Autor: Mario Vargas Llosa
Como o desabastecimento e a escassez de alimentos
estavam devastando a Venezuela e aumentando o descontentamento popular, o
presidente Nicolás Maduro, que não tem muito conhecimento de economia,
mas é homem de verdade e valentão, decidiu resolver o problema num
piscar de olhos.
Explicou à população que a inflação alta no país (a mais alta da
América Latina) era produto de um complô maquinado pelos EUA, por
empresários e comerciantes açambarcadores e os partidos de oposição para
destruir a revolução bolivariana ou o “socialismo do século 21″. E, em
uma canetada, ordenou uma redução dos preços dos alimentos e dos
eletrodomésticos entre 50% e 70%, ao mesmo tempo que mandou soldados e
tropas de choque ocuparem estabelecimentos comerciais e mandou para a
prisão um bom número de “conspiradores”, ou seja, proprietários de lojas
e de armazéns.
A campanha foi lançada pelo presidente Maduro com o lema “Esvaziem as
prateleiras”. A ordem foi entendida por um bom número de pessoas
equivocadas como uma carta-branca para saquear.
Principalmente em
Valência, mas também em Caracas e em outras cidades, ocorreram assaltos e
pilhagens em meio a uma enorme confusão.
Era patético escutar as sofridas donas de casa venezuelanas
explicando aos repórteres da TV pública o quão felizes estavam com
aquelas espetaculares reduções de preços que lhes permitiriam trocar de
geladeira, de fogão e assegurar duas refeições por dia para a família.
Ao mesmo tempo que derrotava a inflação com um soco na mesa, ou seja,
leiloando e confiscando cadeias de produtos alimentícios e
eletrodomésticos, o presidente, com a aprovação da Lei Habilitante,
garantiu para si os poderes absolutos que durante um ano lhe permitirão
governar sem leis, à maneira cômoda e expeditiva dos ditadores. Para
conseguir isso, a Assembleia Nacional retirou a imunidade de uma
deputada da oposição, María Mercedes Aranguren, e substituiu-a pelo seu
suplente, o deputado Carlos Flores, que, da noite para o dia (e mediante
generosos benefícios) tornou-se chavista e votou a favor da lei.
Em resumo, passada a ilusão que essas operações criaram numa opinião
pública desesperada em virtude da corrupção, do empobrecimento e da
anarquia crescente que vive a Venezuela, o preço que o país terá de
pagar pela demagogia irresponsável desses últimos dias será muito alto.
Sem dúvida, contrariamente aos cálculos do governo, ela se traduzirá
numa nova e mais massacrante derrota do governo nas próximas eleições de
8 de dezembro, o que o obrigará, como ocorreu nas presidenciais, a uma
nova fraude monumental para manter-se no poder, apesar do seu descrédito
e da ruína a que leva a cada dia o seu desventurado país.
A Venezuela nunca teve uma agricultura próspera, à altura das enormes
possibilidades agrícolas que possui, mas, com o chavismo, suas
expropriações e invasões, o confisco arbitrário de fazendas e a
asfixiante burocracia que impera, a produção agrária em determinadas
regiões ficou reduzida ao mínimo e em outras simplesmente desapareceu.
O resultado de tudo isso é que o país precisa importar quase 95% do
que consome, algo que na época do apogeu do petróleo apenas se
insinuava. No entanto, o controle revolucionário da indústria implantado
por Chávez e Maduro reduziu a produção petrolífera venezuelana
radicalmente, ao passo que as medidas de controle do câmbio, uma das
fontes mais férteis da corrupção, transformaram num verdadeiro pesadelo a
obtenção de dólares para os comerciantes e empresários que precisam da
moeda para importar matéria-prima e produtos do exterior. Somente os
apadrinhados do governo conseguem divisas ou aqueles que podem pagar
comissões milionárias para consegui-las.
