É
preciso fazer concessões em acordos de leniência entre empresa e Estado
para que se possa alcançar resultados mais efetivos, defende André
Mendonça, escolhido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para
ser o advogado-geral da União do novo governo.
"Podemos chegar a 100% de recuperação fazendo concessões. A
lei é clara ao dizer o valor da multa. Uma empresa que vem e delata um
ministro que ninguém sabia merece tratamento de redução quase integral,
senão integral", disse nesta segunda-feira (26/11) ao participar do
seminário O Interesse Público e as novas relações entre Estado e Empresas, organizado pela ConJur em Brasília.
Mendonça
afirma que o interesse público é um conceito subjetivo, devendo ser
balizado à luz da situação concreta. "Antes dos acordos, quando não se
podia fazer concessões, recebíamos 1%, quando assumi o Departamento de
Probidade Administrativa da AGU. Saí de lá e recebíamos 15%. Virou
referência até na ONU. Agora, com os acordos de leniência, recebemos no
mínimo 70%, fazendo concessões de 30%", calculou.
Segundo
o sucessor de Grace Mendonça, "o fundamental para o êxito na relação
empresa-Estado é a boa-fé entre as partes". "Assim, a busca de soluções
se torna mais fácil, porque o gestor vai saber que está buscando solução
pelo bem público também, e não apenas em benefício de empresas. Essa é a
primeira conversa que temos com qualquer empresa que nos procura. Se
percebemos que há indícios de má-fé, está encerrada a conversa."
Ele também defendeu a necessidade de participação do Ministério Público em todos os acordos de leniência. “O Ministério Público é titular da ação de improbidade administrativa e, nessa condição, deve participar em todas as fases do acordo, seja para verificar e exercer a legalidade dos atos referentes ao acordo, seja para assegurar que as consequências também repercutirão nas diversas esferas de responsabilização", explicou.
Relação criminosa
Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, a relação entre Estado e empresa é vista, atualmente, como criminosa, "mesmo que feita dentro do interesse público".
Toffoli defende que é preciso mudar essa cultura com mais transparência. "Só assim haverá mais eficiência e responsabilidade, e precisaremos, cada vez menos, de órgãos de controle."
Já o advogado Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e da Controladoria-Geral da União, diz que há uma overdose de controle. "Precisamos que haja mais qualidade, assim haverá controle que estimule o comportamento adequado. Não vamos eliminar a corrupção, mas vamos saber o que fazer."
Segundo Simão, para empresas que vivem de contratos com o Estado, a declaração de inidoneidade — e, com ela, a proibição de contratar com o poder público — equivale à pena de morte.
"É duro, mas é justo. A postura que se espera do Estado no combate à corrupção também é essa. O castigo deve ser pesado o bastante para ressarcir os cofres públicos, proteger a administração e, sobretudo, ensinar os malfeitores , atuais ou potenciais, que o crime não compensa. O rigor da lei e da sua aplicação é essencial para desestimular empresários e executivos a seduzir funcionários públicos ou se deixar seduzir por eles."
Entretanto, diz, o
propósito do Estado não se resume a aplicar punições, sobretudo quando a
pena produz efeitos adversos no campo econômico. Punir empresas
significa, em última análise, descartar riqueza.
"As
empresas representam um interesse em si. Geram receita, pagam impostos,
criam empregos e avançam o desenvolvimento do país. Quando lucram e
expandem seus negócios, estimulam concorrência, com o ingresso de
agentes nos mercados. É preciso que tenham sucesso para que a economia
do país cresça."
Pena severaO ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça, falou sobre a atuação da Justiça nesses casos. Segundo ele, "o juiz só pensa em punir com a pena mais severa que tiver".
"Que
não seja refém da lei, mas da Justiça, que olhe mais para a inocência
do que para a culpa. O punitivismo é um caminho muito perigoso, que pode
levar à destruição de cultura", afirmou.
Para o
ministro, 99% das ações de improbidade terminam em demissão. "Isso
acontece qualquer que seja a infração, raramente vejo outras sanções. As
vezes, a infração é mínima, relevável."
