Oliver Stuenkel, professor da FGV, destaca transição da hegemonia dos EUA para a China (Senado)
SÃO
PAULO - Muito se fala sobre a diminuição da influência da maior
economia mundial, os Estados Unidos, sobre os países menos
desenvolvidos. Porém, essa tendência, que ainda parece estar em fase de
consolidação - uma vez que o gigante ainda exerce um grande papel sobre a
geopolítica mundial -, já se transformou em realidade para muitas
nações, que possuem uma nova referência.
E esta referência é a
China, que caminha cada vez mais para se tornar cada vez mais influente
no quadro político-econômico global, o que aponta para um movimento de
transição da influência de Washington para Pequim, a capital chinesa. É o
que destaca Oliver Stuenkel, professor adjunto de Relações
Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Oliver Stuenkel é
graduado pela Universidade de Valência, na Espanha, fez seu Mestrado em
Políticas Públicas na Kennedy School of Government de Harvard, e
Doutorado em Ciência Política na Alemanha. Em entrevista para o podcast
da Rio Bravo Investimentos, Stuenkel detalha a crescente influência dos
chineses na África, onde muitos líderes já enxergam o gigante asiático
como modelo econômico. O professor destacou ainda a influência da
internet que, ao invés de fazer o regime chinês mudar, foi "domada por
ele".
O economista ainda destacou os temores com a questão Síria e
os paralelos já traçados por alguns entre o ano de 2014 e 1914, quando
teve início a Primeira Guerra Mundial. Confira a entrevista completa:
Rio
Bravo - Muito se tem falado de paralelos que existem entre 1914, o ano
em que começou a Primeira Guerra, e 2014. Que paralelos são esses,
exatamente?
Oliver Stuenkel - Na
verdade são muitos. Primeiro é que em 1914 a gente tinha uma potência
importante que era o Reino Unido, que concentrava o poder econômico e
militar da época e que tinha desenhado e controlava as regras da ordem
da época. Ao mesmo tempo, tinha uma potência emergente, a Alemanha, que
não estava satisfeita com a Ordem Internacional, não aceitava a
Inglaterra nessa posição central, e que crescia mais rapidamente do que
Reino Unido e, em termos militares, investia muito na sua capacidade,
que aos poucos ameaçava a liderança britânica. Historicamente,
transições de poder têm altíssimo risco de conflito, porque o sistema
internacional geralmente é controlado pela potência mais forte. Então,
essa potência dita as regras e normas e a nova potência geralmente tem o
interesse de mudar essas regras e se impor também, e isso pode levar,
como muitas vezes levou, historicamente, a um conflito.
De fato,
existem evidências históricas de que os Estados Unidos quando superaram a
Inglaterra como principal potência, tinham planos de acelerar essa
transição de poder por meios militares, invadido, por exemplo, o Canadá,
ou seja, atacando alguns outros países, enfraquecendo a Inglaterra,
caso a Inglaterra não aceitasse o novo líder dos Estados Unidos. Mas, de
fato, a Inglaterra aceitou essa liderança. Agora a gente está em uma
situação parecida, porque a ordem ainda é controlado pelos Estados
Unidos, que dita as regras e normas claramente, todos os conceitos,
ideias que nós temos sobre a Ordem Internacional foram feitas, criadas e
sustentada pelos Estados Unidos. De fato, há uma ordem americana na
qual vivemos que foi criada depois da Segunda Guerra Mundial.
Só
que a China aos poucos está crescendo tanto e não está plenamente
satisfeita com essas regras, quer atuar de maneira mais independente e,
pela primeira vez agora em 100 anos, a gente vai ter de novo uma
transição de poder, porque a China superará a economia americana e
ninguém sabe em que medida a China continua aceitando essa regras dos
Estados Unidos, que já não ocupam esse lugar importante. Isso é um
grande dilema, porque por um lado a China tem muitos benefícios da ordem
atual, livre comércio, proteção militar dos Estados Unidos, que
assegura a segurança das vias marítimas, por exemplo, e ao mesmo tempo a
China não está afim de permanecer dentro de uma ordem controlado pelos
Estados Unidos.
RB - Mas em relação a comparação
específica do ano, 1914 e 2014, há eventos que já aconteceram esse ano
que mostram algum paralelismo?
OS - Não,
na verdade, é mais estrutural mesmo que a gente tem essa paralela da
potência emergente e da hegemônica que está em declínio. Claramente, a
Inglaterra estava em declínio e os Estados Unidos hoje não crescem mais
tão rapidamente, mas a gente tem uma série de outras paralelas. Uma, por
exemplo, é a importância do nacionalismo, que quando a gente olha a
história da Europa daquele ano, a gente vê que o nacionalismo levou os
líderes a tomar decisões muito erradas ao se calcular e isso dificultou o
processo de frear esse processo que parecia quase inevitável, todos os
países entrando no conflito. Então, isso a gente também vê na China,
onde o nacionalismo é utilizado como uma arma para se impor na região.
