Atuação:
Consultoria multidisciplinar, onde desenvolvemos trabalhos nas seguintes áreas: fusão e aquisição e internacionalização de empresas, tributária, linhas de crédito nacionais e internacionais, inclusive para as áreas culturais e políticas públicas.
Direitos
difusos são aqueles que pertencem à coletividade, a um grupo
indeterminado de pessoas ligadas por uma circunstância, como
consumidores afetados por um cartel ou indígenas que tiveram suas terras
atingidas por barragens. As condenações por violações a esses direitos,
no Brasil, resultam no pagamento de indenização ao Fundo de Defesa dos
Direitos Difusos. No entanto, o valor arrecadado, que deveria servir
para a reparação dos danos, tem sido usado para a União para inflar a
conta do superávit primário.
Kittichai Songprakob/123RF
Levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico
mostra que o Fundo recebeu R$ 1,9 bilhão nos últimos sete anos, mas
menos de 3% disso foram aplicados nos fins determinados em lei. O
dinheiro quase todo foi para os cofres da União, pela porta dos fundos.
Só
em 2016, R$ 775 milhões chegaram ao Fundo. O dinheiro vem
principalmente das multas aplicadas pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) a empresas condenadas por formação de cartel,
tendo origem também em condenações em ações civis públicas de
responsabilidade por danos ao meio-ambiente, ao consumidor e aos
investidores no mercado de valores mobiliários, por exemplo.
O
Fundo pertence ao Ministério da Justiça e é gerido pelo Conselho Federal
Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Na lei, seu objetivo
declarado é “a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros
interesses difusos e coletivos”.
Essa “reparação” deveria ser
feita por meio de projetos (selecionados a partir de editais). Em 2016,
oito projetos foram escolhidos e receberam R$ 2,2 milhões (clique aqui para conhecê-los).
Isso significa que, levando em conta a arrecadação total, só 0,3% da
verba foi usada para os fins previstos na lei. Descontando ainda o
dinheiro usado para a manutenção do conselho gestor do fundo, “sobraram”
mais de R$ 770 milhões, que viraram superávit primário, o resultado de
todas as receitas do governo antes do pagamento da dívida pública.
O ex-presidente do conselho gestor do Fundo Fabrício Missorino Lázaro
conta o que é feito com esse dinheiro: os valores que não são aplicados
nos projetos nem compõem os gastos de custeio da secretaria-executiva
do conselho. Vão para o orçamento geral do Ministério da Justiça, “que
detém autonomia tanto para a liberação de recursos ao Conselho como para
o redirecionamento dos recursos não utilizados a outras pastas que
compõem o ministério”. Ou seja, o Ministério da Justiça faz o que quiser
com a quantia.
Valores do FDD (em milhões de reais)
Ano
Arrecadação
Valor usado pelo Fundo
2010
30,8
7,9
2011
41,4
8,9
2012
57,0
5,5
2013
120,2
3,6
2014
192,3
6,3
2015
563,3
3,8
2016
775,0
2,4
2017*
117,6
indisponível
Total*
1.897,6
38,4
* Valor apurado em março de 2017.
O jurista Lenio Streck, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, após analisar o levantamento dos números feito pela ConJur,
afirma: “O Ministério da Justiça deve muitas explicações”. “Temos
tantas controladorias, procuradorias, tribunais de contas de tudo que é
tipo e mesmo assim dão o drible da vaca na lei”, reclama.
O professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo Fernando Facury Scaff
explica que a “permissão” para não usar o dinheiro para os fins a que o
fundo se destina está no tortuoso artigo 9º da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar 101/2000). Pela norma, o Poder Executivo pode
represar a previsão de gastos a fim de que sejam cumpridas as metas de
superávit primário. Assim, basta alegar que o dinheiro é necessário para
cumprir as metas para destinar ao FDD uma quantia ínfima do que é
arrecadado.
Portas dos fundos
Fabrício Lázaro afirma que o FDD não é o único fundo a não aplicar o
dinheiro arrecadado nas ações previstas em lei, lembrando questão
recentemente enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao
Fundo Penitenciário (Funpen). A corte proibiu o contingenciamento do
dinheiro do fundo e obrigou o governo a usá-lo na melhoria do sistema
carcerário, conforme manda a lei.
A decisão do Supremo é de
setembro de 2015. Em dezembro de 2016, o presidente Michel Temer
autorizou, em medida provisória, o primeiro descontingenciamento do
dinheiro do Funpen. Mas em "políticas de redução da criminalidade",
"inteligência policial" e outras atividades sem ligação direta com o
sistema penitenciário.
E a lista de fundos é longa, com
arrecadações variadas e missões que dificilmente ocupam seu orçamento,
como é o caso do Fundo Nacional do Meio Ambiente, do Fundo Nacional dos
Direitos da Mulher, do Fundo Nacional de Segurança Pública, do Fundo
Nacional da Criança e do Adolescente e do Fundo Nacional Anti-Drogas.
Nesses
casos, bem como no FDD, a Lei Orçamentária Anual já traz o valor a ser
destinado ao fundo e apenas essa quantia chega à conta gerida pelo
conselho responsável por aplicar o dinheiro para os fins previstos por
lei. A maior parte da verba sequer chega à conta.
Teresa Liporace,
gerente de projetos do Instituto de Defesa do Direito do Consumidor
(Idec) e conselheira suplente do conselho gestor do Fundo de Defesa dos
Direitos Difusos, afirma que o contingenciamento é pauta constante das
reuniões do conselho, mas não há nenhuma sinalização de mudanças.
“Quando é solicitada liberação de parte dos recursos da Reserva de
Contingência prevista no orçamento do FDD, a Secretaria de Orçamento
Federal (vinculada ao Ministério do Planejamento) nega”, conta.
Juízes do próprio jogo
Pelo menos três vezes nos últimos sete anos o Fundo financiou projetos
das próprias entidades que ocupam ou ocuparam cadeiras no conselho que
decide onde aplicar as verbas. Juntas, elas abocanharam R$ 1,6 milhão.
Formação do Conselho
Gestor do FDD
Um representante da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça (Presidente)
Um representante do Ministério do Meio Ambiente
Um representante do Ministério da Cultura
Um representante do Ministério da Saúde, vinculado à área de vigilância sanitária
Um representante do Ministério da Fazenda
Um representante do Cade
Um representante do MPF
Três representantes de entidades civis:
- Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor;
- Instituto “O Direito Por Um Planeta Verde”; e
- Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor
O
conselho é formado por representantes do Ministério Público Federal e
das pastas da Justiça, Meio Ambiente, Cultura, Saúde e Fazenda. Além de
um representante do Cade. O conselho gestor conta também com três
cadeiras para representantes de entidades civis, atualmente ocupadas
pelo Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor; pelo
Instituto O Direito Por Um Planeta Verde; e pelo Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Os dois últimos têm em
comum terem sido fundados e presididos pelo ministro Herman Benjamin, do
Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral.
