. Na prática, eu não posso fazer uma fusão com o escritório aqui do lado, na Avenida Faria Lima. Porque a OAB diz que só pode sociedade entre advogados pessoas físicas, a minha sociedade não pode ser sócia de uma outra sociedade, como duas pessoas jurídicas. Isso facilitaria e muito as fusões entre escritórios e, de repente, oxigenaria um pouco nosso mercado de advocacia. O Estatuto da Advocacia cumpriu o seu papel, só que agora está na hora de começar a rever isso.

ConJur — Existe abertura para mudar?
José Edgard Bueno — É preciso acabar com alguns mitos no Brasil. Primeiro, em lugar nenhum do mundo acabaram com o que lá fora se chama sole practitioners, os advogados que atuam sozinhos. Isso não acaba. Vai sempre existir mercado para eles. Também não acho que exista uma tendência única predeterminada em que se vai ter só escritório grande ou só escritório médio. O que é preciso é ter regra para cada um desses mercados, como na Inglaterra. Você não pode ter uma regra única que abarque todos os tipos de advocacia que existem. É preciso entender como funciona o mercado para escritórios pequenos, médios e grandes e montar estratégias para regular cada um desses mercados. Só tem que tomar cuidado para não fazer uma quantidade de regras que engesse a profissão.
ConJur — Por que não se discute isso?
José Edgard Bueno — Primeiro, o advogado não é treinado para discutir isso. Na faculdade, o sujeito é treinado para dizer o que pode e o que não pode fazer, para consultar em cima de um arcabouço legal e dizer. Em nenhum momento se fala de cliente. Na OAB, outro problema, são dezenas de comissões, mas nenhuma fala da essência do mercado, que se chama "cliente". Ele é o driver do processo de mudança da nossa indústria. O que ele quer determina para onde você vai. A estratégia que vai ser adotada daqui a cinco ou dez anos na nossa profissão depende daquilo que o cliente necessita.

ConJur — Como é que o JBM, com cinco anos, cresceu tanto?

José Edgard Bueno — É um bebê que já nasceu com uns quilinhos a mais, pois quando deixamos o Demarest e Almeida, foi uma saída acordada, não uma cisão. Eles não queriam mais operação de massa e nós assumimos as ações. Mas nós somos jovens, então tem muito mar para remar ainda, queremos crescer, mudar, andar para frente...

ConJur — O medo de mercantilizar a advocacia impede o crescimento do mercado no Brasil?

José Edgard Bueno — Impede. É uma discussão que não vai levar a nada. Só leva a essa situação em que nós estamos, em que um diz que é mercantilizar e outro que não é. É um termo um pouco genérico. Se você somar o faturamento dos 6 ou 7 maiores escritórios do Brasil, você chega a uma cifra de R$ 1 bilhão por ano. Isso não é uma profissão mercantilizada? O termo é inapropriado, pois tem uma origem histórica, uma razão de ser. Nós aprendemos lá na faculdade que tinha que separar entre o comerciante e o advogado. O advogado não tem preço, ele recebe honorários, pois é uma honra para o cliente ele prestar o serviço. Isso não funciona mais nos dias de hoje. Basta ver as grandes bancas do mundo. A OAB está começando a se preparar para isso. Ela é uma organização conservadora, é normal que seja. Mas já consigo ver alguns movimentos. Acho que está se amadurecendo a discussão para uma linha de que a mercantilização da profissão não pode ser mais o termo que define para onde a indústria deve ir ou não. Eu uso muito o termo indústria, porque, de fato, isso tem que ser encarado como segmento do mercado.

ConJur — Dizem que a mercantilização levará à queda do valor dos honorários, mas eles já vêm caindo, não?

José Edgard Bueno — Já caiu, da pior forma que poderia acontecer: nós não temos uma regra adequada para o mercado. O mercado força uma determinada situação e você se vê quase que na obrigação de aceitar, porque não tem opção a não ser trabalhar naquela linha estabelecida. Não foi a regra que conseguiu impedir que isso acontecesse.

