Até outubro, as exportações já somaram US$ 199,1 bilhões.
guerra comercial travada entre Estados
Unidos e China, cujo desfecho ainda é imprevisível, tem turbinado as
exportações brasileiras. A projeção é que as vendas dos produtos
nacionais ao exterior encerrem 2018 com o melhor resultado em cinco
anos.
Até outubro, as exportações já somaram US$ 199,1 bilhões.
Nesse ritmo, a expectativa de analistas é que fechem o ano acima dos R$
230 bilhões – maior patamar desde 2013. O recorde nas vendas anuais foi
em 2011, de US$ 256 bilhões, segundo o Ministério da Indústria, Comércio
Exterior e Serviços (Mdic).
O aumento das exportações incrementa o número de empregos nos setores
envolvidos e, em parte, compensa a lenta recuperação do mercado
interno. Além disso, traz mais dólares ao País, melhorando o saldo nas
contas externas.
“Há alguns meses, se projetava que as exportações ficariam perto de
US$ 218 bilhões. São as commodities, favorecidas pela guerra comercial,
que têm ajudado”, diz José Augusto de Castro, da Associação de Comércio
Exterior do Brasil (AEB).
O governo Trump impôs tarifas e cotas de importação a diversos
parceiros, para reduzir o déficit comercial – quando o país compra mais
do que vende. Aos chineses, com quem esse déficit é maior, foram
impostas taxas sobre importados, para forçar os asiáticos a fazerem
concessões. Essa política, retaliada pela China, levou os dois países à
guerra comercial.
A briga alterou o fluxo de comércio. As vendas brasileiras de soja
para a China foram beneficiadas quando o país asiático impôs tarifas de
25% sobre o grão americano. Os EUA exportavam 40 milhões de toneladas
aos chineses; o Brasil, cerca de 50 milhões. Até agosto, as exportações
de soja brasileira subiram 20% ante 2017. Além da soja, o Brasil se
beneficiou da alta do preço do petróleo.
Os bens manufaturados brasileiros, porém, não têm tido o mesmo
desempenho. Enquanto a participação dos bens primários nas exportações
subiu quase três pontos porcentuais nos nove primeiros meses do ano, a
fatia dos manufaturados nas vendas caiu um ponto.
Entre especialistas, há dúvidas de quanto tempo esse período
favorável às exportações vai durar. “A janela é estreita”, diz Lia
Valls, da FGV. “Em 2019, com a previsão de alta das tarifas impostas
pelos EUA, haverá uma resposta agressiva chinesa, o que levaria a mais
protecionismo.”
Michael McDougall, vice-presidente da consultoria americana ED&F
Man Capital Markets, tem porém uma visão diferente. “A negociação entre
eles (EUA e China) vai demorar. Assim, o Brasil tem oportunidade de
exportar mais para a China e deve aproveitar isso ampliando, por
exemplo, o plantio de soja, pois levará anos para os chineses
diversificarem o fornecimento da oleaginosa”, disse.
‘Vendendo soja ainda embaixo da terra’
Com o cenário favorável à exportação do grão brasileiro, produtores
de soja estão ampliando a venda antecipada da safra que ainda está sendo
plantada nas principais regiões produtoras do País. Pelo menos a metade
da produção futura dos 3 mil hectares que o produtor Silvio Malutta
acaba de plantar nas áreas de cultivo da Fazenda Fratelli, em Itapeva
(SP), já está vendida. “Estou vendendo a soja que está embaixo da terra,
pois, em muitos talhões, as sementes ainda nem brotaram”, diz.
Experiente, o produtor já sabe que deve colher em torno de 80 sacas por
hectare. “A gente antecipa a venda para recuperar o dinheiro investido
no plantio. Para uma parte vendida há três meses, com o dólar mais alto,
consegui travar o preço em R$ 81 a saca aqui na fazenda. De lá para cá,
o cenário piorou um pouco”, disse.
