quarta-feira, 28 de novembro de 2018

É preciso fazer concessões em acordos de leniência, diz André Mendonça, futuro AGU



É preciso fazer concessões em acordos de leniência entre empresa e Estado para que se possa alcançar resultados mais efetivos, defende André Mendonça, escolhido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para ser o advogado-geral da União do novo governo.
Para o futuro AGU, André Mendonça, interesse público é um conceito subjetivo, devendo ser balizado à luz da situação concreta.
Humberto Eduardo de Sousa
"Podemos chegar a 100% de recuperação fazendo concessões. A lei é clara ao dizer o valor da multa. Uma empresa que vem e delata um ministro que ninguém sabia merece tratamento de redução quase integral, senão integral", disse nesta segunda-feira (26/11) ao participar do seminário O Interesse Público e as novas relações entre Estado e Empresas, organizado pela ConJur em Brasília.

Mendonça afirma que o interesse público é um conceito subjetivo, devendo ser balizado à luz da situação concreta. "Antes dos acordos, quando não se podia fazer concessões, recebíamos 1%, quando assumi o Departamento de Probidade Administrativa da AGU. Saí de lá e recebíamos 15%. Virou referência até na ONU. Agora, com os acordos de leniência, recebemos no mínimo 70%, fazendo concessões de 30%", calculou.

Segundo o sucessor de Grace Mendonça, "o fundamental para o êxito na relação empresa-Estado é a boa-fé entre as partes". "Assim, a busca de soluções se torna mais fácil, porque o gestor vai saber que está buscando solução pelo bem público também, e não apenas em benefício de empresas. Essa é a primeira conversa que temos com qualquer empresa que nos procura. Se percebemos que há indícios de má-fé, está encerrada a conversa."

Nicolao Dino, subprocurador-geral da República, acredita que a leniência deve estar presente em todas as esferas de responsabilização. "O acordo de leniência é um instrumento de defesa de quem é investigado em atos de corrupção e, ao mesmo tempo, uma técnica especial de investigação da qual o Estado se utiliza para aprofundar uma linha investigativa com o objetivo de alcançar todas as questões no contexto de uma investigação criminosa."

Ele também defendeu a necessidade de participação do Ministério Público em todos os acordos de leniência. “O Ministério Público é titular da ação de improbidade administrativa e, nessa condição, deve participar em todas as fases do acordo, seja para verificar e exercer a legalidade dos atos referentes ao acordo, seja para assegurar que as consequências também repercutirão nas diversas esferas de responsabilização", explicou.


Presidente do STF, Dias Toffoli lembrou que, atualmente, a relação entre Estado e empresa é vista como criminosa, "mesmo que feita dentro do interesse público".
Humberto Eduardo de Sousa
Relação criminosa

 
Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, a relação entre Estado e empresa é vista, atualmente, como criminosa, "mesmo que feita dentro do interesse público".

"A sociedade joga a relação com o Estado na marginalidade, e o Estado, fragmentado, não dá transparência e acessibilidade. Com a multiplicidade de órgãos, tem que haver um gerenciamento de temas de maneira institucional e entre Poderes."

Toffoli defende que é preciso mudar essa cultura com mais transparência. "Só assim haverá mais eficiência e responsabilidade, e precisaremos, cada vez menos, de órgãos de controle."

Já o advogado Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e da Controladoria-Geral da União, diz que há uma overdose de controle. "Precisamos que haja mais qualidade, assim haverá controle que estimule o comportamento adequado. Não vamos eliminar a corrupção, mas vamos saber o que fazer."

Segundo Simão, para empresas que vivem de contratos com o Estado, a declaração de inidoneidade — e, com ela, a proibição de contratar com o poder público — equivale à pena de morte.

"É duro, mas é justo. A postura que se espera do Estado no combate à corrupção também é essa. O castigo deve ser pesado o bastante para ressarcir os cofres públicos, proteger a administração e, sobretudo, ensinar os malfeitores ,  atuais ou potenciais, que o crime não compensa. O rigor da lei e da sua aplicação é essencial para desestimular empresários e executivos a seduzir funcionários públicos  ou se deixar seduzir por eles."

Entretanto, diz, o propósito do Estado não se resume a aplicar punições, sobretudo quando a pena produz efeitos adversos no campo econômico. Punir empresas significa, em última análise, descartar riqueza.

"As empresas representam um interesse em si. Geram receita, pagam impostos, criam empregos e avançam o desenvolvimento do país. Quando lucram e expandem seus negócios, estimulam concorrência, com o ingresso de agentes nos mercados. É preciso que tenham sucesso para que a economia do país cresça."
Punitivismo é um caminho muito perigoso, afirmou o ministro do STJ Napoleão Nunes Maia ao criticar a atuação de juízes que "só pensam em punir com a pena mais severa".
Humberto Eduardo de Sousa
 
Pena severa

 
O ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça, falou sobre a atuação da Justiça nesses casos. Segundo ele, "o juiz só pensa em punir com a pena mais severa que tiver".