RB - Vamos falar da China. A ascensão da China e suas aspirações regionais vão gerar muita volatilidade?
OS -A
gente tem que lembrar de uma coisa: a partir de agora a China
representa o principal polo econômico na economia mundial. Então,
qualquer instabilidade política na região da China pode, gravemente,
afetar a economia global. A China estabeleceu uma chamada zona de
identificação de defesa aérea e aumentou essa zona. Agora essa zona
inclui uma série de ilhas que pertencem oficialmente ao Japão.
A China
também disse que essas ilhas na verdade fazem parte da China. Então,
existe lá um potencial conflito e quando a China anunciou essa zona os
Estados Unidos entraram com aviões nessa zona para mostrar que de fato
isso é um ato ilegal, mesmo assim, em uma situação de tensão, isso pode
ser visto como uma agressão militar americana contra a China. Então,
mesma essa possibilidade aumenta o risco político, aumenta o risco para
investidores, então o fato da gente ter um deslocamento de um centro
econômico mundial de uma zona pacífica dos Estados Unidos e Europa para
uma região de um possível conflito, sim aumenta claramente a
volatilidade.
RB – Vamos falar dessas ilhas. Colocando na
balança todo o comércio que China tem com os EUA, toda a relação de
capitalismo que existe os dois países, e, colocando de outro lado essas
ilhas, que podem, e tem um sentido simbólico para a China, a primeira
coisa não pesa mais que a segunda?
OS -Foi
exatamente isso que todo mundo pensava há 100 anos. Existe um livro que
se chama " A Grande Ilusão da Época", que mostrava um pouco que a elite
global pensava que um conflito entre a Inglaterra e a Alemanha era
impensável, porque eram os dois países mais integrados comercialmente.
Ou seja, o comércio, as elites econômicas dependiam um do outro. Os
filhos da liderança política alemã estudavam em universidades
britânicas, ou seja, havia uma conexão cultural muito forte. Da mesma
maneira também existe um comércio muito forte entre a China e os Estados
Unidos, entra a China e o Japão, mas a história nesse sentido nos
ensina que o comércio não é garantia que possa assim assegurar que não
aja um conflito. É justamente nisso onde o nacionalismo entra. Um
conflito em uma guerra pode ser, sobretudo em um país autocrático como a
China, utilizado como um pretexto para desviar a atenção pública, que
está focada, por exemplo, em corrupção, em problemas ambientais, em
crescimento baixo.
Então, existe uma possibilidade em um cenário
real de que a China, em algum momento, para fortalecer o nacionalismo,
unir o povo e reduzir a crítica ao governo, de fato, lançar um pequeno
conflito, que depois pode virar algo muito maior. É inacreditável
quantas vezes eu conversei com pessoas intelectuais da China, com
pessoas com ótima formação e etc. que falavam que, de fato, é
inaceitável para a China ceder essas ilhas ao Japão e também lembrando
que o fato de ceder essas ilhas para o Japão pode causar outras
rebeliões, em outras regiões da China como o Tibete, como Xingjian, que
de fato pode pôr em perigo todo a grande narrativa da união territorial
da China.
RB - A China está no meio de uma desaceleração
do crescimento. Como é que o crescimento econômico na China se relaciona
com a estabilidade do regime lá?
OS - O
governo chinês, o partido comunista, concentra todo o poder político e o
cidadão chinês, neste momento, não tem nenhum direito político porque o
consenso é que o sistema político autocrático atual é a melhor maneira
de assegurar um alto crescimento econômico. Isso quer dizer que um
cidadão chinês aceita a legitimidade do partido comunista só se, de
fato, esse partido consegue entregar esse autocrescimeto que tem tirado
milhões e milhões de pessoas da pobreza. Ou seja, a gente viu o maior
programa de redução de pobreza na história da China, com mais de 110
milhões de pessoas entrando na classe média.
RB - Não nos dão liberdade, mas nos alimentam.
OS - Exatamente!
E nos alimentam muito bem, ou seja, realmente houve uma transformação
inédita da sociedade chinesa ao longo das últimas décadas. Agora, se o
crescimento chinês ficar mais baixo, a gente está falando mais ou menos
de uns cinco ou seis por cento eu acredito que haverá muito mais
protesto, muito mais vontade do povo de desafiar essa legitimidade
porque acredita que o partido não consegue mais assegurar o
autocrescimento. Isso claramente pode levar a instabilidade política e a
China tem esse histórico, de muitos protestos e isso afetará claramente
ao desempenho econômico do país.
