terça-feira, 20 de novembro de 2018

Acossada pela crise, Justiça Federal sofre para alcançar o futuro



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*Reportagem de abertura do Anuário da Justiça Federal 2019,  que será lançado na próxima quarta-feira (21/11) na sede do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.


A Justiça Federal passa por uma fase difícil de adaptação. Com restrições orçamentárias cada vez maiores, investe o que pode no processo eletrônico para compensar a redução da equipe e conseguir lidar com a demanda que, apesar de ter diminuído em 2017, chegou a quase 3,5 milhões de casos novos. O resultado desse esforço foi a maior produtividade dos últimos cinco anos e, paradoxalmente, o maior acervo no mesmo período, de acordo com dados fornecidos pelos tribunais ao Conselho da Justiça Federal (CJF). Os dados do ano compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entretanto, mostram que houve aumento de 1,7% no número de casos novos levados à Justiça Federal.



Primeira e segunda instâncias são dois mundos à parte. Os 138 desembargadores da Justiça Federal ainda estão longe de viver no mundo ideal, uma vez que juntos têm mais de um milhão de processos para decidir. Mas, ao contrário do que acontece nas varas federais, há pelo menos cinco anos conseguem decidir mais do que chega. Em 2017, inclusive, reduziram o tamanho do acervo.

Entre os 1.800 juízes de primeira instância, aumentou também a produtividade, ainda que de forma simbólica. A quantidade de casos em tramitação, por outro lado, está mais perto de chegar aos oito milhões de processos do que baixar para os seis milhões que existiam em 2013.





A maior variação foi registrada no TRF-2, com sede no Rio de Janeiro, que passou de 874 mil processos em tramitação para 928 mil casos de 2016 para 2017. No mesmo período, registrou-se aumento também nas cortes da 1ª, da 3ª e da 5ª Regiões. A exceção foi o TRF-4, com sede em Porto Alegre, que viu redução de 3,2% em relação a 2016. Dados de 2018 fornecidos pelo tribunal, no entanto, indicam que o número de processos chegou a 833 mil até junho, o que representa aumento de 4,6% no período total.

De acordo com o relatório Justiça em Números 2018, do CNJ, o Judiciário brasileiro em geral tem conseguido reduzir seu acervo, embora o tempo do processo aumente ano a ano. Na Justiça Federal o jurisdicionado precisa esperar, em média, dois anos por uma sentença. Esse tempo era menor: 1 ano e 9 meses em 2016 e 1 ano e 7 meses em 2015.





O aumento do tempo de tramitação vai de encontro a todas as ações tomadas no âmbito dos TRFs para acelerar os julgamentos: digitalização dos processos, uniformização dos sistemas eletrônicos, investimentos no aprimoramento e incorporação de novas ferramentas e a frequente busca por pacificar a jurisprudência.

A 1ª Região é onde a demora é maior, em um cenário até certo ponto natural diante de sua vastidão – é composta de 13 estados mais o Distrito Federal. Ter a sede em Brasília, capital do país e foro da União, é outro fator que colabora para aumentar a carga de trabalho dos juízes do TRF-1, já que qualquer pessoa de qualquer estado pode litigar ali.





O TRF-1 é a corte com maior número de casos em tramitação em segunda instância: mais de 500 mil em junho de 2018, contra 340 mil do TRF-3, segundo colocado no ranking. Grande parte dos processos ainda são de papel, o que dificulta a tramitação e o armazenamento: um terço do espaço dos prédios do TRF-1 está reservado para guardar a papelada.

Em agosto, estava em análise projeto do vice-presidente, Kassio Nunes Marques, para digitalizar o acervo e, então, adotar ferramentas de inteligência artificial para gerir melhor as demandas repetitivas. O que não se faz do dia para a noite.




A média de espera por uma decisão na 1ª Região é de 2 anos e 4 meses, superior à média da Justiça Federal e do Judiciário brasileiro como um todo. Mas foi a única que baixou o tempo em relação a 2016, quando a demora era de 2 anos e 8 meses. Todos os demais tribunais registraram aumento.