ConJur — No JBM, os advogados são contratados por CLT?

José Edgard Bueno — Sim. Aliás, essa é uma situação que precisa ser urgentemente revista pela OAB, pelo órgãos de classe e pelas autoridades: são pouquíssimos escritórios que têm os advogados registrados em CLT. A OAB estabelece o regime de associado ou de sócio por cota de serviço. O sócio por cota de serviço tem sido aceito pela jurisprudência e não tem muito problema. Já o regime de associado, que a grande maioria dos escritórios pratica, a jurisprudência não tem aceito. Quando o advogado entra com ação trabalhista, o vinculo é reconhecido. A maior parte do mercado trabalha com associados, muitos não têm nem qualquer tipo de regime. Isso precisa ser revisto, porque, de um lado, não dá proteção para o advogado e, por outro, estabelece uma concorrência desleal.

ConJur — Concorrência desleal entre escritórios?

José Edgard Bueno — Em uma tomada de preço, uma banca que não tem todo mundo registrado tem naturalmente uma vantagem competitiva sobre um escritório com os encargos que a CLT impõe. A consequência prática disso é que o preço daquela vai ser melhor para aquele potencial cliente. Na nossa profissão, grande parte da estrutura de custos é mão de obra, isso é uma grande desvantagem. Isso não pode ficar assim. Chegamos ao absurdo de ter uma regra estabelecida pela OAB — o advogado associado —, que não é aceita pelo Judiciário.

ConJur — Como é a remuneração no JBM?

José Edgard Bueno — Os advogados são celetistas, eu tenho um acordo com o sindicato e estabeleço alguns benefícios como vale-transporte, vale-refeição, PLR, que é um plano de distribuição dos lucros também registrado junto ao sindicato, com regras específicas e critérios de apuração em cima de metas.

ConJur — Quais são essas metas?

José Edgard Bueno — Quem estabelece as metas são os clientes, que falam, por exemplo: “A minha meta é encerrar x processos”. Nós transmitimos essas metas aos advogados daquela carteira. Hoje, os escritórios são medidos. Nós não colocamos punições, por exemplo, para quem não cumprir a meta, mas oferecemos bônus para quem cumpre. Muitos clientes estabelecem um bônus financeiro na gestão do seu contrato.

ConJur — Quanto é o salário do advogado que chega?

José Edgard Bueno — A gente estabelece o piso com o sindicato de cada local em que temos filiais. Aí entra um plano de cargos e salários que vai aumentando em cima daquela regra pré estabelecida com o sindicato.

ConJur — O CNJ está cumprindo seu papel de melhorar o sistema judiciário?

José Edgard Bueno — Eu acho que sim, mas deveria ser mais enfático nessa função de harmonizar o sistema em termos de prestação jurisdicional. No fundo, o Judiciário é um prestador de serviço. Um dos problemas que enfrentamos é o "captcha" [código de letras e números exigido por alguns tribunais para acessar os processos eletronicamente]. É uma restrição de acesso a informação que os tribunais colocam quando se tem grandes volumes de acesso. Isso inviabiliza a consulta em grande volume de processo, como nós fazemos. Quem mais acessa a informação do Judiciário não é o cidadão, não é o seu cliente. O seu cliente nem sabe como fazer isso. A gente pensa em, no momento oportuno, no ano que vem, levar algumas contribuições para o CNJ no sentido de pensar o Judiciário de uma forma de prestação de serviço e pensar a estratégia de como chegar lá. A OAB deveria estar bastante mais preocupada em olhar qual é o Judiciário que nós vamos ter daqui a três ou cinco anos.

ConJur — Que barreiras tecnológicas a Justiça precisa superar?

