Crédito, Arquivo Pessoal
Legenda da foto,
Zucman une pesquisas teóricas e empíricas sobre impostos e desigualdade
BBC
News Brasil - Em seu trabalho o sr. propõe um imposto mínimo sobre
grandes riquezas, um imposto global de pelo menos 2%. Qual a diferença
entre cobrar imposto sobre riqueza e imposto de renda?
Gabriel Zucman - Essa
é uma questão importante. Um ponto de partida é que, de acordo com
estudos feitos em diversos países, os super-ricos pagam muito menos
imposto proporcionalmente do que o resto da população. O motivo é que,
quando você é muito rico, é muito fácil estruturar sua riqueza de forma
que ela não gere o que é considerado renda.
Por
exemplo, indivíduos como Jeff Bezos [fundador da Amazon] ou Elon Musk
[presidente da Tesla], algumas das pessoas mais ricas do mundo, às vezes
não têm nenhuma renda passível de tributação. Porque a noção de renda
não é muito bem definida para os ricos, eles podem minimizar sua renda.
Então,
nossa proposta é que haja um imposto global mínimo sobre riqueza,
porque a riqueza é mais bem definida. Se você é bilionário, isso
normalmente significa a soma do valor de mercado de todos os seus ativos
menos a dívida.
Então,
para as pessoas que pagam imposto de renda, não haveria cobrança a
mais, mas, para os super-ricos, a cobrança seria uma porção da sua
riqueza.
BBC News Brasil - Isso se aplicaria somente aos bilionários? Qual seria o ponto de corte?
Zucman -
A ideia é um imposto mínimo global para os muito ricos, e quem entraria
nessa categoria é algo que precisa ser discutido. Mas, para começar,
cobrar 2% sobre a riqueza dos bilionários é algo que afetaria menos de 3
mil pessoas no mundo todo e geraria uma receita de US$ 250 bilhões.
Conceitualmente,
não há nenhum motivo para taxar somente os bilionários, poderíamos
taxar pessoas com centenas de milhões de dólares. Mas a ideia geral é
ser um imposto para os super-ricos. Não é um imposto para quem só está
bem de vida.
BBC News Brasil - Um acordo internacional do tipo é viável? É uma proposta bastante ambiciosa.
Zucman -
É viável, com certeza. Quais são as principais dificuldades? Existe o
risco de evasão fiscal. Mas a gente pode aproveitar uma iniciativa de
grande sucesso em cooperação internacional da última década: a criação
do sistema automático de troca de informações bancárias. Isso tornou
mais difícil para os ricos esconderem ativos.
Existe
a questão de como medir a riqueza, mas, para isso, só precisamos
formalizar regras comuns para a avaliação da riqueza, e isso é factível.
Outro risco é a competição tributária [quando países ou Estados
diminuem os impostos para atrair os ricos], mas um acordo internacional
diminui as chances de países "perderem" residentes, porque vai haver um
imposto mínimo global.
BBC
News Brasil - Mesmo se houver uma cooperação internacional para um
imposto mínimo, pode haver países que decidam não aderir. O que impede
os super-ricos de se mudarem para esses países? Isso seria algo que
precisaria ser unânime para dar certo?
Zucman - Com
certeza, haveria países que ficariam de fora do acordo. Mas não
precisamos de um consenso global, porque nunca vai haver um consenso
realmente global. É possível ter um grande número de países, como
aconteceu em 2021, quando 130 países concordaram com um imposto mínimo
de 15% para multinacionais.
Alguns
países não ratificaram o acordo, mas há uma cláusula que diz que os
países que ratificam o acordo têm o direito de tributar as empresas
multinacionais dos países que não cooperarem para que a sua taxa efetiva
de imposto também atinja 15%, então, poderíamos aplicar essa lógica na
tributação dos super-ricos.
É
possível que um grande número de países concordem, mas mesmo que alguns
não concordem, isso não seria um problema, porque sempre podemos
arrecadar os impostos que os outros países não arrecadam. Os países
podem dizer, 'olha, mesmo que você se mude para um paraíso fiscal, vamos
continuar cobrando o imposto, então a mudança nem faz mais sentido'.
Cria-se um mecanismo que, se um país não arrecadar aquele imposto, vai
ter mais dinheiro na mesa para os outros arrecadarem.
BBC News Brasil - Como isso funcionaria?
Zucman -
Haveria dificuldades se fosse um acordo somente de países pequenos.
Mas, se grandes países do G20 concordarem e uma grande massa crítica
aderir, não seria um problema se alguns outros países não aderissem,
porque os países que aderissem poderiam cobrar os bilionários até
atingir 2% da riqueza total - na medida em que eles têm necessariamente
investimentos nos países que ratificaram ou durante o tempo em que
passam nesses países.
Hoje,
os muito ricos obtêm sua riqueza por possuírem empresas que têm
clientes em todo o mundo e produzem em todo o mundo. Foi assim que se
resolveu o problema da competição tributária no acordo para o imposto
mínimo sobre multinacionais.
