A
autonomia negocial coletiva não é absoluta. Esse foi o entendimento
adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho ao afastar um acordo coletivo
que, de acordo com o tribunal, reduzia os direitos dos trabalhadores de
uma usina de açúcar.
O processo chegou ao Pleno do TST depois de
duas decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido da prevalência da
autonomia coletiva. No início de setembro, o ministro do STF Teori
Zavascki
decidira
que acordos coletivos entre patrões e trabalhadores podem tratar
salário e jornada de trabalho, desde que dentro do limite do razoável.
Ao fazê-lo, Teori seguiu precedente firmado pelo Plenário do Supremo em
março de 2015 segundo o qual sindicatos podem transacionar o que diz a
lei em acordos coletivos, desde que respeitados os direitos fundamentais
da saúde e da segurança do trabalhador. O relator era o ministro Luís
Roberto Barroso.
Contudo, para a maioria dos ministros do Tribunal
Superior do Trabalho, os precedentes do STF não se aplicam ao caso
concreto. O recurso analisado discutia uma proposta de acordo que dava
às horas de deslocamento (
in itinere) natureza
indenizatória, e não remuneratória. Com isso, a empresa deixa de
recolher contribuição previdenciária sobre a verba e o trabalhador deixa
de recolher Imposto de Renda.
No Tribunal Regional do Trabalho
da 9ª Região, o acordo coletivo não foi reconhecido e a empresa foi
condenada a pagar adicional de horas extras e dos reflexos dessa parcela
sobre as demais verbas trabalhistas, como descansos semanais
remunerados, férias, 13º salário e FGTS.
De acordo com o TRT-9 a supressão das horas
in itinere
ou de direitos a elas inerentes só seria possível mediante a concessão
de uma vantagem correspondente, o que não houve no acordo coletivo. "Não
seria razoável admitir mera renúncia por parte da classe trabalhadora a
direitos mínimos que lhes são assegurados por lei", afirma o acórdão.
A
2ª Turma do TST não conheceu de recurso de revista da empresa, que
interpôs embargos à SDI-1.
Em dezembro de 2014, a SDI-1 decidiu afetar a
matéria ao Pleno. Nos embargos, a usina sustentava que, "se as partes
ajustaram, com chancela sindical, um determinado número de horas e que o
valor tem apenas caráter indenizatório, não há como não prestigiar a
vontade das partes", apontando violação do artigo 7º, incisos VI, XIII e
XXVI, da Constituição Federal.
Depois das duas decisões recentes
do Supremo, o processo foi colocado em pauta no TST. O ministro Augusto
César Leite de Carvalho, relator do caso, listou seis fundamentos para
negar provimento aos embargos. Na decisão final, embora chegando ao
mesmo resultado, prevaleceram dois desses fundamentos: o de que a
autonomia negocial coletiva não é absoluta e a de que os precedentes do
STF não comportam interpretação esquemática.
Segundo o relator, há sempre a possibilidade de uma das partes suscitar um elemento de distinção (o chamado
distinguishing)
que escape aos aspectos factuais e jurídicos da controvérsia analisada
pelo Supremo Tribunal Federal. Ao decidir pela validade da cláusula
coletiva no RE 895.759, o ministro Teori Zavascki tomou como fundamento o
fato de o acordo ter suprimido as horas
in itinere mediante
contrapartidas como cesta básica durante a entressafra e benefícios como
seguro de vida e salário família superiores ao limite legal.
No
processo julgado pelo TST, porém, a maioria entendeu que não houve
contrapartida para os trabalhadores. "O TRT afirmou, sem rodeios, a
relação assimétrica que se estabeleceu na negociação coletiva que
conduziu à conversão da remuneração do tempo à disposição do empregador
em parcela indenizatória, sem reflexo em tantas outras que têm o salário
como base de cálculo", afirmou Augusto César. "Cuida-se, portanto, de
caso no qual se constata a renúncia a direito trabalhista indisponível
sem qualquer contrapartida."
Temeridade
O ministro João Oreste Dalazen, que liderou a corrente majoritária que
adotou apenas dois dos seis fundamentos do relator, afirmou ser "uma
temeridade" dar validade a cláusulas de acordo coletivo de trabalho ou
convenção que meramente suprimam direitos trabalhistas, "mormente ante a
notória debilidade da maioria das entidades sindicais brasileiras". A
seu ver, isso implicaria "um retrocesso histórico, um verdadeiro
desmonte do Direito do Trabalho, que voltaria praticamente à estaca zero
da concepção civilista do
pacta sunt servanda", ou da força obrigatória dos contratos.
"Uma
coisa é flexibilizar o cumprimento das leis trabalhistas e valorizar a
negociação coletiva. Outra, muito diferente, é dar um sinal verde para a
pura e simples redução de direitos, contrariando a natureza e os
fundamentos do Direito do Trabalho", assinalou Dalazen. "No caso, não
houve concessão de vantagem compensatória alguma para a supressão da
natureza salarial das horas
in itinere. Este é um fator relevante de distinção que autoriza a negar provimento aos embargos".
Divergência
Ficaram vencidos os ministros Ives Gandra Martins Filho, presidente do
TST, e Barros Levenhagen, e as ministras Maria Cristina Peduzzi e Dora
Maria da Costa, que davam provimento aos embargos para conferir validade
à cláusula.
Para o presidente do TST, o caso se encaixa no
precedente do ministro Teori Zavascki, do STF, baseado nos incisos VI e
XIII do artigo 7º, que admitem a flexibilização de salário e jornada.
"Não está em jogo a saúde do trabalhador nem a indisponibilidade de
direitos", afirmou.
O ministro Ives Gandra Filho discordou ainda
do entendimento de que não houve contrapartida ao trabalhador. "A
cláusula flexibiliza, mas ao mesmo tempo concede o transporte
independentemente de haver transporte público ou de ser local de fácil
acesso, como exige a lei e a jurisprudência", observou. "Ou seja, dá
direito até para quem não o tem".
A cláusula em questão previa o
fornecimento de transporte pelo empregador, fixando em uma hora diária o
tempo dispendido no trajeto. Esta hora seria calculada sobre o piso da
categoria e não integraria os salários para nenhum efeito contratual e
legal, nem seria computada como jornada extraordinária.
A
condenação ao pagamento das horas pela 2ª Turma seguiu o entendimento
consolidado no item V da Súmula 90 do TST, que assegura a remuneração
das horas
in itinere com o adicional horas extras de no mínimo 50%, previsto no inciso XVI do artigo 7º da Constituição da República.
Ao final, prevaleceu a jurisprudência do TST no sentido de que a natureza salarial das chamadas horas
in itinere, ou de deslocamento, não pode ser afastada por meio de acordo coletivo.
Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR-205900-57.2007.5.09.0325