RB - É possível para o regime, sabendo dessas tensões, fazer a engenharia de um crescimento maior, mesmo que com mais inflação?
OS - Existem
vários projetos e tentativas do governo mostrar que controla a
situação. Eu acho que não, em relação a sua pergunta em relação à
inflação, eu acho que a moeda chinesa é vista também como um símbolo de
poder e cada vez mais a China tentará institucionalizar o yuan como
moeda global.
A gente vê que agora, em alguns países africanos, a
moeda chinesa já é a moeda oficial. A gente viu no Zimbábue, por
exemplo, que adotou na semana passada o yuan como uma das moedas
oficiais, então a China tentará aos poucos convencer outros países a
adotar a moeda de câmbio. Então, eu acho que não.
Acho que o partido
tentará, por meio de reformas, manter alta a competitividade da economia
chinesa e também de fortalecer o consumo interno, porque a China já não
é aquela potência das últimas décadas que só consegue crescer
exportando.
RB - Fale um pouco sobre a
influência da China na África. A gente ouve falar aqui e ali, mas você
pode dar um quadro mais consolidado?
OS - A África tem sido um
continente um pouco esquecido pelas grandes potências nos anos 90. Os
Estado Unidos, por exemplo, enxergavam a África não como uma
oportunidade, mas como um país que precisava de ajuda. Então, toda a
maneira como a Europa e os Estados Unidos enxergavam a África era para o
meio desse filtro de que é uma região pobre que precisa de ajuda. Isso
é, claramente, percebido pelos líderes africanos e a China percebeu
isso. Enxergou que a África, hoje em dia, é a última fronteira na
economia global e, de fato, na última década é o continente que mais
cresceu. Alguns países crescem a taxas anuais de mais de 10%, como a
Angola, por exemplo. E a China começou a investir no continente de
maneira sistemática, tanto que hoje a maioria dos países africanos têm a
China como principal parceiro comercial.
RB - Mas o viés principal desse investimento é busca de garantia de fornecimento de matéria prima?
OS - Principalmente
sim, mas a gente deve lembrar que a Europa e os Estados Unidos também
utilizavam a África assim. Em alguns países, até os investimentos
chineses são mais diversificados. Na Nigéria, por exemplo, onde a Europa
tem uma longa história de investir em petróleo e recursos naturais, a
China hoje em dia controla setores como o de telecomunicação. Então,
isso mostra que a imagem que a gente tem da China na África nem sempre é
correta. Nem sempre a China apenas entra na África para roubar os
recursos naturais mas, de fato, a China, cada vez mais, tenta mostrar
aos cidadãos africanos de que sua influência é positiva, porque em
vários países a gente viu protestos contra a China, e como a China se
interessa pelo desenvolvimento, pela parceira a longo prazo entende,
claramente, que uma presença sem aprovação pública é insustentável.
Agora,
uma coisa muito interessante é que cada vez mais líderes africanos
enxergam a China como modelo econômico e social e não mais os Estados
Unidos. Então, na África, pela primeira vez, a gente vê sociedades
inteiras começam a se reorientar e já não olham os Estados Unidos como
uma sociedade modelo. Qualquer país em desenvolvimento queria, no fundo,
ficar mais parecido com os Estados Unidos, mais parecidos com países
europeus, e agora a gente tem vários presidentes que dizem claramente:
"Nosso modelo é a China porque a China cresce mais rapidamente, consegue
implementar projetos de infraestrutura com muito mais rapidez." Então, a
gente vê lá não só uma mudança econômica, mas também uma mudança na
liderança sociocultural também.
RB - Que países tem dito isso mais abertamente?
OS - Ruanda,
por exemplo, é um país que se desenvolveu rapidamente nos últimos anos,
que não é um país democrático, quer dizer, que não tem uma democracia
muito vibrante, porque tem um presidente com tendências autocráticas.
Mas é claro que olhando, por exemplo, um país como a China e comparando
isso com um país como a Índia, todos os observadores enxergam que a
China consegue, de fato, implementar, por exemplo, projetos de
infraestrutura com muito mais facilidade do que a Índia, por exemplo,
porque, como país democrático, precisa consultar representantes dos
moradores, é possível entrar na justiça contra o Estado, o que atrasa o
projeto. A gente vê o mesmo aqui no Brasil, não é? Então, isso é uma
preocupação muito importante, porque isso tem também implicações
importantes para o futuro da democracia. A gente, pela primeira vez, vai
ter uma país como principal economia do mundo que não é uma democracia.
