terça-feira, 14 de maio de 2019

Odebrecht muda o nome, muda as cores, muda o comando. Vai dar certo?


A maior empreiteira do Brasil, conhecida pelo sobrenome alemão de seu fundador, construiu uma história de sucesso que extrapolou não só os limites territoriais do País quanto os da legalidade das negociações, como foi revelado pela operação Lava Jato. Agora, a empresa olha para o futuro com novas marcas e gestores cuja missão é zelar pela transparência e conformidade

Crédito: Rivaldo Gomes/Folhapress

No início de 2013, a Odebrecht decidiu adotar a mesma identidade visual para todas as suas empresas. A estratégia era clara: reforçar que, embora atuasse em segmentos diversos, a holding era dona de uma cultura forte e única, que a distinguia no mercado e que havia sido o motor de sua trajetória de sucesso no Brasil e no exterior. “É a síntese do que somos, do que acreditamos e de como agimos”, disse o então diretor-presidente do conglomerado, Marcelo Odebrecht, durante a reunião anual realizada em dezembro de 2012, em um hotel no litoral norte da Bahia. Ele ainda alertou: “Cada uma de nossas ações pode representar ganho ou dano de imagem mundial para a nossa marca.” O futuro se encarregou de comprovar que as palavras do executivo não poderiam ser mais acertadas.

A partir de 2015, a operação Lava Jato revelou como o grupo operava. Baseada em uma extensa rede de propinas a políticos, sem distinção de cargos, partidos ou correntes ideológicas, os tentáculos da Odebrecht ultrapassaram as fronteiras do País. Mais de 70 executivos confessaram a corrupção enraizada na empresa e coordenada pelo Departamento de Operações Estruturadas, montado exclusivamente para esses fins. Marcelo foi preso. Seu pai, Emílio, afirmou que “esse sistema de fazer política acontecia há 30 anos”. E o grupo e sua marca passaram a figurar entre os principais símbolos das relações nada republicanas entre a iniciativa privada e a esfera pública.

Desde então, a Odebrecht tenta se desvencilhar desse passado nebuloso. O mais recente capítulo de uma desejada nova história da empresa começou a ser escrito no início deste mês. O grupo anunciou a renovação da marca da Odebrecht Engenharia & Construção, que passa a adotar as iniciais OEC, seguidas pelo nome original na assinatura, em menor tamanho. As cores verde, azul e cinza substituem as antigas letras brancas dispostas sobre um fundo vermelho. Fruto de um trabalho de mais de um ano com a consultoria Keenwork, a estratégia terá o apoio de uma campanha de publicidade, que reforçará temas como transparência e reconstrução. “Estamos percorrendo uma jornada robusta de transformação interna nos últimos anos”, diz Fábio Januário, CEO da OEC. 

“Chegamos a um ponto de maturidade nesse processo e entendemos que a nova identidade visual é um simbolismo dessa mudança.”
Afastado: Marcelo Odebrecht presidia a holding quando os escândalos vieram à tona. Hoje, ele vive em prisão domiciliar (Crédito:Giuliano Gomes/Folhapress)
A tentativa de reconstrução da imagem do grupo, uma espécie de “operação mãos limpas” interna, se espalha por demais empresas do grupo Odebrecht. Quatro operações de troca de marca precederam a criação da OEC. A primeira foi a Braskem, da qual a holding detém uma fatia de 38,3% e de 50,1% no capital votante. Embora tenha mantido o nome, a empresa lançou uma nova logomarca. Na sequência, Odebrecht Realizações Imobiliárias foi rebatizada de OR; a Odebrecht Agroindustrial passou a se chamar Atvos; e a Odebrecht Óleo e Gás deu origem à Ocyan.