Em
2012, o Instituto O Direito Por Um Planeta Verde ganhou R$ 398 mil do
fundo para tocar um projeto com uma descrição bastante complicada:
“Divulgar o pagamento por serviços ambientais – PSA como um mecanismo de
conservação ambiental; sistematizar experiências e avaliar o estado de
implementação e a efetividade das sete normas estaduais que estabelecem o
PSA no país (biodiversidade e retenção de carbono), aprovadas até o
final de 2010 (AM, AC, ES, MG, SC, PR e SP), de forma a permitir uma
avaliação crítica sobre a aplicação deste novo instrumento e, assim,
contribuir para o aperfeiçoamento normativo em todas as esferas da
federação”.
O caso não é exceção. O Idec, que também já teve
assento no conselho gestor do fundo, conseguiu ter projetos financiados
pelo FDD em 2015 e em 2011. No mais recente, obteve R$ 443 mil para
criar uma “ferramenta web” de educação, informação e orientação ao
consumidor. Já há seis anos, R$ 434 mil foram pagos para que a entidade
desenvolvesse o projeto denominado “promoção da tutela do consumidor
pelas agências reguladoras através da disseminação de informação e de
direitos relacionados a produtos e serviços regulados aos cidadãos”.
Feliz aniversário
O próprio Cade, que é parte do conselho e responsável por angariar a
maior parte da receita do fundo, já conseguiu R$ 405 mil para um projeto
de comemoração dos 50 anos da entidade, em 2012. A finalidade era
organizar a semana comemorativa pelo aniversário do Cade, “divulgando
para a sociedade a importância do trabalho desenvolvido pela autarquia
para a proteção do ambiente concorrencial e da ordem econômica, com
vistas a garantir o adequado funcionamento dos diversos mercados”.
Representantes
das entidades afirmam que, como as regras dos editais de seleção de
projetos são claras, qualquer um dos entes participantes do conselho
pode apresentar projetos e disputar com os outros interessados. Além
disso, a prestação de contas de cada projeto é feita ao Fundo
rigorosamente, sob pena de ter que devolver o dinheiro, contam.
“Para
garantir que não haja qualquer conflito de interesse, é prática
recorrente no Conselho do FDD que o proponente não seja relator nem vote
projetos de seu interesse”, afirmou o Cade, por meio de sua assessoria
de imprensa, à ConJur.
Sobre o projeto financiado, o Cade conta que, com o dinheiro, lançou uma campanha publicitária e um hotsite
para disseminação da importância da proteção do ambiente concorrencial e
da ordem econômica; promoveu uma cerimônia comemorativa e um seminário
sobre defesa da concorrência, além de publicar o livro Cade 50 Anos, em formato impresso e digital, que registra a evolução da defesa da concorrência no Brasil.
O presidente do Instituto O Direito por um Planeta Verde, José Rubens Morato Leite,
afirma que o estudo financiado com a verba do fundo serviu para dar
subsídios para um marco regulatório nacional sobre o “pagamento por
serviços ambientais”. Partes da pesquisa já foram publicadas e podem ser
vistas no site do instituto. Além disso, conta, as análises dos dados levantados pela ONG foram usadas em diversos outros estudos.
Já
Teresas Liporace, do Idec, afirma que a ONG quase não tem recursos
oriundos de convênios com governo federal, porque a execução e o uso dos
recursos são feitos por um sistema (Siconvi) que requer muito
conhecimento específico e muitas horas de dedicação para operá-lo.
Ela explica o que foi feito nos dois projetos que foram financiados pelo FDD listados pela ConJur:
O de 2011 “oportunizou ao Idec desenvolver e manter o banco de
regulação, informando a todo o SNDC sobre a publicação de uma nova
consulta pública e incentivando a participação dos seus membros com o
envio de contribuições às agências reguladoras”. Já o aprovado em 2015
teve a execução iniciada em janeiro de 2016, com término previsto para
junho deste ano. O principal produto será um portal com ferramentas de
informação, orientação e autoconsulta, incluindo cursos gratuitos para o
consumidor.
O ano do MP
Já 2016 parece ter sido o ano do Ministério Público no FDD. Projetos do
MP em três estados ficaram com mais de metade do valor destinado a
projetos pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. De R$ 1,9 milhão, R$
384 mil foram para o Ministério Público da Bahia, em um projeto para
“melhorar a prestação do serviço de fornecimento de água para os
consumidores baianos”.
Outros R$ 347 mil aportaram no MP do
Distrito Federal, para implantar o núcleo de geotecnologia na Secretaria
de Perícias e Diligências. Já o Ministério Público do Acre ganhou R$
271 mil para financiar “campanhas educativas para informar o consumidor
sobre o consumo sustentável e a importância da alimentação saudável e do
consumo seguro de alimentos”.
Antes de 2016, a última aparição de
projetos do MP financiados pelo fundo havia sido em 2010, quando o
MP-AC conseguiu ter outras duas ações selecionadas. O órgão recebeu R$
195 mil para combater a poluição hídrica e R$ 146 mil garantir
informação complementar sobre a fauna de mamíferos silvestres do estado a
alunos de rede pública de Rio Branco.
Vale notar que o MP é o
principal autor das ações civis públicas, de onde vem grande parte da
arrecadação para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Projetos mais caros financiados pelo FDD, por ano
Ano
Valor solicitado
Interessado
Descrição do projeto
2016
R$ 384.000
Ministério Público da Bahia
Melhorar
a prestação do serviço de fornecimento de água para os consumidores
baianos, no que tange a qualidade e continuidade do abastecimento.
2015
R$ 443.750
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC
Estruturação
de uma ferramenta web de educação, informação e orientação ao
consumidor para contribuir para a redução da assimetria de informações
nas relações de consumo.
2014
R$ 443.750
Instituto de Pesquisa Ecológicas – IPÊ/SP
Promover
a disseminação da cafeicultura orgânica através da implementação de
ilhas de agrobiodiversidade (café com floresta) em assentamentos rurais
da reforma agrária no Pontal do Paranapanema, Estado de São Paulo.
2013
R$ 443.379
Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor
Fortalecimento do Movimento Civil de Defesa dos Consumidores no Brasil.
2012
R$ 539.555
Secretaria de Governo do Mato Grosso do Sul
Formar
brigadistas voluntários em técnicas de combate a incêndios florestais,
fazer uma campanha educativa e fortalecer a Coordenadoria Estadual de
Defesa Civil do Estado de Mato Grosso do Sul.
2011
R$ 588.091
Ecoa - Ecologia & Ação - MS
Promover a Melhoria na Saúde dos Povos Indígenas do Vale do Javari.
2010
R$ 348.640
Casa Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro
Preservação dos acervos das Casas de Detenção do Rio de Janeiro e Niterói existentes no Arquivo Público do Estado.
Basta
ler o jornal para entender que o Supremo Tribunal Federal tornou-se o
centro de qualquer decisão política importante no Brasil. E a corte tem
usado isso para, pouco a pouco, mudar e abolir trechos da Constituição
brasileira, mesmo que essa não seja sua função, afirma o jurista Carlos Blanco de Morais, professor catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, em Portugal.
O STF é uma corte constitucional sem paralelo entre as demais, disse, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.
E o jurista é claro ao analisar a movimentação recente do tribunal: “O
Supremo não tem hesitado em derrogar tacitamente a Constituição”.
Blanco
de Morais dá alguns exemplos. Quando a corte declarou constitucional a
equiparação da união entre duas pessoas do mesmo sexo à união estável,
“produziu uma mutação constitucional que não se amparou na letra da
Constituição”.