Malutta não vê só vantagens para a soja brasileira na disputa
comercial entre EUA e China. “Num primeiro momento, eu acreditei que
essa briga seria interessante para nós, mas agora tenho dúvidas. Os
americanos têm condições de vender para a Europa e nós podemos perder
parceiros. A China é um grande mercado, mas é ruim ficarmos na
dependência de um comprador só”, disse. Ele avalia que os preços da soja
chegaram a subir em função da disputa, mas não se sustentaram porque,
com menos venda da soja americana, os estoques aumentaram. Na
quarta-feira passada, 14, a soja levada ao porto de Santos, livre do
frete, estava a R$ 75 a saca.
O produtor Maurício Fernandes Dias, da Fazenda Capituva, em
Taquarivaí, já vendeu quase 70% da soja que acabou de plantar.
“Aproveitei a subida do dólar, que chegou a R$ 4,30. Nesse momento, as
vendas futuras não estão com preço muito bom”, disse. Dias avalia que o
impacto da guerra comercial ficou abaixo da expectativa. “Era esperado
um preço melhor para a soja este ano. Fechamos a saca a R$ 78 em média,
ante a média de R$ 73 no ano passado, porque o dólar subiu em relação ao
real.” Ele lembra que os custos de produção também aumentaram.
O produtor é um dos que apostaram num cenário favorável para a soja
brasileira motivado também pela expectativa de aumento no consumo
mundial do grão. Na região de Itapeva, Dias ampliou a área de soja de
3,8 mil hectares, na safra passada, para 5 mil hectares agora.
A região de Itapeva é a que mais produz soja no Estado de São Paulo.
São 196 mil hectares, com produção de 11 milhões de sacas. São Paulo
está em oitavo lugar entre os Estados na produção nacional de soja,
liderada pelo Mato Grosso. Lá, com 90% da nova safra semeados, os
produtores já venderam 35% da produção futura, um volume 3% mais alto
que na safra passada, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia
Aplicada (Imea).
Conforme o Imea, as vendas futuras foram aceleradas entre setembro e
outubro, com o dólar mais alto. Isso aconteceu mesmo com o tabelamento
do frete rodoviário pelo governo federal, após a greve dos
caminhoneiros, em maio, que aumentou o custo para os produtores.
Para Nelson Schreiner Junior, presidente da Nutriceler, empresa que
fabrica fertilizantes, a variação recente do preço da soja em função da
guerra comercial não foi drástica. “O mercado de commodities é muito
vulnerável. É normal que, diante de qualquer fato especulativo, o
produtor venda nos momentos de alta”, afirma. “Mas o ganho em
produtividade e a redução de custo também são pontos importantes no
aumento da rentabilidade.” Junior, que também é produtor, conta que
aprendeu com o pai, agricultor experiente, a estratégia de vender parte
da produção no mercado futuro e parte só após a colheita. “Ele sempre
acertou nos dois tipos de venda”, disse.
Acordo EUA/China
As fazendas da família de Lynn Rohrscheib, em Fairmoun, no Estado de
Illinois, tiveram uma boa safra de soja em 2018, mas toda a produção foi
parar dentro do espaço de armazenagem da propriedade. “A maioria de nós
está tentando estocar o máximo possível. No caso da minha operação,
estamos praticamente com toda nossa safra de 2018 de soja estocada,
esperando um aumento dos preços para vender”, afirmou. Como presidente
da Associação dos Produtores de Soja de Illinois, um dos principais
Estados de produção de grãos no país, Lynn afirma que há quem esteja em
situação pior: “Tem sido um desafio para os que não têm tanto espaço de
armazenamento dentro da fazenda”.
Os produtores de soja americanos foram diretamente afetados pela
queda de braço entre Washington e Pequim, na guerra comercial encampada
pelo presidente Donald Trump. Com esperança de uma saída política, eles
estocam a soja confiantes de que o governo americano entrará em um
acordo rápido com os chineses que os faça vender a produção estocada.
A China é a maior importadora de soja do mundo, sendo a principal
compradora da região de Illinois. Nos Estados Unidos, como um todo, 30%
da safra era destinada ao país asiático. Neste ano, contudo, Pequim
impôs uma tarifa de 25% em uma lista de produtos americanos – entre
eles, a soja, fazendo o preço das sacas cair desde abril. A medida é uma
reação às tarifas impostas pelo governo Trump a produtos chineses.