José Edgard Bueno — O sonho da minha vida é ter um sistema único do Judiciário nacional. Cada estado tem um sistema na Justiça comum. Na Justiça Federal tem outro sistema, mas que também varia de acordo com a Região. Quem está mais avançado nessa organização de dados é a Justiça do Trabalho. Tem também uma experiência extremamente positiva, que é o sistema Projud, que está tentando se implementar para pequenas causas, que é o sistema de processo eletrônico judicial. Todos os atos são praticados eletronicamente, o advogado é intimado a cada acesso ao sistema. É uma evolução brutal, excelente. Mas tem muita resistência ainda em se elevar a isso a um nível nacional. Esse sistema deveria ser um grande banco de dados, uma grande plataforma.

ConJur — Seria bom para os advogados?

José Edgard Bueno — Essa plataforma deveria servir não só aos advogados, mas sobretudo ao cidadão. Ele precisa ter acesso sem ter nenhum intermediário. Já temos tecnologia para isso. A Receita Federal hoje está em um nível de sofisticação que, em dois anos, será ela quem fará sua declaração de Imposto de Renda, você só vai homologar. Precisaria menos do que isso para você controlar os processos judiciais que tramitam no país inteiro.

ConJur — Vocês usam seguro de responsabilidade civil?

José Edgard Bueno — Usamos. Clientes têm exigido. Alguns clientes exigem para eles individualmente, independentemente da apólice que a gente tem para o escritório como um todo. Tem que ter, mesmo para escritório de massa, onde o tíquete médio é pequeno. A possibilidade de perder um processo e ter falha não vai afetar tanto. Mas serve muito mais para se proteger de uma grande falha, que às vezes acontece. Já usamos uma vez o seguro, em uma questão trabalhista, que cometemos um erro no recolhimento.

ConJur — Você acha que o escritório de massa tem espaço na mediação ou na arbitragem?

José Edgard Bueno — Na arbitragem eu precisaria pensar, mas tem. O problema é que os árbitros vão querer cuidar de grandes questões, eles não vão querer cuidar do "varejão". Na mediação eu vejo uma avenida enorme, uma grande possibilidade e uma enorme oportunidade. Porque, ao contrário do que pensam, para o escritório que faz contencioso de massa ter processo em carteira não é lucrativo nem interessante. É a mesma coisa que ter estoque, é preciso tratar aquele estoque e tem um custo para tratar esse negócio. Quanto mais rápido se processar uma determinada demanda judicial, mais interessante e mais lucrativo. Aí é onde se insere a mediação. Numa situação em que o processo entra, a gente dá essas informações para o cliente, presta o serviço rápido, chega em uma câmara mediadora e faz o acordo. Rapidamente o conflito se resolve. Isso é o melhor dos mundos. A rapidez do processo é muito mais interessante.

ConJur — Trabalhando em advocacia de massa, seus processos se resolvem mais em primeira instância ou sobem aos tribunais?

José Edgard Bueno —
Depende da política do cliente. Hoje em dia, existe uma tendência muito grande de fazer acordos e não ficar levando os processos para segunda instância ou para o STJ, ou para o STF. Não faz sentido, primeiro, por uma questão de imagem institucional. Tem também um custo de gestão interna dos processos.

ConJur — Tem havido um grande crescimento do número de butiques. Advogados decidiram ter escritórios para atender a uma pequena quantidade de clientes “porque a quantidade não está valendo a pena”. Como vale para vocês?

José Edgard Bueno — Tecnologia. A tecnologia aplicada ao nosso sistema faz com que o custo seja interessante, competitivo. A minha competição já começa com uma desvantagem, porque eu registro todos os advogados. Segundo, nós temos controle de tudo. Chegamos a um nível de sofisticação de prever o que vamos ter daqui a dois ou três meses em termos de alteração em determinada linha de custo. Terceiro, o mercado de massa é um mercado cujas margens de lucro são mais apertadas, mas nós convivemos bem com isso. Eu não me incomodo em ter uma margem pequena, é o nosso business.

ConJur — Você concorda que as teses do Direito estão no fim ou estão se esgotando, que hoje em dia o trabalho do advogado é mais uma pesquisa do que já foi feito do que uma busca por uma nova resposta?