O professor critica ainda o controle de
constitucionalidade de projetos de lei, especialmente quando feito em
decisões monocráticas, por meio de mandados de segurança. "O STF
autoinvestiu-se de imenso poder de travagem de emendas que possam afetar
os seus próprios poderes."
Mas nada acontece sem suas
contrapartidas, especialmente na disputa por espaços. “Sendo um tribunal
de alto nível e com uma maioria de magistrados de grande saber e
ponderação, será de questionar qual o preço a pagar por uma corte
constitucional que se tornou a mais poderosa do mundo à custa do
enfraquecimento dos demais poderes e de uma certa nominalização da
Constituição”, provoca Blanco de Morais.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor disse que o STF brasileiro é a corte constitucional mais poderosa do mundo. O que quis dizer com isso? Carlos Blanco de Morais — O STF é uma corte
constitucional sem paralelo entre as demais. O Supremo não tem hesitado
em derrogar tacitamente a Constituição através de mutações
constitucionais de natureza jurisprudencial, como decorre da ADPF 132 e ADI 4.277, sobre a união homoafetiva.
ConJur — Por quê? Blanco de Morais —
O STF produziu uma mutação constitucional que não se amparou na letra
da Constituição, não se fundou numa interpretação conforme tecnicamente
correta, como decorre do voto do ministro Gilmar Mendes, nem revelou
grande consistência sob um ponto de vista jurídico-dogmático — os
princípios constitucionais não derrogam regras com o mesmo valor, por
força do principio da especialidade.
A consagração da mesma solução por
via de uma emenda constitucional teria sido a solução mais harmônica com
a Lei Fundamental. O resultado não deve ser criticado, mas
eventualmente o meio, que abre precedentes para outras mutações mais
problemáticas que possam afetar os poderes do Estado ou direitos de
liberdade, como o direito à vida.
ConJur — Depois ainda houve a equiparação da união estável ao casamento. Blanco de Morais — Pareceu-me
incompreensível, já agora, que o Conselho Nacional de Justiça, um órgão
administrativo, tenha legislado materialmente “de fato”, admitindo a
validade do casamento entre pessoas do mesmo sexo sem que houvesse
reação judicial. Se em Portugal o Conselho Superior da Magistratura, ao
qual pertenci, tivesse tomado a mesma atitude haveria um terremoto
político com apelos imediatos à renúncia dos membros. Seguramente que a
sua decisão seria cassada pelo tribunal competente.
ConJur — Na mesma palestra, o senhor falou do controle de constitucionalidade de emendas constitucionais. Blanco de Morais — No
que concerne ao exercício do próprio poder de emenda constitucional que
alguns qualificam de poder constituinte derivado, o STF já julgou a
inconstitucionalidade de diversas emendas — por exemplo, a Emenda
41/2003 — com base na violação de direito adquirido. Mas, sem amparo
explícito na Constituição, algumas decisões monocráticas do STF
ensaiaram uma espécie de controle preventivo de emendas constitucionais
em formação. Veja o que ocorreu no Mandado de Segurança 20.257, no qual
foi admitido que os parlamentares poderiam impetrar mandado desta
natureza que impedisse a tramitação, no Congresso, de processos de
emenda constitucionais que não observassem cláusulas pétreas —
interpretadas de forma elástica. O STF autoinvestiu-se, assim, de um
imenso poder de travagem de emendas que possam afetar os seus próprios
poderes.
ConJur —Isso é visto também no controle de omissões legislativas? Blanco de Morais —
O STF assumiu poderes substitutivos ao legislador quando há omissões em
matéria de direitos fundamentais, por exemplo, ao interpretar os
mandados de injunção 712-8 e 708. O Supremo mandou aplicar aos
servidores públicos a lei da greve dos trabalhadores do setor privado,
com alterações introduzidas pelo próprio STF. Criou-se, na linha de
pensamento de Levi do Amaral, uma verdadeira medida provisória do
Judiciário. Paralelamente, o STF criou, através das súmulas vinculantes
de natureza mais inovadora, por exemplo, no caso da lei das algemas,
verdadeiras normas primárias com eficácia análoga à da lei. Alguns
juízes do STF não se refrearam em alterar a lei, mediante decisão
monocrática, como no caso do HC 124.306, quando o ministro Luís Roberto
Barroso se substituiu ao Congresso, descriminalizando o aborto que ocorra até ao terceiro mês de gestação, prazo que fixou discricionariamente como se tratasse de um legislador do Congresso Nacional.
ConJur —A defesa de alguns ministros é de que o Supremo é um tribunal também político, por ter o papel de interpretar a Constituição. Blanco de Morais — No próprio exercício da função política, o STF regulamentou o rito do processo de impeachment.
Por outro lado, mediante decisão monocrática de um ministro, que depois
foi revogada pelo Plenário, tentou destituir o presidente do Senado. O
Supremo, também por força do efeito vinculante das suas decisões em
controle abstrato, condiciona e orienta a ação dos tribunais comuns e
superintende a administração pública. Mediante reclamação, o STF pode
cassar sentenças e invalidar atos administrativos que se afastem do
fundamento determinante das suas decisões.
ConJur — Isso quer dizer que o Supremo virou um superpoder? Blanco de Morais — Como
revelou o “caso dos precatórios”, o STF pode até substituir-se a Deus e
à dogmática jurídica, julgando normas inconstitucionais e depois
repô-las em vigor quando se percebeu a existência de certos efeitos
indesejáveis. Sendo um tribunal de alto nível e com uma maioria de
magistrados de grande saber e ponderação, será de questionar qual o
preço a pagar por uma corte constitucional que se tornou a mais poderosa
do mundo à custa do enfraquecimento dos demais poderes e de uma certa
nominalização da Constituição. Algum “diálogo” com o Congresso, mediante
a aprovação de leis e emendas que procedam ao overruling de algumas decisões do STF e algum selfrestraint num período delicado da vida nacional ajudariam a poupar o STF da fogueira das tensões políticas.
ConJur —Na
época da crise de Portugal, o Tribunal Constitucional acabou conhecido
por ter produzido uma "jurisprudência de crise", que teve repercussões
até no Brasil. O que o senhor acha desse tipo de interferência da corte
constitucional em matéria econômica? Quais foram os resultados dessas
intervenções? Blanco de Morais —
O Tribunal Constitucional, não tendo sido ativista, exibiu poder, tomou
consciência do fato de que teria a última palavra sobre a validade das
políticas públicas do legislador e transformou-se num ramo do poder
“moderador”, partilhando-o com o presidente da República. Mas esse
ciclo aparentemente terminou.
ConJur — Moderador em que sentido? Blanco de Morais — Como
a Constituição não prevê um estado de necessidade financeira, o
Tribunal passou a assumir o domínio da definição de exceção financeira, a
estabelecer os critérios da sua admissibilidade e até a fixar as regras
sobre a sua duração, criando a cláusula da transitoriedade
temporalmente delimitada. Com base nestes critérios, associados às
medidas de valor da igualdade, proporcionalidade e tutela da confiança, o
Tribunal vetou importantes reformas do governo, que a dado passo quase
ficou à sua mercê. Só que, finalizada a exceção financeira e mudado o
ciclo político, o Tribunal cessou também, por ora, as suas funções
transitórias ou excepcionais de poder moderador supletivo.
