segunda-feira, 2 de setembro de 2019

"Ser uma empresária na Suíça é desafiar os estereótipos"





Duas pessoas posando para foto
Isa Felder e Nelson Adão, na porta da escola em Zurique.
(swissinfo.ch)
Logo que chegou à Suíça, no começo dos anos 2000, a brasileira Isa Felder ainda não dominava o alemão. Apesar da mudança do calor do Rio de Janeiro para o frio de Zurique, o desafio era encarado com alegria e a jornalista estava otimista de que conseguiria se sentir em casa rapidamente.

O processo de integração, entretanto, foi mais complicado do que o esperado. A barreira do idioma surpreendeu pela dificuldade, e ela teve de conquistar o aprendizado "na marra", o que a inspira hoje a ajudar outros imigrantes.

Falar corretamente o alemão sempre esteve na lista de prioridades de Isa, mas foi só depois de sofrer um constrangimento que a jornalista teve a ideia de fazer uma formação em linguística.

"Eu estava em uma loja e tomei a liberdade de perguntar à vendedora se ela falava inglês. Ela olhou para mim sem nenhuma simpatia e disse: por que você quer saber? Não estamos em Londres! Fiquei tão sem graça. Aí ela simplesmente me abandonou, me deixou ali sozinha", recorda.

Aprender na marra


Passados quase 20 anos desde o incômodo, hoje Isa não apenas fala, como também ensina alemão. Ela investiu muito no estudo e se graduou em linguística pela Escola de Linguística Aplicada (SALLink externo, na sigla em alemão).

"O curso leva quatro anos e eu concluí em cinco, porque estava trabalhando paralelamente. É do nível de exigência de um bacharelado e foi bem difícil. Como na época eu não tinha muito dinheiro para fazer outros cursos por fora, eu aprendi o idioma praticamente na marra", conta.

Nos corredores da escola ela conheceu o angolano Nelson Adão, que estudava para se formar tradutor. Morando na Suíça desde a infância, Nelson é fluente em francês e se tornou seu melhor amigo.

Naquela época ainda não estava claro para a dupla que eles viriam a ser sócios, mas a camaradagem os ajudou a concluir a maratona de estudos com sucesso e forjou um forte elo de confiança e cumplicidade.

Após a graduação, a carioca começou a dar aulas para amigos e diplomatas do corpo consular brasileiro. Engajada, ela desenvolveu em conjunto com uma colega o programa didático que foi aplicado nas aulas do Centro Brasil Cultural (CEBRACLink externo) em Zurique, principal núcleo da cultura brasileira na Suíça.

Encorajada pelos elogios dos alunos e baseada na sua própria experiência de integração, Isa tomou coragem para inaugurar uma escola de idiomas, a World Language School (WLSLink externo), em setembro de 2017.

Empreender é "desafiar estereótipos" conta. Por ser imigrante, às vezes as pessoas perguntam como ela pode ensinar o alemão mesmo sem ser nativa no idioma, mas é justamente esse o diferencial da escola: oferecer cursos falados em português. Essa didática tem por objetivo encorajar os alunos a superar "o medo de aprender". 

Papel social


A escola de idiomas que Isa inaugurou com o sócio amigo Nelson Adão foca justamente em ajudar estrangeiros vulneráveis a superarem seus medos e contornarem suas limitações. Além de facilitar a comunicação nos níveis iniciais, a escola também oferece preços bem mais acessíveis do que cursos tradicionais como a Migros Schule.

Além disso, para que os estudantes consigam acomodar os cursos entre o deslocamento do trabalho à casa, a escola está situada próxima à estação central de Zurique. "Sempre temos bons preços, mas é a localização que também ajuda muito. Buscamos oferecer a conveniência que outros não têm", explica Nelson.

A dupla de empresários ainda está se descobrindo nos negócios e pretende inicialmente cumprir o papel social de facilitar a integração dos estrangeiros - em especial dos lusófonos - à Suíça.

"Ainda estamos registrados apenas como associação e sem fins lucrativos", explica Felder. A empresária estima que dentro do próximo ano os sócios vão conseguir juntar os 20 mil francos necessários para fundar uma companhia limitada e com isso dar uma guinada mais comercial ao empreendimento.

A maioria dos estudantes são imigrantes jovens em empregos de base. Para eles, além de propiciar a integração, o curso é uma maneira de evitar que acabem caindo na situação de "nem-nem": nem estuda, nem trabalha.

De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em 2017 cerca de 8,4% dos habitantes da suíça na faixa-etária dos 15 aos 29 anos estavam desocupadoLink externos. Não é uma percentagem elevada em comparação à média de 13,24% observada nos países da OCDE, mas relevante, considerando a prosperidade da população de Suíça.


Demanda por cursos de alemão


Joana Costa de 26 anos é uma das alunas. A portuguesa chegou a Zurique em janeiro de 2018 e foi uma das primeiras a participar dos cursos. Ela já está no nível básico-intermediário (A2) e trabalha como cuidadora de crianças na casa de uma família de alemã.

"Gosto muito da disponibilidade dos professores. As turmas são com poucas pessoas, o que ajuda bastante. Também me agrada que falam o português e por isso conseguimos tirar dúvidas específicas", conta.

"Além disso, eu tive que resolver burocracias no governo, com vários formulários, e os professores me ajudaram a preencher e resolver", elogia Costa.  

 "Aqui apoiamos o aluno com tudo. Damos até sessão terapêutica", brinca Isa se referindo ao suporte "técnico" e emocional que oferece aos estudantes. A escola também oferece esporadicamente treinamentos em meditação e palestras sobre cidadania.

Alemão para iniciantes é o curso com maior procura, com a principal demanda pelos níveis A1 e A2, mas a WLS oferece ainda aulas de inglês, espanhol, francês, italiano e português.

A estratégia de Isa e Nelson para o futuro é justamente ir além da comunidade imigrante e focar nos cidadãos suíços que têm afinidade com o Brasil e Portugal. "Eu ainda vou ensinar português pra eles", já sonha com determinação a carioca.







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