"Que não seja refém da lei, mas da Justiça, que olhe mais para a inocência do que para a culpa. O punitivismo é um caminho muito perigoso, que pode levar à destruição de cultura", afirmou.

Para o ministro, 99% das ações de improbidade terminam em demissão. "Isso acontece qualquer que seja a infração, raramente vejo outras sanções. As vezes, a infração é mínima, relevável."


Aperfeiçoamento pela prática

 
O advogado Igor Tamasauskas supervisionou o acordo firmado com a agência de publicidade MullenLowe Brasil, o primeiro a envolver o MPF e todas as agências do governo, além do TCU. Desse momento para cá, ele acredita que o país tem acumulado conhecimento e avançado no instrumento da delação, que ele considera fundamental para o país que seja consolidado.

"A CGU começou a padronizar formulário de entrega de informação, passou a padronizar fórmula de cálculo de multas. O primeiro acordo veio com valor definido, que não tinha uma construção muito clara. O anexo fomos nós que produzimos, no padrão que construímos. Da última vez que sentamos, já tinha o anexo padrão em que se narra a conduta, por exemplo. E isso facilita durante a negociação, para saber qual vai ser o valor final do acordo. Tem um ganho para tratar desse tema", afirmou.

Diante de um conluio entre agentes econômicos e empresários, o enfrentamento da corrupção pressupõe, no entendimento dele, a adoção de medidas que ataquem cada um dos aspectos envolvidos. Dos aspectos mencionados que levam à decisão pela corrupção, estão ponderações psicológicas, econômicas, jurídicas. Se o acordo com a MullenLowe Brasil foi firmado no início do ano e foi construído desde 2014, o aperfeiçoamento do modelo da leniência depende de prática.

"A Lei Anticorrupção foi muito feliz nesse sentido, por impor uma pena extrapatrimonial, que é a obrigação da empresa punida publicar a sentença condenatória, o ataca a imagem da empresa. Outro ponto importante é estabelecer paralelo entre uma pena pesadíssima e a possibilidade de saída honrosa da empresa, que acaba construindo um controle em rede, e cada empresa acaba fiscalizando outros elos da cadeia comercial", disse Igor Tamasauskas.


Frouxidão regulatória

 
Advogado especializado em direito empresarial, Walfrido Warde afirmou que é possível definir combate à corrupção, de levada em conta a dimensão puramente repressiva, em quatro aspectos: determinação do ilícito, detecção, concreção do ilícito ou das penalidades impostas em razão da ilicitude e as vias de solução da empresa.

"Importamos um modelo repressivo de combate que pressupõe regulação bastante minuciosa da relação Estado-empresa que não existe na prática. Precisamos saber como nos comportar. Os agentes não sabem mais como se comportar e têm receio de ensejar uma ação de improbidade. Da mesma forma o agente empresarial. Temos de pensar em racionalizar as relações entre o Estado e a sociedade civil", disse.

Ele enfatizou ainda que, por mais que haja uma escolha política por um modelo ultraliberal, não há como prescindir do Estado. "Sobretudo num contexto de capitalismo cujo financiamento é incipiente como o nosso. As empresas se financiam indo ao banco ou ao Estado no Brasil. Nesse contexto temos profunda frouxidão regulatória e nos submetemos a subjetivismos", pontuou.


Olhar internacional

 
Ex-procurador do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Ben O’Neil afirmou que o Brasil tem feito um bom trabalho de enfrentamento à corrupção, especialmente nos últimos cinco anos. Isso é, segundo ele, sentido nos EUA e no restante do mundo.

"Nos EUA temos desenvolvido um sistema de colaboração há um tempo e tivemos um número significativo de problemas com nosso processo. A crise que enfrentamos em 2001 realmente desenhou a forma como lidamos com a corrupção de corporações. Precisamos pensar em como lidar com isso para não perdermos centenas de milhares de empregos. Em 2001, começou a ser desenvolvido o estreitamento dessa balança entre punir as empresas pelo que fizeram, mas não de tal forma que as tirassem dos negócios", disse.

Ao longo da década, Ben O’Neil afirma que o país passou por vários momentos, incluindo aqueles em que o governo pesou a mão em relação às empresas e outros em que não foi suficientemente duro. Atualmente, o que se entende é que, para que haja um acordo com as empresas, elas devem ativamente cooperar contra os indivíduos que atuaram nos esquemas de corrupção.

"Ao invés de fazê-las pagar valores imensos, colocar executivos na cadeia por condutas ilegais é mais efetivo. Empresas não agem errado, pessoas agem", disse.

 https://www.conjur.com.br/2018-nov-27/preciso-concessoes-acordos-leniencia-futuro-agu

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