ConJur —A conduta do Tribunal foi correta? Carlos Blanco de Morais — De modo geral, o Tribunal
Constitucional censurou, e bem, algumas medidas mal concebidas
juridicamente, dotadas de um rigor desnecessário, mal calibradas no
plano da sua conformidade com os critérios da igualdade e necessidade, e
inaceitáveis à luz da tutela da confiança — figura próxima ao direito
adquirido brasileiro. Algumas medidas partiam de uma lógica financista
estreita, muito típica em Portugal, nos termos da qual, perante
exigências de equilíbrio nas contas públicas, a Constituição deve
considerar-se como que tacitamente suspensa, por força de um estado de
necessidade implícito.
ConJur — Como isso foi resolvido? Blanco de Morais — Encontrava-me
então na Presidência da República e intervi na preparação de diversos
pedidos de controle dessas leis sobre as quais o Presidente tinha
dúvidas. Pesa ainda o fato de a maioria governatista
ser da mesma linha política da maioria presidencial. O fato é que o
cancelamento de diversas reformas juridicamente mal preparadas, entre
elas as da segurança social e da legislação trabalhista, não significou o
“apocalipse” como o então governo supunha, e o Executivo, a
contragosto, encontrou outras receitas para equilibrar as contas.
ConJur —Qual foi o resultado? Carlos Blanco de Morais — O outro lado da moeda foi um
Tribunal Constitucional silenciosamente altivo, um pouco envaidecido
pelo apoio popular recebido, apaixonado pelas suas fórmulas
jurisprudenciais e disputando com o presidente um certo poder
“moderador”. Os atores políticos transferiram para o Tribunal suas
divergências sobre a austeridade, colocando nas mãos dos juízes a
possibilidade de ter uma palavra decisiva sobre a necessidade ou não de
um novo resgate financeiro internacional. O Tribunal Constitucional
ganhou uma aversão silente ao Governo e andou no fio da navalha.
ConJur — Por que o senhor diz que o ciclo se encerrou? Blanco de Morais —A
situação alterou-se com a mudança do governo, a mudança do presidente
da República — o novo titular não tem recorrido por ora ao Tribunal
Constitucional — e com mudanças no próprio Tribunal Constitucional,
incluindo a do seu presidente. Houve um “resfriamento” de um órgão
jurisdicional que se encontrava um pouco superaquecido.
ConJur —E como impedir que isso se repita? Blanco de Morais — Uma nova crise financeira exigiria
outra atitude diversa da que envolveu os protagonistas da crise de
2012-2014: um governo que preparasse melhor as leis de rigor financeiro e
um tribunal mais humilde e aberto a ouvir as razões da maioria. Faltam
vias processuais de interlocução e vontade de comunicação. A Justiça
Constitucional portuguesa é um bocadinho hermética e nem sempre sensível
e coerente no tema das realidades econômico-financeiras.
ConJur
— Uma das teses do professor Gomes Canotilho diz que, com a
globalização, a Economia deixou o Direito em segundo plano. Diz ele que
os memorandos de entendimento entre bancos, os acordos bilaterais e as
zonas de livre comércio hoje são mais fortes que os direitos
fundamentais garantidos nas constituições nacionais. O senhor corrobora
essa análise? Blanco de Morais — A globalização
econômica é a guarda avançada de um projeto de globalização política e
jurídica universal sem rosto e isento de controle público. Projeto que,
sob o pretexto do livre comércio, da fluidez de capitais como motor do
desenvolvimento, da vantagem dos produtos baratos e da celeridade das
migrações de mão de obra, serve mais aos interesses dos grandes
conglomerados financeiros e dos grupos políticos fechados e ultraminoritários
transnacionais que lideram essa dinâmica do que favorece os direitos
sociais e políticos das pessoas que têm sido afetadas pelos danos
colaterais do fenômeno.
ConJur — Os efeitos, então, foram ruins? Blanco de Morais — Os
grandes escândalos de corrupção e manipulação de mercado, a nível
nacional e transnacional, que envolvem conluios entre o poder político e
as altas esferas do mundo econômico refletem o nível de captura a que a
política e o direito chegaram por parte do poder econômico-financeiro.
Se o modelo de mercado livre é seguramente o melhor sistema econômico, o
atual paradigma de capitalismo financista especulativo e por vezes
predador compromete e corrompe o êxito desse modelo.
ConJur —O senhor concorda com essa tese? Carlos Blanco de Morais — Concordo, em grande parte
,com o postulado que a globalização impôs o império do poder financeiro,
sobre o político. Um poder financeiro transnacional que age como um
super-Estado inorgânico, sem controle efetivo, onde a separação de
poderes está ausente. Um poder que nos estados em dificuldade
desvitaliza a democracia, pois, independente da opção dos eleitores, os
eleitos terão de executar uma política imposta por credores
internacionais com prerrogativas absolutistas. Um poder, finalmente, que
desvitaliza a soberania e a autodeterminação dos estados em disporem
deles próprios.
ConJur — Vê solução? Blanco de Morais — A
globalização política e o federalismo europeu, caminhando em pequenos
passos, em que o universo bancário e o financeiro configuram uma ponta
de lança de mudanças feitas de costas voltadas para a vontade dos povos,
constituem o “veneno da madrugada” da nossa liberdade, da livre
iniciativa econômica privada em um quadro concorrencial, das empresas
nacionais, dos nossos direitos individuais, da democracia e da
autodeterminação das nações.
Os Estados devem, sem prejuízo da
cooperação internacional, focar-se nos seus cidadãos mais esquecidos e
ignorados por uma prosperidade concentrada numa minoria, bem como nas
empresas nacionais afetadas por uma concorrência desregulada potenciada
por produtos oriundos de novos mercados onde se pratica o dumping
social. A reação nacionalista e protecionista gerada nos tempos
recentes, pese alguma incerteza política criada, resulta ser
compreensível e tem alguns elementos positivos.
ConJur —Os tribunais constitucionais podem dialogar e discutir soluções com membros dos outros poderes? Carlos Blanco de Morais — Entendo a questão sinônimo de
uma relação dialógica mais fluida entre poderes por meio de
procedimentos apropriados. Atualmente essa relação está entorpecida, mas
ganharia se fosse mais natural e flexível, sob pena de se travar um
diálogo de surdos, com uma tensão política desnecessária, como o que
ocorreu na relação entre o Tribunal Constitucional e a maioria
governista portuguesa durante o ribombar da crise financeira. Vias
processuais adequadas deveriam permitir alguma abordagem alternativa em
certos problemas que uma análise puramente exegética ou axiológica no
plano jurídico não admite ou se mostra deficitária.
ConJur — Que tipo de vias processuais? Blanco de Morais — No
Brasil audiências públicas esclareceram os ministros do Supremo
Tribunal Federal sobre questões tecnicamente complexas, como a saúde.
Portugal poderia também promover mecanismos de diálogo institucional:
audiências com peritos, mesmo que não necessariamente públicas, e amicuscuriae.
