Segundo o levantamento do Guia EXAME de Sustentabilidade 2013, cada vez mais empresas brasileiras se preparam para escapar da ameaça do trabalho escravo em sua rede de fornecedores
Lojas Americanas: em
janeiro, cinco bolivianos foram flagrados em condições análogas à
escravidão num fornecedor de roupas exclusivo da rede, no interior de
São Paulo
São Paulo - Os executivos da construtora mineira MRV
acostumaram-se a colecionar recordes. O mais lisonjeiro é o posto de
companhia que mais cresceu no país nos últimos cinco anos, segundo o
anuário Melhores e Maiores, de EXAME, com uma expansão de 517% nas
vendas no período.
Em agosto, porém, eles conquistaram um destaque no mínimo incômodo. A
empresa foi condenada a pagar 4 milhões de reais por dano moral
coletivo, o segundo maior valor já imposto no país pela prática de trabalho escravo. A maior condenação, ao grupo de pecuária alagoano Lima Araújo, foi de 5 milhões de reais em 2006.
No episódio que motivou o processo, 63 trabalhadores contratados por
uma empresa terceirizada foram flagrados numa obra da MRV, no interior
de São Paulo, sem salário, abarrotados em alojamentos sem ventilação,
onde alguns dormiam em colchões espalhados pela cozinha, numa situação
análoga à escravidão.
A empresa nega que os trabalhadores estivessem em condição precária,
mas firmou acordo em setembro para reduzir o valor à metade e adotou uma
série de medidas de controle. Uma delas foi dobrar para 500
profissionais os times que vigiam diariamente os 372 empreendimentos em
120 cidades do país.
As equipes compartilham numa rede social interna os relatórios das
visitas, com fotografias e comentários. “À medida que crescemos,
passamos a contratar mais empreiteiros, e o controle das obras se tornou
cada vez mais complexo”, diz Maria Fernanda Maia, diretora jurídica da
MRV.
Os dados do Guia EXAME de Sustentabilidade 2013, o maior levantamento
de sustentabilidade corporativa do país, a ser publicado no próximo dia 7
de novembro, mostra que a preocupação com o tema tornou-se quase
onipresente entre grandes empresas brasileiras. Neste ano, 87% das 184 companhias participantes afirmaram ter um compromisso formal com a erradicação do trabalho forçado.
Em 2010, eram 83%. Outros 79% auditam seus fornecedores para evitar
casos assim. É, em parte, uma reação a um acompanhamento mais rigoroso
pelo governo. Cerca de 2 750 funcionários foram resgatados nessas
condições em 2012 — cinco vezes o contingente flagrado em 2000.
Além das multas, o prejuízo para
as companhias flagradas inclui perder acesso a financiamentos
bancários. E a penalidade pode ficar ainda mais rigorosa. No dia 17 de
outubro foi aprovado um projeto de lei por uma comissão mista do Senado e
da Câmara para a expropriação de imóveis dos empregadores diretos de
profissionais mantidos em condições análogas à escravidão — numa decisão
que ainda terá de passar pelas duas casas. Sem contar os danos causados
à reputação das empresas envolvidas.
A tendência é que as empresas imprimam cada vez mais uma cultura de
combate ao trabalho escravo também por exigência de um consumidor mais
consciente”, afirma Luiz Machado, coordenador do projeto de combate ao
trabalho forçado no Brasil da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Consequências
Estima-se que haja, em todo o mundo, 21 milhões de trabalhadores
escravos e que o lucro com o crime seja de 32 bilhões de dólares por
ano. No Brasil, um dos casos mais barulhentos aconteceu em agosto de
2011, quando fiscais descobriram bolivianos em condições precárias de
trabalho numa oficina que produzia peças para a marca de roupas
espanhola Zara, em São Paulo.
Eles não tinham carteira de trabalho, a jornada superava 14 horas
diárias, não recebiam salário, dormiam e faziam refeições no local e só
saíam da oficina quando o dono deixava. O caso ganhou notoriedade
mundial. No dia seguinte à descoberta, as ações do Inditex Group, dono
da Zara, caíram 4,2% na bolsa de Madri.
Desde janeiro de 2012, a empresa realizou mais de 500 auditorias em
oficinas terceirizadas e destinou 3,4 milhões de reais para regularizar a
situação imigratória de 13 700 estrangeiros no Brasil.
Os casos mais graves proliferam em setores em que a terceirização é
regra, como o têxtil. “Não é fácil produzir roupas no Brasil, onde a
carga tributária alcança 40% do custo, sem terceirizar a produção”, diz
José Galló, presidente da Lojas Renner, que se manteve longe do problema até agora. Recentemente, a empresa decidiu avançar no controle de seus fornecedores.
Desde 2010, a Renner já auditava o comportamento até das subcontratadas
de seus terceirizados. Em 2012, estreitou o acompanhamento, com novos
indicadores. Dos 636 prestadores de serviço da empresa, 238 passaram
pela verificação. “É preciso vigiar toda a cadeia e, se necessário,
aliar-se aos concorrentes”, diz Kevin Bales, professor de escravidão
contemporânea da Universidade de Hull, no Reino Unido, um dos maiores
especialistas mundiais no tema.
Um exemplo da aliança está na Associação Brasileira do Varejo Têxtil,
que lançou em 2010 uma certificação adotada por quase 5 000 confecções
em todo o país. A Lojas Marisa,
flagrada em março de 2010, tornou-se uma das adeptas e sofisticou o
monitoramento com medidas como visitas-surpresa aos fornecedores.
Mesmo quem nunca esteve relacionado ao problema optou pela prevenção. A produtora de alumínio Alcoa
já suspendeu compras de um fornecedor ao saber que outra empresa do
mesmo grupo havia sido incluída na lista suja do trabalho escravo pelo
Ministério do Trabalho.
Na fabricante de material de construção Duratex,
o aspecto social ganhou mais peso na seleção de seus 113 principais
fornecedores. A distribuidora de energia Elektro, controlada pela
espanhola Iberdrola, gasta mais de 2 milhões de reais anuais para
analisar os 1 000 fornecedores.
“É um investimento que retorna em produtos de melhor qualidade e em
menor incidência de problemas no futuro”, afirma Marcio Fernandes,
presidente da Elektro. Felizmente, o Brasil avança.
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