O TRF da 2ª Região finalmente fez uma opção depois de anos e adotou o e-Proc, substituindo o ultrapassado e caro sistema Apolo. A escolha foi feita diante de parceria com o TRF-4 e depois de visitar o TRF-3, que adota o PJe, e levar em conta a opção considerada mais eficiente e econômica. No TRF-2, a expectativa é que a unificação de sistemas imposta pelo CNJ em 2013 em torno do PJe seja flexibilizada, para que cada tribunal possa escolher o melhor sistema.



De fato, a pesquisa do CJF indicou que o índice de satisfação com o PJe é de apenas 36%, revelando críticas estruturais e operacionais. O preferido, de acordo com pesquisa do CJF com mais de 10 mil entrevistados, é o e-Proc, desenvolvido por servidores do TRF-4 e que caiu no agrado de mais a 46,3% dos atores do mundo jurídico. Apesar disso, a demora também aumentou na corte, com sede em Porto Alegre.

Dados divulgados pelo próprio tribunal mostram que o tempo do processo, que era de 179 dias da distribuição até a decisão, passou para 335 dias no compilado entre janeiro e maio de 2018, ou seja, quase dobrou. Para casos previdenciários, que representam até dois terços dos recursos que chegam ao segundo grau, a demora é de 509 dias.

Os TRFs das 3ª e 5ª Regiões seguiram a orientação do CNJ e utilizam o PJe. Agora fazem defesa dos benefícios do sistema para a velocidade do processo na Justiça Federal. A 3ª Região opera com a sua versão mais moderna, já com fornecimento de estatísticas, pesquisa de jurisprudência e o módulo de julgamento. Teve de desenvolver melhorias para se adequar a uma realidade totalmente diversa da 5ª Região, uma vez que o volume de processos que julga é bem superior.



Ao todo, o TRF-3 conta com 350 mil processos digitais em tramitação. Na 5ª Região, o PJe está sendo implementado nos Juizados Especiais Federais, que utilizam o sistema Creta, com desenvolvimento de uma versão mobile. “O PJe oferece um nível de segurança maior, com certificado digital. Acreditamos no PJe e pretendemos expandi-lo”, afirma Therezinha Cazerta, presidente do Tribunal Regional da 3ª Região, embora reconheça dificuldades, que diz serem pontuais.


Administração

 
Em 2018, o Judiciário levou um susto, mas acabou com uma vitória na discussão sobre o orçamento para 2019. Na versão original do orçamento para o ano que vem, o Congresso havia determinado um corte de 26,5% nos recursos destinados ao Judiciário. As previsões pouco animadoras já estavam levando os desembargadores federais das cinco regiões à ideia de que a Justiça Federal se inviabilizaria da forma como funciona atualmente. Nas cortes, acumulam-se medidas como revisões contratuais, corte de estagiários, limitação de impressão de papel e uso de ar-condicionado, a conversão de cargos vagos para áreas mais necessitadas e até fechamento de varas. Diante da catástrofe iminente, Therezinha Cazerta, presidente do TRF-3, tomou a frente e cumpriu intensa agenda de reuniões com parlamentares para tentar sensibilizá-los. Deu certo.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019 foi sancionada no dia 14 de agosto de 2018 pelo presidente da República, Michel Temer, com a permissão da ampliação dos limites orçamentários em razão de reajustes concedidos a servidores e sem a regra que impedia o provimento de cargos no Poder Judiciário. Por fim, os valores destinados ultrapassam os R$ 12 bilhões, um aumento de 4,39% em relação ao último ano, conforme variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPCA) entre julho de 2017 a 2019. Não estão incluídos aí dinheiro para Assistência Jurídica a Pessoas Carentes (AJPC). Não vai haver mais dinheiro, no entanto. O montante gasto com plano de cargos e salários é superior ao do último ano, o que por fim gera decréscimo de 17,65% nos limites destinados a custeio e projetos.