Isso pode fazer com que líderes de países africanos, e também líderes
em outras regiões do mundo, considerarem que o modelo chinês é algo mais
desejável do que o modelo americano.
RB- Você mencionou Ruanda. Qual é a lista dos países na África, hoje, onde a China exerce maior influência?
OS - A
China já tem um grupo muito grande de países onde a China é o principal
ator. A gente tem como grande exemplo o Sudão, que é um dos principais
fornecedores de petróleo. A China teve uma grande papel em proteger o
líder, o presidente do Sudão, Al-Bashir, durante o genocídio que
aconteceu no Sudão.
A China, protegendo esse líder que a
comunidade internacional tentou isolar, o país sofreu sanções
internacionais, mas conseguiu se manter por causa da ajuda chinesa. Isso
é um exemplo. Outro exemplo: África do Sul e, como consequência, alguns
anos atrás, o Dalai Lama tentou visitar a África do Sul para participar
de uma conferência de paz, para encontrar com seu grande amigo Nelson
Mandela, e o governo sul-africano não deu visto para o Dalai Lama por
pressão chinesa. Então, esses são pequenos exemplos que a gente já vê
uma...
RB - Pequenos grandes exemplos.
OS - Pequenos
grandes exemplos, mas são coisas do dia a dia na qual, por exemplo,
quase nenhum país africano, hoje em dia, reconhece Taiwan, porque isso
também pode... Nenhum líder pode receber o Dalai Lama porque ele
representa uma ameaça. Então, são muitos países. Eu diria que, a longo
prazo, todos os países africanos terão uma relação política e econômica
mais importante com a China do que com os Estados Unidos.
RB - Vamos falar sobre a internet e a China. Como é que a internet tem mudado a política interna na China, se é que tem?
OS - Interessante
é notar que dez anos atrás, quando a internet começou a chegar nos
países em desenvolvimento, e começou de fato criar uma comunidade global
que deixava as pessoas de países diferentes se comunicarem e etc.,
havia uma crença de que a internet poderia ser utilizada como ferramenta
para expandir a zona da paz, para promover a liberdade, a democracia, a
liberdade de expressão, a imprensa livre e o debate livre, porque a
internet não respeita fronteiras, achava-se até essa época. Não se
precisa mais de um visto, por exemplo, para conversar com pessoas de
outros países pela internet. Então, como consequência, a internet também
foi vista como uma possibilidade de democratizar a China, de informar a
sociedade chinesa sobre a situação no mundo, de realmente enfraquecer a
capacidade que o Estado chinês tinha de isolar os próprios cidadãos.
O
que a gente vê agora é que a China, de fato, conseguiu controlar a
internet. A internet não conseguiu controlar a China, porque a China
emprega mais de 100 mil pessoas que passam o dia inteiro “surfando” na
Internet, olhando sites, bloqueando sites, atualizando... Mais de 100
mil pessoas sendo empregadas pelo governo chinês apenas na questão de
apagar sites da internet dentro da China. Ou seja, que passam o dia
inteiro checando informações que estão sendo publicadas.
RB - O seu blog sobre política externa, um chinês consegue ler?
OS - Não consegue ler. Conseguia ler até eu resenhar um livro sobre a história do partido comunista que é proibido na China.
RB - É proibido fazer resenhas sobre o partido?
OS
- O livro é proibido porque contém partes críticas. Não é um partido
democrático. Fala de brigas dentro do partido, e a imagem que o partido
comunista quer dar ao cidadão é que só existe uma opinião, não existe
briga interna no partido, que é tudo um processo harmônico e
democrático. No mesmo dia em que eu publiquei a resenha, de fato, o site
saiu do ar. Isso é algo natural. Isso é interessante como a China
conseguiu se manter. A gente tinha essa expectativa de que com a
globalização tecnológica a China ia se democratizar e se adaptar a essa
nova realidade, mas, de fato, não foi o que aconteceu.
RB - Na
questão síria, há a Rússia, que impede que os EUA obtenham um consenso
na comunidade internacional para uma ação mais decisiva contra o regime
Assad. A minha pergunta é: o Presidente Putin representa hoje um
problema para a paz e para a governança global?
OS - Por
um lado, claramente, a posição russa não tem sido muito construtiva na
questão de como solucionar o conflito na Síria. Ao mesmo tempo, a gente
precisa tomar cuidado, porque o plano americano de intervir na Síria,
fortalecer os rebeldes e de derrubar o governo Assad implica em um risco
muito grande porque, de fato, os Estados Unidos invadiram o Iraque,
também um país muito fraturado, pulverizado e com muitos grupos que não
conseguem estabelecer um consenso nacional sem um ditador.