Também sugiro a possibilidade de, em controle abstrato, as partes, em
certas circunstâncias que envolvam temas muito especializados, como
finanças, saúde, seguridade social, poderem solicitar um contraditório
oral. Isso evitará um tribunal enclausurado numa torre de marfim e
vulnerável ao discurso “fiat lexpereat mundi”
[faça-se justiça, ainda que o mundo pereça] que assoma alguns,
felizmente poucos, constitucionalistas e juízes dentro e fora do
Tribunal.
ConJur —Um regime parlamentarista funcionaria no Brasil? Blanco de Morais — Neste ponto sigo Sartori,
que considerou que o parlamentarismo no Brasil não funcionaria, de todo
em todo. A governabilidade no parlamentarismo depende ou da redução
drástica no número de partidos representados no Parlamento que garanta
um bipolarismo
e governos maioritários estáveis (Reino Unido, Canadá, Espanha até
2015) ou um multipartidarismo limitado numa sociedade pouco conflitual e
propensa a compromissos naturais (países escandinavos e, até certo
ponto, a Alemanha e a Áustria).
No Brasil não existe uma coisa nem
outra. A sociedade é conflitual e os compromissos são frágeis, voláteis
e ligados a transações que envolvem, por vezes, interesses e lugares.
Por outro lado, o Brasil tem um sistema eleitoral proporcional para a
Câmara de Deputados que tende a dispersar adinfinitum
a representação, havendo poucos países do mundo com mais de 30 partidos
representados na câmara de deputados e 18 no Senado, exceto a Índia.
ConJur —O
Brasil passa por uma discussão sobre seu sistema de governo. A ideia
mais aceita é copiar o modelo português, de semipresidencialismo. Esse
sistema funcionaria no Brasil? Blanco de Morais — O semipresidencialismo
seria um desastre no Brasil. Em coabitação, ou seja, quando a maioria
política que elege o Presidente fosse diferente da maioria parlamentar
que sustenta o governo, teríamos, na versão do semipresidencialismo
português aplicado ao Brasil, um presidente atuando como contrapoder
permanente em relação ao primeiro-ministro, vetando, ameaçando dissolver
e desestabilizando através da palavra. Se fosse copiado o modelo
francês, em que o presidente preside simultaneamente a um conselho de
ministros formado por um partido rival do seu, teríamos um cenário que
relembra o filme Dormindo com o Inimigo, com JuliaRoberts.
ConJur — Em que sentido? Blanco de Morais — Alguém imagina o presidente Lula presidindo o governo de um primeiro-ministro Aécio Neves? Ou um presidente Alckmin
chefiando um conselho de ministros de uma primeira-ministra Marina
Silva? Haveria a mais completa ingovernabilidade. O Brasil ganharia em
reformar, apenas, o seu presidencialismo de coalizão, reduzindo o poder
presidencial, estabelecendo mais freios e contrapesos parlamentares e de
entidades independentes e disciplinando o alcance normativo das
decisões do poder judicial na esfera do controlo de constitucionalidade.
ConJur — Dá para culpar o sistema partidário pela crise política que o Brasil enfrenta? Blanco de Morais —
O sistema partidário não é estruturado. A par do PT que é um partido de
massas centralizado e rígido, os restantes grandes partidos (PMDB e
PSDB) são pouco centralizados e dominados por lideranças regionais muito
personalizadas. Existem, por outro lado muitos partidos que surgem e se
extinguem em torno de interesses e de personalidades, sem ideologia
definida nem garantia de organização e democraticidade interna, tornando
o sistema partidário instável. Essa instabilidade é agravada pela
facilidade com que dissidentes podem abandonar uma legenda e criar
outra.
ConJur — É um sistema que inviabiliza o governo? Blanco de Morais — Como
seria possível a um governo sobreviver e manter uma política coerente
suportado por tantas bancadas tão instáveis, com partidos e
congressistas transacionando a toda a hora o seu apoio parlamentar por
vantagens setoriais e regionais? Se um presidente da República, no atual
contexto de presidencialismo de coalizão, pode amanhecer de um dia para
o outro sem maioria parlamentar, pois a sua subsistência em funções ou a
execução das suas políticas não depende dessa maioria, o mesmo já não
se passa com o governo no sistema parlamentar, onde a sobrevivência do
Executivo depende da confiança política do Parlamento num quadro mínimo
de estabilidade.
ConJur —Como funcionaria eventual governo parlamentarista? CarlosBlanco de Morais —
Um hipotético governo brasileiro em um sistema parlamentarista
despenderia uma boa parte das suas energias, não conduzindo a política
do País, mas negociando a sua sobrevivência e a viabilização das suas
políticas mais elementares junto de base aliada fragmentada e pouco
fiável, ficando sujeito a todo o tipo de pressões. Caso perdesse, de um
dia para o outro, a maioria e não solucionasse rapidamente o problema,
ficaria sujeito a ser demitido com uma moção de censura ao virar da
esquina, por um concerto negativo das oposições. A sucessão de governos,
as transações a todos os níveis, a incapacidade de garantir a coerência
de reformas políticas e a ingovernabilidade criaram em Itália e
Portugal ciclos políticos marcados por uma média de um governo por ano.
No Brasil, dada a quantidade de partidos existentes a instabilidade
poderia ser ainda mais grave.
ConJur — Há ainda os problemas de legitimidade do Congresso. Blanco de Morais — Centrar
nele o fulcro do poder e base de sustentação do governo, como ocorre no
parlamentarismo, poderia criar problemas de legitimidade evitáveis. Na
verdade, apenas um parlamentarismo como no Reino Unido poderia, em tese,
funcionar em um Estado como o Brasil, que carece de Executivo forte.
Mas, para isso, seria necessário fomentar um quadro partidário bipolar
(com bipartidarismo ou multipartidarismo formado por alianças de poucos
partidos interdependentes).
ConJur —Mas isso não dependeria de reforma legislativa? Blanco de Morais —
Isso implicaria uma reforma eleitoral radical que introduzisse o voto
distrital, ou um sistema proporcional com pequenos círculos, quociente
alto e cláusula barreira apta a reduzir radicalmente o número de
partidos atualmente representados. É duvidoso, contudo, que os grandes
partidos queiram abdicar do seu modelo de liderança regionalmente
descentralizada e os pequenos e médios partidos pretendam cometer
eutanásia, subscrevendo uma emenda constitucional que consagrasse esse
tipo de reforma.
ConJur —O
senhor disse que “no presidencialismo, o Executivo não depende do
Parlamento para subsistir”, mas o fato de os dois presidentes cassados
que tivemos em 30 anos de democracia terem baixíssimo apoio no
Legislativo não mostra que nosso modelo depende sim do Congresso? Muito
se falou em "parlamentarismo branco" durante o impeachment da
ex-presidente DilmaRousseff. Blanco de Morais —
É preciso ter cuidado com a categorização científica dos sistemas
políticos. O sistema político brasileiro não é um parlamentarismo, mesmo
atípico, porque o presidente é eleito por sufrágio universal, dispõe de
relevantes poderes, dirige o Executivo sem primeiro-ministro, não tem
de gozar da confiança política do Congresso para se manter em funções e o
Legislativo não pode ser dissolvido antecipadamente. Uma zebra sem
cascos, sem listras e com asas não é uma zebra.