“Estão incluídas nos limites da referida emenda as despesas obrigatórias, relativas à folha de pagamento, benefícios e AJPC, além das despesas discricionárias, relativas ao custeio, contratos e obras de maneira geral, o que faz com que os gastos concorram entre si. Dessa forma, uma ampliação de despesas obrigatórias, sem a devida análise, poderá impactar em redução de limite nas despesas discricionárias, podendo, com isso, comprometer a prestação jurisdicional, que é a finalidade primeira da Justiça Federal”, afirmou a então presidente do CJF, ministra Laurita Vaz, substituída em outubro pelo ministro João Otávio de Noronha.



Com isso, cada tribunal faz as adaptações possíveis, de acordo com a própria realidade, para garantir maior eficiência. O TRF-1, por exemplo, estendeu o funcionamento de suas Câmaras Regionais Previdenciárias, que funcionam na Bahia e em Minas Gerais, e remanejou a competência de algumas varas e servidores. No TRF-2, que expande sua modernização tecnológica a todas as áreas administrativas, destaca-se o desempenho das varas de execução fiscal, que têm a maior arrecadação do país. O TRF-4 também optou pela descentralização, com a criação de turmas previdenciárias, inicialmente em Florianópolis e Curitiba.

Os TRFs das 3ª e 5ª Regiões tentam ampliar o número de desembargadores por meio do remanejamento de vagas. O TRF-3, que tem mais de 100 cargos vagos de juiz, transformaria cinco deles em quatro de desembargador, medida para reequilibrar a composição das turmas, colocando quatro julgadores em cada uma delas. Já o TRF-5 usaria dez cargos de juiz substituto, que “dificilmente serão providos”, nas palavras do presidente Manoel Erhardt, para virar nove de desembargador. Assim, a corte nordestina passaria de 15 a 24 desembargadores, abrindo-se possibilidade inclusive de especialização das turmas. As propostas dependem de lei para serem concretizadas: passam pelo CJF e viram anteprojeto nas mãos do STJ antes de serem encaminhadas ao Congresso Nacional.


Desempenho

 
Os dados mais recentes do CNJ mostram que a 5ª Região é o exemplo a ser seguido: colocou-se com a melhor nota no Índice de Produtividade Comparado (IPC-Jus) no Justiça em Números, referente ao exercício de 2017, com 91%; possui duas seções judiciárias com 100% de avaliação (Rio Grande do Norte e Alagoas) e a pior avaliada (Paraíba, com 83%) tem desempenho bastante superior à melhor seção judiciária dos demais tribunais (Rio Grande do Sul, do TRF-4, com 64%).

O IPC-Jus é calculado a partir de parâmetros do fluxo de entrada e saída dos tribunais e verifica a capacidade produtiva de acordo com demanda e recursos existentes. Nesta avaliação, quatro Tribunais Regionais Federais tiveram nota semelhante, em torno dos 60%. O TRF-1 foi o único a destoar, com 49% no IPC-Jus e a seção judiciária de pior desempenho (Amazonas, com 32%).




As especificidades da 1ª Região são o que levam desembargadores consultados pelo Anuário da Justiça Federal a considerar possível o plano de redesenho da Justiça Federal, matéria definida pela Emenda Constitucional 73/2013, aprovada pelo Congresso e suspensa por liminar concedida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. A criação dos TRFs das 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões, com sedes em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus respectivamente, é vista com ceticismo pelos magistrados, cientes dos urgentes problemas orçamentários vividos.

Assim, a Justiça Federal segue em adaptação para lidar principalmente com as ações previdenciárias, temática mais presente nas cortes, de acordo com o Justiça em Números, com mais de 600 mil processos em 2017. No segundo grau, especificamente, é, de longe, o assunto com mais recursos. O primeiro grau tem mais casos em que se discutem tributos: dívida ativa, contribuições sociais e corporativas e Imposto de Renda de pessoa jurídica.


 é repórter da revista Consultor Jurídico.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2018, 7h00

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