Aperfeiçoamento pela prática
O advogado Igor Tamasauskas supervisionou o acordo firmado com a agência de publicidade MullenLowe Brasil, o primeiro a envolver o MPF e todas as agências do governo, além do TCU. Desse momento para cá, ele acredita que o país tem acumulado conhecimento e avançado no instrumento da delação, que ele considera fundamental para o país que seja consolidado.
"A
CGU começou a padronizar formulário de entrega de informação, passou a
padronizar fórmula de cálculo de multas. O primeiro acordo veio com
valor definido, que não tinha uma construção muito clara. O anexo fomos
nós que produzimos, no padrão que construímos. Da última vez que
sentamos, já tinha o anexo padrão em que se narra a conduta, por
exemplo. E isso facilita durante a negociação, para saber qual vai ser o
valor final do acordo. Tem um ganho para tratar desse tema", afirmou.
Diante
de um conluio entre agentes econômicos e empresários, o enfrentamento
da corrupção pressupõe, no entendimento dele, a adoção de medidas que
ataquem cada um dos aspectos envolvidos. Dos aspectos mencionados que
levam à decisão pela corrupção, estão ponderações psicológicas,
econômicas, jurídicas. Se o acordo com a MullenLowe Brasil foi firmado
no início do ano e foi construído desde 2014, o aperfeiçoamento do
modelo da leniência depende de prática.
"A Lei
Anticorrupção foi muito feliz nesse sentido, por impor uma pena
extrapatrimonial, que é a obrigação da empresa punida publicar a
sentença condenatória, o ataca a imagem da empresa. Outro ponto
importante é estabelecer paralelo entre uma pena pesadíssima e a
possibilidade de saída honrosa da empresa, que acaba construindo um
controle em rede, e cada empresa acaba fiscalizando outros elos da
cadeia comercial", disse Igor Tamasauskas.
Frouxidão regulatória
Advogado especializado em direito empresarial, Walfrido Warde afirmou que é possível definir combate à corrupção, de levada em conta a dimensão puramente repressiva, em quatro aspectos: determinação do ilícito, detecção, concreção do ilícito ou das penalidades impostas em razão da ilicitude e as vias de solução da empresa.
"Importamos
um modelo repressivo de combate que pressupõe regulação bastante
minuciosa da relação Estado-empresa que não existe na prática.
Precisamos saber como nos comportar. Os agentes não sabem mais como se
comportar e têm receio de ensejar uma ação de improbidade. Da mesma
forma o agente empresarial. Temos de pensar em racionalizar as relações
entre o Estado e a sociedade civil", disse.
Ele
enfatizou ainda que, por mais que haja uma escolha política por um
modelo ultraliberal, não há como prescindir do Estado. "Sobretudo num
contexto de capitalismo cujo financiamento é incipiente como o nosso. As
empresas se financiam indo ao banco ou ao Estado no Brasil. Nesse
contexto temos profunda frouxidão regulatória e nos submetemos a
subjetivismos", pontuou.
Olhar internacional
Ex-procurador do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Ben O’Neil afirmou que o Brasil tem feito um bom trabalho de enfrentamento à corrupção, especialmente nos últimos cinco anos. Isso é, segundo ele, sentido nos EUA e no restante do mundo.
"Nos EUA temos
desenvolvido um sistema de colaboração há um tempo e tivemos um número
significativo de problemas com nosso processo. A crise que enfrentamos
em 2001 realmente desenhou a forma como lidamos com a corrupção de
corporações. Precisamos pensar em como lidar com isso para não perdermos
centenas de milhares de empregos. Em 2001, começou a ser desenvolvido o
estreitamento dessa balança entre punir as empresas pelo que fizeram,
mas não de tal forma que as tirassem dos negócios", disse.
Ao
longo da década, Ben O’Neil afirma que o país passou por vários
momentos, incluindo aqueles em que o governo pesou a mão em relação às
empresas e outros em que não foi suficientemente duro. Atualmente, o que
se entende é que, para que haja um acordo com as empresas, elas devem
ativamente cooperar contra os indivíduos que atuaram nos esquemas de
corrupção.
"Ao invés de fazê-las pagar valores imensos,
colocar executivos na cadeia por condutas ilegais é mais efetivo.
Empresas não agem errado, pessoas agem", disse.
https://www.conjur.com.br/2018-nov-27/preciso-concessoes-acordos-leniencia-futuro-agu
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