REPAGINAÇÃO Principal berço dos subornos da Odebrecht revelados pela Lava Jato, a OEC é o elemento mais emblemático na estratégia de reconstruir a holding. E a renovação da marca desperta diferentes avaliações. “A empresa não deveria esconder o nome Odebrecht. Ao contrário. Eles precisam assumir o que fizeram com todas as letras e comunicar fortemente o que estão fazendo para que isso não se repita”, diz Francisco Madia, sócio da consultoria Madiamundo Marketing. Outros componentes alimentam essa análise. “As cores são mais sóbrias e menos ousadas. A intenção é ser discreto. Quanto menos chamar a atenção, melhor”, afirma Rosângela Florczack, professora da ESPM e pesquisadora em gestão de crise e reputação. Vale lembrar que outras empresas condenadas pela Lava Jato fizeram o mesmo. Em 2017, a Engevix passou a se chamar Nova Engevix. Em agosto do ano passado, foi a vez da Camargo Corrêa mudar o nome de sua holding para Mover.
Há quem defenda que o nome Odebrecht deveria ser totalmente riscado do mapa. E que a mudança chega com atraso. “Essa estratégia teria mais efeito no começo dos escândalos. Agora, esse impacto positivo fica desidratado. Na essência, a lentidão reforçou o pecado original”, ressalta Herbert Steinberg, especialista em governança e presidente da consultoria Mesa Corporate. “O grupo esperava que sua reputação e nome forte o blindassem. Mas eles não contavam com a força da internet que, cada vez mais, não permite o esquecimento”, pondera Rosângela. Ela ressalta, porém, um passo positivo da OEC: a criação de canais próprios nas principais redes sociais, o que sinaliza a intenção de estabelecer um diálogo direto com o público, especialmente, com interlocutores mais jovens, que ainda não têm uma imagem consolidada sobre a companhia. “Essa mudança de foco na comunicação e na marca é legítima, mas só será válida se for a cereja do bolo de uma grande remodelação interna”, diz, citando como um paralelo o caso da mineradora Vale, que assumiu a frase “Mariana Nunca Mais” como lema de uma nova abordagem depois da tragédia envolvendo a Samarco. “Brumadinho mostrou que isso era só um bordão. Não havia, de fato, uma transformação nas práticas da empresa.”
Enraizado: Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, afirmou na época que o sistema de propinas para políticos já funcionava há 30 anos (Crédito:Leo Pinheiro / Valor)
Para ser um contraponto a casos como esse, a Odebrecht tem investido não só na mudança da embalagem, mas também do conteúdo. O ponto de partida para essa agenda foram os compromissos assumidos nos acordos de leniência assinados com autoridades brasileiras, americanas e de outros seis países. “Temos três grandes pilares de transformação. O primeiro deles é a nova geração de executivos que assumiu o comando das operações”, diz Januário, ele próprio um exemplo dessa iniciativa. Aos 47 anos, 25 deles dedicados ao grupo no qual ingressou como trainee, o executivo foi nomeado CEO da OEC em janeiro de 2017. Parte da cultura de preparar sucessores dentro de casa, esse processo foi acelerado quando nomes do alto escalão iniciaram a colaboração com a Justiça. Essa abordagem também incluiu os controladores, que foram afastados do dia a dia.

A governança corporativa é outro mote. Uma das medidas envolveu a criação de conselhos de administração para cada uma das empresas do grupo. Ao menos 20% dos membros desses colegiados são conselheiros independentes. No caso da Odebrecht S.A., quatro dos seis integrantes se encaixam nesse perfil. “Além de independência e de maior transparência, eles trazem uma bagagem adicional de experiência que não tínhamos no passado”, afirma Januário. Para Wagner Giovanini, sócio-fundador da consultoria Compliance Total, esse movimento é extremamente positivo. Ele faz, no entanto, uma ressalva: “É preciso que esses conselheiros também sejam responsabilizados caso algo dê errado”, afirma. “Não era o que acontecia. Será que nenhum conselheiro sabia da existência do Departamento de Operações Estruturadas?”, questiona.

O terceiro ponto é a adoção de políticas de conformidade, com uma série de iniciativas em andamento. O escopo envolve questões como a definição de regras de conduta no relacionamento com parceiros e clientes, treinamentos para disseminar essas novas práticas, auditorias periódicas em cada projeto e due diligence com toda a cadeia de fornecedores. Nessa última vertente, somente em 2018 foram realizadas mais de 17,5 mil análises. Outra frente é um canal interno, operado por uma empresa terceirizada, pelo qual é possível fazer denúncias de eventuais irregularidades e fraudes, sob confidencialidade.
Na carteira de obras a termelétrica de Punta Catalina, na República Dominicana, é um dos projetos recentes da OEC (Crédito:Divulgação)
Esses relatos são apurados e podem gerar investigações que, por sua vez, incluem a possibilidade de desligamento dos envolvidos. “A empresa está dando sinais de que está fazendo a lição de casa. Mas ainda é cedo para dizer se eles vão conseguir virar a página de fato”, diz David Kallás, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper. Sócia na área de compliance e investigação do TozziniFreire Advogados, Shin Jae Kim acrescenta: “Se essa cultura não estiver sendo absorvida internamente, cedo ou tarde o mercado irá perceber. Não há como mascarar uma situação dessas por muito tempo.”
DESAFIOS À parte dessas iniciativas, o grupo tem percalços pela frente. Além dos danos gerados pela Lava Jato, incluindo aí as multas dos acordos de leniência, que podem chegar a R$ 6,8 bilhões, a crise econômica ajudou a corroer os resultados. A receita caiu de de R$ 108 bilhões, em 2014, para R$ 82 bilhões, em 2017. A queda brutal nos negócios forçou a holding a iniciar um plano de desinvestimentos. Em fase de tratativas, após um período de due diligence, o acordo com a holandesa LyondellBasell envolvendo a participação na Braskem deve ser a próxima operação nesse balcão.