ConJur — Mas o baixo apoio que os presidentes derrubados tinham no Congresso pode ser uma explicação, não? Blanco de Morais — O impeachment
não derivou do fato de esses dois presidentes terem baixíssimo apoio no
Congresso, mas sim por terem, supostamente, cometido crimes de
responsabilidade. Os processos de impeachment não substituíram
as moções de censura próprias do parlamentarismo, já que envolveram a
necessidade de por termo a condutas presidenciais que, alegadamente,
fomentavam ou encobriam práticas criminais muito graves que, em tese,
punham em causa o Estado de Direito. No caso de Dilma Rousseff,
as pedaladas constituíram um crime menor que serviu de pretexto para
afastar quem dirigia um sistema cujos colaboradores acobertariam,
alegadamente, a prática de ilícitos muito mais sérios.
ConJur —O que acha do cumprimento da pena a partir da condenação em segunda instância? Carlos Blanco de Morais — Concordo em absoluto com essa
fórmula que evita um abuso do direito à presunção de inocência
propiciando quadros de impunidade em que que, arguidos com forte
probabilidade de culpabilidade, podem sair do país ou manter uma vida
indecorosa confiando no arrastamento dos julgamentos no tempo. Tenho,
ainda assim, reservas em relação à interpretação feita pelo STF que
configurou criativamente essa possibilidade. O princípio poderia, salvo
melhor opinião, ser introduzido com vantagem por emenda.
Condomínio de Tianducheng, na China (Aly Song / Reuters/Reuters)
São Paulo – Não há precedentes na história da humanidade para o que aconteceu na China desde que ela se abriu para o mundo.
O país cresceu acima de 6% todos os anos desde o final dos anos 70, com taxas que às vezes superavam dois dígitos, e tirou da pobreza 700 milhões de chineses (tornando muitos outros milionários).
A alta da desigualdade não passou despercebida, mas parecia um preço modesto a ser pago pela melhora geral das condições de vida.
Mas agora, um novo estudo mostra que o país talvez esteja ficando menos, e não mais, desigual nos últimos anos.
Os autores são Yue Wang e Ravi Kanbur, da Universidade de Cornell, e Xiaobo Zhang, da Universidade de Pequim.
Explorando complexos bancos de dados oficiais sobre as províncias e
pesquisas domiciliares nacionais, o trio criou estimativas de
desigualdade para 6 momentos nos 20 anos entre 1995 e 2014.
O método tem seus limites, já que pesquisas domiciliares costumam subestimar a renda dos mais ricos.
Na China, eles têm um motivo extra para se preocupar, já que o
governo tem promovido uma cruzada anticorrupção e anti-ostentação.
Mas ainda que os números não sejam exatos, a tendência encontrada é clara para várias medidas de desigualdade.
O coeficiente de Gini chinês, por exemplo, saltou de 0,349 em 1995
para 0,533 em 2010, mas caiu para 0,495 em 2014 (nesta medida, 0
representa igualdade perfeita e 1 representa desigualdade total).
A conclusão: “uma avaliação cuidadosa das melhores fontes de dados
parece sugerir que a desigualdade atingiu um platô, com o ponto de
virada por volta de ou logo antes de 2010”.
Para entender as razões para o fenômeno, os pesquisadores olharam
para algumas divisões ainda fortes na sociedade chinesa: entre o mundo
rural e o mundo urbano e entre as diferentes regiões.
Uma hipótese é que décadas de migração do campo para as cidades
levaram a um grande contingente de trabalhadores que já recebem os
salários urbanos, que são mais altos.
Além disso, a migração teria tornado o mercado de trabalho rural mais
apertado, e os trabalhadores do campo remanescentes já teriam maior
poder de barganha para pedir salários maiores.
É exatamente o que previa uma famosa teoria do economista Simon Kuznets, vencedor do Nobel em 1971.
Vale lembrar que o salário médio por hora de um trabalhador chinês do setor industrial triplicou entre 2005 e 2016 e já supera o do seu equivalente no Brasil, de acordo com a consultoria Euromonitor.
Outros fatores citados pelo estudo são os grandes investimentos
públicos na infraestrutura das áreas mais atrasadas, além de novos
programas de seguridade social e transferência de renda.
Tudo isso é parte de um esforço declarado do governo chinês para
mudar o modelo de crescimento do país e depender menos de poupança e
investimento pesado e mais de consumo e inovação.
Ninguém espera que a China volte a crescer no mesmo ritmo do passado, o que é natural depois de um certo nível de desenvolvimento.
E se o bolo não cresce tanto, importa que a divisão seja mais justa –
afinal, a China não é uma democracia e a estabilidade do governo vem
não só da repressão, mas do discurso de que a vida da população vai
continuar melhorando.
Com
divergências crescentes entre os republicanos, o presidente americano
enfrentará cada vez mais dificuldade para fazer a "América grande
novamente"
Por
Thiago Lavado
Trump no comando: sem a aprovação do novo
projeto para a saúde, seus planos para o país ficam comprometidos (Alex
Wong/Getty Images)
Entre ataques à imprensa e loas a Vladimir Putin, Donald Trump
tinha um plano de voo quando assumiu a presidência dos Estados Unidos,
em janeiro. Porém, 70 dias depois, a fuselagem da nave Trump está em
frangalhos. A mais fragorosa derrota foi no dia 24 de março, quando o
presidente falhou em conquistar votos republicanos para o projeto que
substituiria o programa de acesso à saúde Obamacare.
A aprovação do novo projeto era fundamental para os planos de Trump. A
troca faria a União reduzir o déficit orçamentário em 337 bilhões de
dólares no período entre 2017 e 2026. Os desembolsos seriam reduzidos em
1,2 trilhão de dólares no período, segundo dados da Comissão
Orçamentária do Congresso.
Essa redução daria ao governo uma gordura financeira para
continuar com o restante do plano: passar um orçamento austero, com
fundos de emergência alocados para a construção do muro na fronteira sul
com o México; depois, aprovar uma reforma tributária, que cortaria
taxas principalmente para empresas, de 35% para 15%; e promover uma
repatriação de divisas a custos baixos.
De acordo com análises feitas pelo Comitê para um Orçamento
Federal Responsável, a reforma tributária adicionaria incríveis 5
trilhões de dólares à dívida americana em 10 anos — principalmente
porque o presidente planeja cortar as taxas para os mais ricos e mudaria
as alíquotas básicas de incidência dos impostos. Por esse motivo, era
necessário ter aquela gordura, que viria, além do corte de custos com o
Obamacare, com a imposição de tarifas alfandegárias para produtos
fabricados fora dos Estados Unidos e a repatriação de divisas — temas
primordiais na consolidação do plano de Trump.
O ponto alto seria o prometido investimento de 1 trilhão de
dólares em infraestrutura. Este projeto, em que Trump esperava contar
com o apoio de democratas, previa a construção de uma comissão
bipartidária para um plano de infraestrutura criado em comum acordo e
que resolveria um problema criticado pelos dois lados do espectro
político: a estrutura logística do país, que está defasada frente às
economias mais agressivas do planeta.
