Consumir é um ato de auto-afirmação (mesmo que seja mentira) e, de certa maneira, uma busca por inclusão. E é assim que produtos ganham seus status: in ou out, chiques ou bregas, de ricos ou de pobres. No Brasil, a cachaça é um exemplo clássico nesse contexto
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Embora seja a bebida mais genuinamente brasileira, a cachaça ainda é um patinho feio no Brasil
"O brasileiro é um narciso às
avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos
pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima". O dramaturgo
Nelson Rodrigues foi ácido, mas sua teoria do “complexo de vira lata”
encontrou lastro em nosso cotidiano desde que foi cunhada, em 1950,
quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo de futebol para o Uruguai, em
pleno Maracanã. O “tudo que vem de fora é melhor” ainda reina.
Os avanços econômicos da última década e a bajulação que a imprensa
internacional decidiu, por um tempo, nos render ajudaram a diminuir um
pouco a gravidade do nosso complexo (afinal, era gente lá de fora
falando). Mas superá-lo de vez ainda leva tempo. Quando o assunto é
consumo, então, o horizonte fica ainda mais distante. Nas sociedades
capitalistas contemporâneas, consumir é mais que ter, é ser. E, em um
mundo conectado 24h sob o apelo constante do narcisismo, isso fica ainda
mais claro.
Nunca vi ninguém colocar no Facebook ou Instagram uma foto comendo
pão com ovo, andando em um ônibus lotado ou vestindo uma roupa velha em
casa, embora tudo isso faça parte do dia a dia da maioria dos
brasileiros. Por outro lado, um jantar caro, um passeio em um carrão
(mesmo que seja de carona com um amigo) e uma roupa de grife costumam
ter lugar cativo nas timelines.
Consumir é um ato de auto-afirmação (mesmo que seja mentira) e, de
certa maneira, uma busca por inclusão. Consumir o que está na moda ou
que a classe dominante consome (geralmente, uma coisa está diretamente
ligada à outra) é sentir e dizer que, de algum modo, pertence àquele
mundo. E é assim que produtos ganham seus status: in ou out, chiques ou
bregas, de ricos ou de pobres.
No Brasil, a cachaça é um exemplo clássico nesse contexto. Embora
seja a bebida mais genuinamente brasileira, já cultuada fora do país e
produzida com qualidade em praticamente todo o Brasil, por aqui ela
ainda é um patinho feio. O assunto foi o tema da conversa que tivemos
com o superintendente geral da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ),
Jairo Martins, que está no ADM Talks desta semana (vídeo abaixo).
Jairo é um ex-engenheiro, que fez carreira como executivo na gigante
Siemens e decidiu dedicar seu tempo pós aposentadoria à construção de
uma nova imagem da chachaça. Cachacista, como costuma se intitular, ele
ajudou a formar a primeira turma de sommeliers especializados na bebida
no Brasil e elaborou o primeiro modelo de carta de cachaça do país.
Veja abaixo o ADM Talks que gravamos com ele, durante o Inova Gastronomia Paraibana, em João Pessoa:
http://www.youtube.com/watch?v=Ir7IUhuQAnc