José Edgard Bueno — Concordo totalmente. A época das teses acabou. Seja na área trabalhista, seja no Direito Tributário, seja na área do consumidor. Hoje em dia estamos caminhando para a discussão de fatos. O que não deixa de ser uma evolução na lida da advocacia com o sistema, pois nos sistemas mais evoluídos não se discute grandes teses, mas fatos. Como é a aplicação daquela situação concreta dentro daquele remédio que se procura dar. E a grande discussão hoje vai ser qual a escala em que aquilo se aplica. Estamos passando da fase das teses para a recorrência de fatos e, então, uma aplicação do remédio comum àquela recorrência de fatos. É para isso que o Judiciário vai ter que se aparelhar.

ConJur — O mercado mostra certa resistência em relação ao tamanho e ao crescimento rápido do JBM?

José Edgard Bueno — Eu sinto uma resistência, uma parte por ser novo, uma parte por falar coisas que incomodam. A gente tem que fomentar um pouco o debate. Há um tempo fiz um artigo sobre oxigenação na advocacia. O discurso na nossa comunidade é o mesmo. Eu vejo as mesmas coisas sendo ditas desde a época que eu era estagiário. Se bobear, são as mesmas pessoas falando. Mas o que mais me incomoda são as pessoas novas falando o mesmo discurso do século XX. Não tem antagonismo, e precisa ter a discussão, o debate. Os que têm voz aqui nunca foram na Índia ver o que está sendo feito em matéria de prestação de serviço jurídico para os Estados Unidos e para a Inglaterra. Não viram quanto dos serviços dos escritórios de advocacia são feitos offshore. Ninguém discute isso. E já estamos em um segundo momento, num movimento de internalizar de volta para os Estados Unidos.

ConJur — Isso na advocacia?

José Edgard Bueno — Na advocacia. Olha como nós estamos atrasados: já houve o movimento de off shore, em que vários serviços que eram prestados pelos grandes escritórios do mundo, serviços que não exigiam uma expertise grande, que eram rotinas e procedimentos, faziam discovery dos processos, que é a verificação dos processos judiciais no modelo anglo-saxão. Que era você verificar as provas, fazer a gestão das provas, estágio e documentos, o que você tem que levar para parte contrária, preparar os depoimentos. Isso tudo era feito a "custo hora" nos escritórios de advocacia e os clientes começaram a falar: “Não. Isso aqui eu não pago. Não faz sentido eu pagar hora para isso.” O que os caras quiseram fazer? Mandaram isso para a Índia fazer. Na Índia, os advogados fazem isso. Então todo esse processo, uma parte do serviço, que não é aquele serviço que realmente exige uma expertise grande, foram colocados para empresas BPO jurídico na Índia. Eu estou falando de 10 anos atrás. Nunca se falou disso no Brasil. Agora, já há uma rediscussão sobre a volta dessas tarefas para dentro dos EUA.

ConJur — Nos Estados Unidos se discute a criação do profissional técnico da advocacia, que não teria formação universitária. Parte dos serviços de advocacia poderia ser feita por um profissional que não é advogado?

José Edgard Bueno — Totalmente. Claro que depende do tipo de serviço e do tipo de escritório que você é. Se a banca é contratada por uma expertise específica, uma butique, não faz sentido. Agora, a grande parte do serviço que é feita nos grandes escritórios de advocacia e em escritórios de massa como o nosso pode ser processada por uma outra empresa ou por pessoas que não são advogados. Tanto que a gente criou a Finch em cima disso. Nos Estados Unidos, percebeu-se isso e criou-se esse tipo de função, que é o técnico da advocacia, mas é um técnico que não precisa ter formação em Direito para exercer a profissão. Aqui, a OAB de São Paulo tentou falar disso uma época, mas levou muita bordoada. Eu achei uma boa iniciativa. Faz a economia girar. Tem um monte de gente que não faz o serviço propriamente jurídico, serviria até para alocar um bacharel em Direito que está começando a vida, pode ser uma fase no desenvolvimento da carreira.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.