Este era o arcabouço básico do governo: retirar tarifas como
forma de incentivos para o bom funcionamento das empresas nacionais,
impor severas taxas sobre produtos importados para aumentar a demanda
interna e investir em infraestrutura para que a cadeia local pudesse
suprir a demanda.
De acordo com a visão de Stephen Bannon, ex-presidente do site
de notícias conservador Breitbart e um dos principais conselheiros de
campanha e de governo do presidente, este seria o terreno fértil de um
“nacionalismo econômico”, apoiado por outros membros do governo, como
Wilbur Ross, secretário de Comércio, e Peter Navarro, diretor do
Conselho Nacional de Comércio.
Além dos incentivos fiscais e investimentos estruturais, o
cancelamento de acordos de comércio, a desregulamentação ambiental e a
restrição à entrada de imigrantes seriam todos pontos que favoreceriam a
vida daqueles que Trump chamou de “os americanos esquecidos”.
O problema, como vai ficando claro a cada dia, é que o plano
infalível de Trump é amadorístico. Encontra, de um lado, oposição da
Justiça, que vem considerando suas políticas de imigração ilegais; de
outro, do Congresso, que não embarcou em suas frágeis ideias para um
futuro dourado. Desta forma, uma pergunta vem ganhando força entre os
analistas americanos: o governo Trump já acabou?
A queda
A coisa começou a complicar no último dia 24 de março:
divergências entre os republicanos de diferentes facções, principalmente
os mais moderados e os mais conservadores, mostraram que havia sido
precipitada a decisão de Trump e do presidente da Câmara dos Deputados, o
republicano Paul Ryan, de levar o projeto de substituição do Obamacare
ao plenário da Casa sem maiores discussões internas. Os moderados
ficaram preocupados que o plano tiraria a cobertura de saúde de cerca de
24 milhões de habitantes e os conservadores preferiram abandonar
qualquer proposta de mudança a aprovar uma que não era radicalmente
diferente daquela do ex-presidente Barack Obama.
Pior: a derrota deixou claro que Republicanos estão descrentes
da capacidade de Ryan como líder político. A Casa Branca, segundo a
imprensa americana, passa por brigas internas e tem um ambiente “tóxico e
distraído”, com diversos centros de poder conflitantes culpando uns aos
outros por uma série de reveses crescentes. Os conselheiros mais altos
brigam entre si sobre como lidar com uma série de reportagens negativas;
o partido enfrenta julgamento de seus membros sobre as prioridades
legislativas do governo; e até doadores de campanha estão descontentes
com os caminhos da gestão.
A essa altura de sua administração, o presidente Obama já havia
aprovado o pacote de 787 bilhões de dólares em estímulos para a
economia, que acabava de vir do crash imobiliário de 2008, e se reunia
com membros do legislativo para trabalhar nas primeiras ideias do que
viria a ser o Obamacare.
A resposta aos problemas veio bem ao estilo Trump. Ele afirma
que os relatos de discussões em sua equipe são “fake news” e, esta
semana, ameaçou republicanos conservadores, bem como democratas,
afirmando que o governo federal os enfrentaria nas eleições legislativas
que acontecem no ano que vem, quando um terço do Congresso será
trocado. “Os conservadores irão arruinar toda a agenda política
republicana se eles não entrarem no time. E rápido. Temos que lutar
contra eles e os democratas em 2018”, escreveu o presidente em sua conta
no Twitter.
O grupo já deixou claro que está disposto a se opor às
propostas mais frágeis do presidente. E há pouca margem para Trump
negociar com os conservadores sem perder apoio entre republicanos
moderados. Os conservadores republicanos ocupam somente 32 das 435
cadeiras na Câmara, o que não é uma margem preocupante, já que
republicanos têm 241 cadeiras, ante 194 dos democratas, uma diferença de
47 votos. O real problema está no Senado: os republicanos têm 52
senadores, ante 48 democratas. Uma diferença de apenas 4 votos em que o
apoio de conservadores pode salvar projetos que já passaram pela Câmara.
“Trump até poderia influenciar seus eleitores contra esses
políticos, mas eles vêm de distritos eleitorais igualmente conservadores
e homogêneos. Ronald Reagan era muito bom em exercer esse tipo de
pressão. Mas poderia Trump fazer isso de maneira efetiva?”, questiona
Richard Hall, cientista político da Universidade de Michigan
especialista no Congresso americano.
Há solução?
“Os republicanos não têm plano B. Não conseguiram aprovar a lei
que substituiria o Obamacare, e agora o partido precisa aprovar uma
reforma tributária que venha acompanhada de um forte imposto
alfandegário para equilibrar as contas”, afirma a economista Monica de
Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional e
colunista de EXAME Hoje. Trocar a legislação tributária do país é
consenso entre os republicanos, mas a imposição de uma forte tarifa
sobre produtos importados não é. Esse novo impasse do partido pode
significar uma nova derrota na tentativa de aprovação da lei, o que
poria, de fato, fim ao plano inicial de Trump.
Essa incerteza, claro, já foi lida pelos mercados, que foram
afetadas pela falta de coesão do governo nos últimos 10 dias. Quem mais
perdeu foram as ações dos bancos, grandes beneficiados por um possível
corte de taxas — o Goldman Sachs perdeu 7,42% do valor de mercado em
março.
Para Monica de Bolle, Trump deve, no máximo, conseguir aprovar
um corte nos impostos como foi feito durante a Era Bush, focando em
alívios fiscais e deduções. Mas uma grande reforma do sistema tributário
é prevista para continuar na gaveta. Se isso acontecer, as principais
propostas do governo estarão acabadas: não haverá cortes de taxas
significativos, nem substituição do Obamacare, um plano massivo de
investimento em infraestrutura será alvo de forte escrutínio e não há
sinal de que a justiça acatará os decretos anti-imigração.
Para a sorte de Trump, as mentiras que ele contou sobre a
economia durante a campanha era realmente mentiras. O desemprego está em
apenas 4,7%, menor taxa desde a época pré-crise de 2008. A economia
expandiu 1,6% em 2016, após um aumento de 2,1% no último trimestre do
ano, impulsionada por uma alta de 3,5% nos gastos dos consumidores, que
contam como dois terços do PIB.
A economia, portanto, está nos trilhos — não
graças a Trump, como ele insiste em dizer — o que tem evitado níveis de
aprovação cataclísmicos. A média das pesquisas do site RealClearPolitics
mostra que 52,6% desaprovam o governo Trump. São 11,5 pontos
percentuais a mais do no início do governo, mas ainda assim é muito
perto da média de oposição histórica a Trump.
Como político em campanha, Trump agia como se as regras de
Washington não se aplicassem a ele. E foi beneficiado por isso. Como
presidente, Trump se depara com uma máquina pública que envolve muito
mais interesses individuais do que aqueles encontrados na iniciativa
privada. Ele se vê enjaulado pelas mesmas regras políticas que desdenhou
durante todo o ano passado, e tem sofrido por ter montado um time de
empresários e banqueiros sem experiência em articulação política.
Trump prometeu o mundo em 100 dias, mas 70 já se passaram e o mundo parece um gigantesco ponto de interrogação.