Trump terá um encontro com o presidente da China, Xi Jinping, na
Argentina, no fim do mês, antes da cúpula do G-20. A expectativa de
produtores americanos é de que os dois cheguem a um consenso para
amenizar a situação.
Na sexta-feira, 16, o líder dos EUA disse que o governo chinês não
está disposto a fazer um acordo. No dia anterior, o secretário de
Comércio americano, Wilbur Ross, havia afirmado que a ideia é discutir
apenas a estrutura de um acordo, que só seria finalizado no futuro.
Segundo ele, os EUA ainda planejam aumentar tarifas de importação da
China e seria “impossível” chegar a um acordo final em janeiro.
“Quando começarmos a ver o preço subir, ainda que pouco, vamos
começar a vender. Queremos o espaço de armazenagem vazio até o verão de
2019 (junho)”, diz Lynn. O Departamento de Agricultura dos EUA anunciou
em agosto assistência na casa de US$ 3,6 bilhões a produtores de soja
afetados pela guerra comercial, parte de um compromisso de US$ 12
bilhões. A intenção, segundo o governo americano, é “ganhar tempo”
enquanto Trump negocia “acordos comerciais duradouros”.
Garantias
Mas a luta dos produtores é justamente contra o tempo. O maior medo,
hoje, é que o mercado perdido nunca seja recuperado, com a substituição
por outros países, como o Brasil. Para Tarso Veloso analista baseado em
Chicago da ARC Mercosul, consultoria de commodities com escritórios no
Brasil, ainda que os governos cheguem a um acordo não há garantia de que
os EUA retomem o espaço no mercado chinês. “No longo prazo outros
países passam a fomentar a produção de soja e os americanos vão perdendo
esse comércio. Hoje se está estimulando a produção de soja no Brasil,
na Argentina e o produtor americano reduz o seu plantio, porque não tem
para quem vender”, afirma Veloso. Para ele, os brasileiros foram os
maiores ganhadores dessa guerra comercial.
Lynn diz que a sua geração de produtores nunca passou por situação
semelhante a essa, mas tem memória de histórias contadas por seu pai
sobre “o momento com os russos” – em referência ao embargo de grãos
imposto em 1980 por Jimmy Carter à União Soviética e a queda nos preços
da produção.
A situação não é só um problema econômico nos EUA, mas político e
social. Lynn afirma que os ajustes já começaram e a maioria dos
produtores passou a mudar seu perfil de consumo e de serviços, que
impulsionam as comunidades locais. “Nós todos estamos buscando maneiras
de cortar nossos custos porque não estamos ganhando dinheiro. Não vamos
comprar novos equipamentos, estamos tentando resolver as questões por
nós mesmos, na fazenda e em casa, e pequenos negócios da comunidade
rural ficam prejudicados”, afirmou.
Reportagem do Washington Post com dados de pesquisa do Instituto
Brookings aponta que quase 1,6 milhão de pessoas trabalha em indústrias
expostas a efeitos da guerra comercial de tarifas com a China – sendo
três quartos desse número em produção ligada a alimentos, fazenda ou
pesca. Nas áreas rurais dos Estados Unidos segundo o estudo, 1 a cada 33
empregos está exposto ao impacto das tarifas. Nas grandes cidades, o
número cai para 1 em cada 200.
A expectativa dos produtores sobre uma solução política reside no
fato de que as áreas rurais dão importante suporte ao partido
republicano – e a Trump -, mas têm sido castigadas por sua política de
comércio exterior. “Aguardamos alguma resolução sobre essas tarifas ou
outro tipo de uso para a soja que nos ajude nesses tempos difíceis, com
aumento na mistura do biodiesel ou aumentar a produção animal. Um
produtor não pode continuar produzindo sem conseguir ganhar dinheiro com
sua produção”, afirma Lynn.