Os pequenos espaços da economia em mãos privadas começarão a ser
fechados até desaparecer e cair nas mãos de uma burocracia incompetente e
corrupta
Os outros precisam comprar dólar no mercado negro, onde custa dez
vezes mais do que no câmbio oficial. Essa é a explicação para a alta
desmedida dos preços e para o desabastecimento generalizado. As
intrépidas reduções impostas por Maduro só serviram para acelerar a
escassez de produtos. As prateleiras ficarão vazias de fato e o mercado
negro, que crescerá de maneira descomunal, só estará ao alcance dos
privilegiados, ou seja, dos favorecidos pelo regime ou pela vertiginosa
corrupção causada pela política intervencionista na economia. Em outras
palavras, a política do socialismo chavista contribuiu para agravar as
desigualdades econômicas e sociais que propunha abolir.
Ao mesmo tempo que ocorriam esses fatos na Venezuela, em Pequim, o
Comitê Central do Partido Comunista anunciava uma nova estratégia
econômica, ampliando os mercados livres já existentes para assegurar uma
melhor distribuição dos recursos e permitir uma participação das
empresas privadas, chinesas e estrangeiras, nas indústrias estatais.
No entanto, advertiu também que essa abertura não terá
correspondência política, pois o Partido Comunista continuará sendo a
autoridade suprema da vida social. É improvável que o PC chinês adote
essas medidas de inequívoco viés capitalista em virtude de uma conversão
ideológica e que vá implementá-las com alegria.
Não, ele resignou-se a
adotá-las porque, fiel ao pragmatismo tradicional da sua cultura,
compreendeu que o coletivismo e o estatismo econômico arruínam os
países.
Além de empobrecê-los e de deixá-los atrasados, multiplicam as
injustiças sociais, criam uma distância cada vez maior entre os
funcionários privilegiados da nomenclatura e os cidadãos comuns que,
além de viver na insegurança e no temor, continuam a fazer filas,
receber salários miseráveis e sem a menor igualdade de oportunidades.
Essas verdades elementares, que já chegaram à União Soviética antes
do seu colapso e começam a surgir, embora timidamente, em Cuba, parecem
fora do alcance intelectual e do olfato político do presidente Maduro e
dos seus assessores econômicos.
Por isso, não é difícil prever qual será o futuro imediato da
Venezuela, país que, com a sua abundância de recursos, deveria registrar
um dos mais altos níveis de vida da América Latina. Como o
desabastecimento e a escassez de produtos, que obedecem a leis
econômicas e não a ordens de caráter político, devem se agravar, o passo
seguinte do governo será proceder à nacionalização progressiva das
lojas e estabelecimentos que “conspiram” contra a revolução, especulando
e deixando a população faminta.
Os pequenos espaços da economia em mãos privadas começarão a ser
fechados até desaparecer e cair nas mãos de uma burocracia incompetente e
corrupta. Assim, o racionamento de produtos da cesta básica de
alimentos, que em boa parte já ocorre, vai se estender como uma hidra
para toda as áreas da economia até transformar a Venezuela num país tão
estatizado quanto Cuba ou Coreia do Norte.
Resultado inevitável dessa hegemonia do Estado: o desaparecimento dos
escassos meios de comunicação independentes que, com enormes sacrifício
e coragem, resistem ainda ao assédio governamental. Terá valido a pena
tudo o que significou a revolução chavista em termos de ilusões,
esforços e violência?
É verdade que a democracia por ela derrubada era ineficiente,
esbanjadora, demagógica e insensível aos grandes problemas sociais,
criando um grande descontentamento de uma população que ingenuamente –
mais uma vez na desgraçada história da América Latina – viu num caudilho
carismático e desbocado o seu salvador.
O resultado está à vista: uma Venezuela empobrecida, exasperada,
devastada por demagogia e corrupção, repleta de novos ricos que
enriqueceram de maneira ilícita, que, quando recuperar a liberdade e a
sensatez, precisará de muitos anos para recuperar o tempo que perdeu com
o colapso da sua democracia.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 24/11/2013