O
ministro das Relações Exteriores do Brasil discutirá, como definiu a
Argentina, a "grave situação institucional" da Venezuela,
Por
EFE
Aloysio: a Venezuela era membro pleno do Mercosul até dezembro do ano passado (Jorge Adorno/Reuters)
Brasília – O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes,
participará neste sábado em Buenos Aires de uma reunião de chanceleres
convocada pelo Mercosul para discutir a situação venezuelana, informaram
nesta sexta-feira à Agência Efe fontes oficiais.
A reunião foi convocada com caráter de urgência pela Argentina, que
exerce durante este semestre a presidência rotativa do bloco, para
discutir o que qualificou de “grave situação institucional” da
Venezuela.
A crise venezuelana se agravou na última quarta-feira, quando a Corte
Suprema de Justiça (TSJ) decidiu assumir as competências da Assembleia
Nacional (AN, parlamento), de maioria opositora, devido à persistência
do “desacato”, um status que o Poder Judiciário impôs à câmara pelo
descumprimento de várias sentenças.
A Venezuela era membro pleno do Mercosul até dezembro do ano passado,
quando foi suspensa por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, os
membros fundadores do bloco, pois após quatro anos nessa condição ainda
não tinha se adaptado à legislação interna.
O governo brasileiro reagiu com rigor frente à decisão do TSJ e, em
comunicado divulgado na quinta-feira, expressou seu “repúdio” à “clara
ruptura da ordem constitucional”.
No comunicado, o governo acrescentou que “o pleno respeito ao
princípio da independência dos poderes é essencial para a democracia” e
que as decisões do tribunal venezuelano “violam esse princípio e
alimentam a radicalização política do país”.
Presidente
dos Estados Unidos começou a reverter as medidas adotadas por Barack
Obama para cortar as emissões de gases de efeito estufa nos EUA
Por
Reuters
Donald Trump: alvo principal de Trump é o
Plano de Energia Limpa de Obama, que exige que os Estados
norte-americanos reduzam as emissões de carbono das usinas de energia
(Mario Tama/Getty Images)
Pequim / Oslo – Nações lideradas pela China e pela União Europeia
fizeram coro a favor de um plano global para conter a mudança climática
nesta quarta-feira, um dia após o presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, começar a reverter as medidas adotadas por seu antecessor,
Barack Obama, para cortar profundamente as emissões de gases de efeito
estufa nos EUA.
O decreto assinado por Trump na terça-feira, cumprindo uma promessa
de campanha para fortalecer a indústria carvoeira norte-americana,
atinge o coração do Acordo de Paris de 2015, um pacto internacional
concebido para conter o aumento das temperaturas no mundo, que em 2016
bateram recordes pelo terceiro ano seguido.
Muitos países reagiram ao plano de Trump com desânimo e um tom
desafiador, dizendo que a grande mudança nos investimentos – dos
combustíveis fósseis a formas de energia limpa, como a eólica e a solar –
está em andamento, com benefícios que vão da poluição ambiental menor a
mais empregos.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lu Kang,
cujo governo trabalhou de perto com a gestão Obama na questão da mudança
climática, disse que todos os países deveriam “andar de acordo com os
tempos”.
“Não importa quais sejam as políticas de outros países para a mudança
climática, como país em desenvolvimento grande e responsável a
determinação, as metas e as ações políticas da China não irão mudar
quanto ao tratamento da mudança climática.”
O Comissário Europeu para o Clima, Miguel Arias Canete, disse: “Vemos
o Acordo de Paris e a transição para uma economia mais moderna, mais
inovadora, como o motor do crescimento do emprego, das oportunidades de
investimento e da prosperidade econômica”.
O alvo principal de Trump é o Plano de Energia Limpa de Obama, que
exige que os Estados norte-americanos reduzam as emissões de carbono das
usinas de energia.
Esse um um ponto chave no compromisso assumido pelos EUA no pacto
parisiense: reduzir as emissões entre 26 a 28 por cento abaixo dos
níveis de 2005 até 2025.
Trump não disse se vai retirar seu país do Acordo de Paris, firmado
por quase 200 nações visando um rompimento com os combustíveis fósseis
ainda neste século como cerne dos esforços para limitar as ondas de
calor, as inundações, as secas e a elevação do nível dos mares.
O temor é que menos ações dos EUA – o segundo maior emissor de gases
de efeito estufa do mundo, só atrás da China – levem outras nações a
reduzir suas metas. Até agora o pacto só foi ratificado por 141 delas,
de Estados-ilhas do Oceano Pacífico a produtores da Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (Opep).
O Acordo de Paris permite que cada país estabeleça suas próprias
metas para conter os gases de efeito estufa e não prevê sanções aos
transgressores. Trump chegou a classificar o aquecimento global como uma
farsa, mas também disse ter a mente aberta a respeito do pacto acertado
na capital francesa.
Ainda assim, sua guinada deve minar um dos pilares do acordo, o de
que todos os planos nacionais, que devem ser apresentados a cada cinco
anos neste século, têm que ser ainda mais robustos e refletir “a maior
ambição possível”.
São Paulo – A China
está absolutamente perplexa com a decisão do governo americano de
reverter os regulamentos ambientais da era Obama e resolver investir
novamente nas poluentes usinas a carvão.
Em um editorial altamente crítico à reviravolta nas intenções americanas, o tabloide chinês The Global Times afirma
que o que os EUA estão fazendo prejudica os esforços de outros países
no combate às mudanças climáticas e crava: “a opinião ocidental deve
continuar a pressionar a administração de Trump. O egoísmo político de
Washington deve ser desencorajado”.
O carvão sempre foi central no desenvolvimento da China, mas, nos
últimos anos, o país tem feito grandes avanços na adoção de energia
renovável e no sentido de fechar sua minas de carvão, responsáveis pela
péssima qualidade do ar na região.
Enquanto isso, Trump caminha na direção oposta, e tem elogiado o
retorno de carvão, apesar de toda a evidência do crescimento das
energias renováveis e até mesmo a realidade da mudança climática.
O editorial também destaca que Pequim se sente desconfortável com a
perspectiva de assumir a liderança da luta contra a mudança climática
global e não poderia preencher o vácuo deixado pelos EUA.
“A China continuará a ser o maior país em desenvolvimento do mundo
por um longo tempo. Como se pode esperar que o país sacrifique seu
próprio espaço de desenvolvimento para as potências desenvolvidas do
ocidente?”
De fato, a negligência de Trump com o acordo de Paris prejudica a
reputação dos EUA, ao passo que cria uma oportunidade para a China
preencher a vaga deixada e assumir um papel de liderança maior na luta
contra as mudanças climáticas e envolver-se mais na cooperação bilateral
e na governança global.
Porém, como observa o jornal britânico The Guardian,
a retórica de Pequim muitas vezes supera seus compromissos de reduzir
as emissões e, não se pode esquecer que o país também consome mais
carvão do que o resto do mundo combinado, embora esse uso tenha se
estabilizado nos últimos anos.
“A China não é o tipo de líder em termos de mudanças climáticas que
atrairá outros países”, disse ao jornal Lauri Myllyvirta, do Greenpeace,
com sede em Pequim. “O governo chinês só vai se comprometer com metas
que é muito confortável entregar e ele precisa trabalhar com outros
grandes países. A China não vai atacar por conta própria.”