O
resumo é que é possível criar esse imposto de uma forma que os ricos
não poderiam evitá-lo se mudando. É muito importante entendermos que a
competição tributária internacional não é uma lei da natureza. É uma
escolha política. Podemos escolher tolerar isso ou não.
Crédito, Agência Brasil
Legenda da foto,
No Brasil, milionários pagam menos impostos que professores, médicos e policiais
BBC News Brasil - Falamos de dificuldades operacionais e soluções, mas e as dificuldades políticas?
Zucman - A
gente vê que há um caminho político em muitos países para isso. Um
exemplo marcante são os Estados Unidos. Olha a evolução, é bem incrível.
Em 2019, 2020, o presidente Joe Biden fez campanha contra um imposto
sobre muito ricos. E, agora, ele apresentou um imposto de 25% sobre a
renda de bilionários - com uma noção bem abrangente do que é renda.
Se
você olhar para pesquisas de opinião de muitos países, vê que existe um
apoio popular enorme para um sistema tributário mais progressista.
Estamos falando de 70% a 80% de apoio entre pessoas de diversas
orientações políticas.
Hoje,
existe um entendimento melhor do que precisa ser feito concretamente
para lidar com imposto sobre grandes riquezas. Muitos países tiveram
impostos sobre riqueza no passado, mas que foram muito mal
desenvolvidos, havia muita evasão fiscal, e os países toleravam a
competição fiscal. Mas, desde então, tem havido muita pesquisa para
entender essa experiência histórica, para aprender com os erros que
alguns países cometeram. Então existem condições ideais para isso em
muitos países grandes.
BBC
News Brasil - Um argumento frequentemente usado por quem se opõe a essa
ideia é que o imposto poderia desencorajar o crescimento econômico e
diminuir o ritmo de geração de riqueza.
Zucman - O
impacto negativo de um imposto sobre grandes fortunas seria zero para a
grande maioria dos contribuintes e seus negócios. O impacto sobre o
crescimento econômico seria, na verdade, positivo, porque a arrecadação
poderia ser usada para ampliar o acesso à educação e à saúde e ampliar a
infraestrutura, que são a chave do crescimento econômico.
Para
a sociedade, o efeito seria muito positivo não só pelos investimentos
possíveis gerados pela arrecadação, mas por outras razões. Quando os
super-ricos conseguem não pagar impostos, é o resto da população que
paga, e isso não é sustentável.
Um
acordo reforçaria a confiança nas instituições democráticas e tornaria a
globalização mais aceitável. E, com isso, os bilionários teriam
benefícios, e seus negócios também. Eles deveriam apoiar - alguns
apoiam.
BBC
News Brasil - Quais são as áreas que criam mais oportunidades para
evasão fiscal? Em seu relatório, o sr. citou o mercado imobiliário.
Zucman -
Sim, o mercado imobiliário é uma das áreas, porque não está incluído no
sistema de troca automática de informação bancária. É um ponto cego,
mas a solução é muito simples: basta incluir propriedades imobiliárias
no sistema.
BBC News Brasil - E as outras áreas? Hoje há uma preocupação com criptomoedas.
Zucman -
Há evasão no mercado de criptomoedas com certeza. Mas, hoje, a
principal forma dos muito ricos de evitar pagar impostos é criar
empresas fantasmas, holdings artificiais que administram os negócios
para evitar qualquer imposto de renda.
É
um tipo de planejamento tributário, uma zona cinzenta entre evitar
impostos e evasão fiscal. Essas empresas não têm nenhuma atividade
econômica de fato. Esse é um problema que um imposto mínimo global sobre
riquezas ajudaria a resolver.
BBC News Brasil - No Brasil, não são cobrados impostos sobre lucros e dividendos. O que o sr. pensa sobre isso?
Zucman - É
um erro. Quase todos os países que têm imposto de renda também tributa
dividendos. O problema de fazer isso é que dividendos são uma das
principais formas de renda dos muito ricos, então, o que está
acontecendo é que você não está tributando os mais ricos, o que é muito
injusto.
O
outro problema é que cria uma forma de evitar o pagamento de impostos.
Uma das regras para uma legislação tributária eficiente é tributar
diferentes formas de renda da mesma forma, assim as pessoas não podem
estruturar sua renda para pagar menos impostos.
BBC
News Brasil - A escola de pensamento que o sr. e Thomas Piketty seguem
argumenta que o aumento da desigualdade vai gerar instabilidade política
no longo prazo. Seu trabalho é uma crítica ao capitalismo ou uma
maneira de "salvá-lo"?
Zucman - Meu
trabalho é uma crítica ao capitalismo, no sentido de que há necessidade
de uma crítica, porque sempre podemos fazer melhor. A forma como
tributamos neste momento tem esse problema muito óbvio e gritante: o
fato de favorecer a concentração de riquezas e a desigualdade.
Concentração de riqueza significa também concentração de poder, o que
corrói a democracia.
Estou
muito focado em corrigir esse problema específico. Não vai consertar o
capitalismo. Mas, junto com um imposto de renda progressivo, junto com
um imposto sobre grandes heranças, pode ter um efeito grande.
O imposto sobre grandes riquezas não vai salvar o capitalismo, mas é um primeiro passo.
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