A OEC, por sua vez, também tem uma negociação importante pela frente. A empresa tenta reestruturar uma dívida de US$ 3 bilhões relativa a bônus emitidos no exterior. E assim como o grupo, seu desempenho segue sendo afetado pelo contexto dos últimos anos. Em 2018, a receita líquida recuou 34%, para R$ 7,2 bilhões. A dívida bruta no período somou R$ 12 bilhões, diante de uma disponibilidade de caixa de R$ 1,8 bilhão. Apesar do cenário desafiador, Januário destaca alguns projetos recém-conquistados, como a Termelétrica de Punta Catalina, na República Dominicana e a Hidrelétrica de Laúca, em Angola. Ele estabeleceu a meta de fechar 2019 com uma carteira de obras de US$ 7 bilhões. “Nós mapeamos um potencial de US$ 490 bilhões em projetos de infraestrutura nos próximos cinco anos.

Desse total, vamos apresentar propostas firmes para mais de US$ 90 bilhões”, afirma, ressaltando nesse radar mercados como Panamá, Peru, República Dominicana, Estados Unidos, Brasil e países da África portuguesa. Para o executivo, os avanços que a companhia vem conquistando em governança e conformidade trarão vantagem competitiva nessas concorrências. E abrem caminho para outras guinadas, como a busca de novos sócios ou mesmo a abertura de capital da operação. Nesse último caso, a previsão é de uma janela favorável entre o fim de 2020 e o primeiro semestre de 2021. “São realidades para as quais estamos nos preparando. Mas vamos dar um passo de cada vez.”

“Hoje, não há empresa no mundo mais segura para se fazer negócio do que a Odebrecht”

Fábio Januário, Presidente da OEC (Crédito:Gabriel Reis)
Como a mudança de marca se encaixa no contexto atual da construtora?
É um reflexo de um profundo processo de transformação interno. Renovamos as lideranças, implementamos uma governança de uma empresa de capital aberto e uma série de políticas, diretrizes e controles de conformidade. Não mudamos de nome, nunca quisemos nos esconder. Nossos clientes diretos já perceberam essa agenda. Mas entendemos que era importante ampliar essa percepção a toda sociedade.

Por que o mercado e o público em geral deveriam acreditar que a Odebrecht, de fato, mudou?
Por toda essa jornada e pelo aprendizado que tivemos a partir da leniência. Hoje, eu afirmo que não há empresa mais segura para se fazer negócio no mundo que a Odebrecht. No hemisfério Sul, ninguém junta cimento, água, areia e brita e tem capacidade de executar melhor uma obra de infraestrutura do que a Odebrecht. Temos a responsabilidade de ser um vetor de transformação nas compras públicas de infraestrutura no Brasil e em toda a América Latina.

A Odebrecht foi apontada como uma das maiores tomadoras de recursos do BNDES nos últimos 15 anos. O governo sinalizou um novo perfil de financiamento para a instituição. Como o sr. enxerga essa situação?
Essa questão foi mal interpretada. Nós não tomamos financiamento. Quem faz isso são os governos de outros países que executam as obras. Somos exportadores. Há um benefício significativo para o País. Com a redução de recursos do BNDES, deixamos de exportar bens e serviços. Se o governo entender que essa é a decisão a ser tomada, só tenho a lamentar, porque vamos seguir perdendo espaço para chineses e europeus.

Quais são as perspectivas para o setor de infraestrutura no País?
Em 2018, o Brasil teve o menor investimento público no setor dos últimos 50 anos. Teríamos que investir 2,3% do PIB apenas para manter o nível que temos. Investimos 1,3%. Estamos perdendo infraestrutura. A reforma da Previdência pode destravar essa agenda. E o déficit é tão brutal que vai acelerar a recuperação de todas as empresas que fizeram a lição de casa.

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