Então
eu acho que existia naquela época, nos dias antes da intervenção, uma
pergunta muito importante que os Estados Unidos nunca conseguiu
responder de maneira satisfatória: o que havia depois? Os Estados Unidos
intervêm, satisfazem, talvez, uma demanda internacional e depois o que
vai acontecer? A gente vê agora, por exemplo, 10 anos depois da
intervenção americana no Iraque, que o país não é um país democrático,
não é um país pacífico e iraquianos morrem todos os dias em ataques
terroristas. Então, não se sabe, claramente, se, de fato, a intervenção
russa teve um impacto negativo ou positivo.
RB - Mas isso aí
parece que leva um corolário, que seria o seguinte: se a comunidade
internacional não sabe o que colocar no lugar, é melhor deixar o ditador
de plantão lá.
OS - Bom, não temos uma
boa solução, não é? A saída do ditador Assad é desejável simplesmente
porque ele é o principal responsável pela morte de mais de 100 mil
pessoas. Ao mesmo tempo, existe também a possibilidade de que a gente
precise reconhecer que, caso o Assad saia do poder, a Síria pode virar
um país muito mais radical, governado por radicais que tem como visão
estabelecer um governo parecido com aquele que governou o Afeganistão na
época do Talibã, que também não é desejável.
Então, realmente, e
infelizmente, agora a gente não tem uma possibilidade, ou uma saída
perfeita. A minha expectativa é que o Assad seguirá no poder, que ele
será crucial, por incrível que pareça, no processo de paz e que isso
fortalecerá muito a posição estratégica do Irã e Rússia na região que
conseguiram apoiar e manter um dos principais aliados na região, apesar
de que um ou dois atrás tudo indicava que ele tinha que sair do poder e
tinha seus dias contados.
RB - E, com
certeza, os republicanos vão estar falando disso daqui a dois anos em
uma campanha eleitoral, dizendo que o Obama fracassou.
OS - Exatamente.
RB - O
novo presidente do Irã [Hassan Rohani] tem tido toda uma retórica de
paz e amor. As grandes potências estão comprando essa retórica? E você,
acredita?
OS - É interessante que o
presidente iraniano utilizou o encontro em Davos como plataforma para
apresentar a nova narrativa de que o Irã gostaria de se integrar na
comunidade internacional como um ator responsável, que procura a paz, a
resolução pacífica das tensões e conflitos, etc. Isso é um passo
importante, mas ele é só um primeiro passo. Ao mesmo tempo, eu acredito
que existe uma pressão pública no Irã. Faz um tempo que passei algumas
semanas no país em 2007, mas, já naquela época, sentia também um cansaço
entre a população iraniana que sofre muito com as sanções econômicas.
Então, eu acho que existe uma vontade política real no governo iraniano
de se reintegrar na comunidade internacional. Agora, ao mesmo tempo, é
difícil prever em que medida os Estados Unidos aceitarão essa
reintegração e se eles aceitarão que o Irá manterá capacidade, pelo
menos, de desenvolver a tecnologia nuclear, não é?
A grande
estratégia americana ao longo das últimas décadas tem sido de evitar,
sempre, ascensão de uma potência hegemônica regional. O Irã tem um
chance real de virar essa potência hegemônica regional se ele se
reintegrar na economia global. É o principal país da região que pode
exercer muita influência no oriente médio, o que é um problema para o
principal aliado dos Estado Unidos, que é a Arábia Saudita. Então, não
só é uma questão, vamos dizer, da atividade nuclear do Irã, mas também
uma questão de se os Estados Unidos consegue se adaptar a essa nova
realidade de uma Irã integrado.
RB - É possível que a tensão que
havia sob o presidente anterior [Mahmoud] Ahmadinejad fosse apenas uma
questão de estilo, porque ele era um populista, que ele era um
boquirroto e isso exacerbou tensões que, na verdade, os aiatolás são
menos extremistas do que ele?
OS - Sim,
teve um papel muito importante, sobretudo porque piorou muito a relação
entre Irã e Israel, que é um principal aliado americano também, e que
exerce uma grande influência sobre a atuação americana no Oriente Médio.
Então, sim, o estilo é importante. Acho que não é só o estilo, o
governo iraniano terá que fazer concessões reais agora. Não é só uma
mudança de estilo. Precisa fazer concessões comprováveis, tangíveis e
reais para convencer, não só os Estados Unidos, mas também a comunidade
internacional de que o país, de novo, deveria fazer parte da comunidade
internacional.