“Não há uma alternativa viável a ser implementada imediatamente. O
que normalmente acontece é uma gradual substituição de uma produção por
outra, mas, neste caso, foi de repente. O que o produtor americano quer é
que o governo faça acordo”, afirma o analista da ARC Mercosul.
Soja não responde bem ao armazenamento
A soja não é como o milho. Ela não responde bem ao armazenamento. Se
não forem mantidos hipersecos, os grãos umedecem rapidamente e
apodrecem, perdendo valor.
“O grão cheira a animal morto na estrada e fica com a consistência de
um purê de batata, liso e pastoso”, disse Wayne Humpreys, fazendeiro de
Iowa.
Mas Humphreys vem armazenando sua colheita em silos: “Isto dá a você algum controle.”
No caso de alguns agricultores não há outra escolha senão guardar sua
colheita. Milhões de bushels (unidade de medida que equivale a cerca de
27 kg de soja) não têm comprador. Os terminais em Portland, porta de
saída importante para a China a noroeste do Pacífico, raramente abrem
concorrência. Os suprimentos estão obstruindo terminais e elevadores,
mesmo com o clima frio e úmido em Dakota do Norte, que deixou muitos
hectares de cultivo não colhidos. Os estoques de soja do país mais do
que dobraram, somando 955 milhões de bushels no final da colheita deste
ano, segundo o Departamento de Agricultura.
Robb Ewoldt, que tem sua plantação desde 1996 em Iowa, vem
armazenando sua soja pela primeira vez em 15 anos. Sua safra normalmente
segue pelo rio Mississippi em barcos para ser exportada para a China e
outros países através do Golfo do México. Este ano a produção foi
armazenada em silos.
Illinois, o maior Estado produtor de soja dos EUA é quem mais sofre
com a escassez de armazéns, disse Tim Brusnahan, analista da empresa de
consultoria e corretagem Brock Associates.
Carne também se beneficia
A guerra comercial entre Estados Unidos e China não beneficiou apenas
as exportações de soja. Na carne bovina, o dado mais recente, da
Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), mostra que a China
passou a representar, em outubro, 44,1% das exportações brasileiras –
ante 37,1% em igual mês do ano passado. Para a China e Hong Kong foram
embarcadas, no mês passado, 585.263 toneladas, ante 448.721 toneladas em
igual período de 2017.
No acumulado do ano, até setembro, o avanço é bastante expressivo:
embarques 56% maiores de carne bovina para a China, com faturamento
adicional de 68%, conforme a Associação Brasileira das Indústrias
Exportadoras de Carne (Abiec). Na soja só em outubro, foram 5,04 milhões
de toneladas exportadas, 132% mais que no mesmo mês de 2017, com
receita de US$ 1,98 bilhão, uma alta em valores de 141%.
“Os exportadores de soja brasileira já levaram uma fortuna com a
guerra comercial”, disse o vice-presidente da consultoria americana
ED&F Man Capital Markets, Michael McDougall, que participou na
terça-feira do Summit Agronegócio 2018. Ele disse acreditar que a guerra
comercial está longe do fim por causa do caráter agressivo do
presidente americano, Donald Trump. “Em vez de investir em diplomacia,
Trump investe em armas, aumentando o orçamento para militares”,
observou.
Mas há alguns fatores de risco domésticos que podem estragar esse
cenário. Um ponto de atenção é a definição da política externa do novo
governo. O setor está atento a atitudes e declarações feitas pelo
presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), em relação à China – como a
visita que o então presidenciável fez, no início do ano, a Taiwan,
considerada uma ilha rebelde por Pequim. No início de novembro,
Bolsonaro, já eleito, se encontrou com o embaixador da China no Brasil,
Li Jinzhang, para acalmar os ânimos.
Procurada na quarta-feira, 14, a futura ministra da Agricultura,
Tereza Cristina, evitou dar declarações sobre os efeitos da guerra
comercial EUA-China nas exportações brasileiras. Em entrevista na semana
anterior, porém, havia assinalado a importância do diálogo. “O diálogo é
fundamental. O presidente tem de dizer claramente qual é a política
internacional que ele quer adotar”, disse, na ocasião.
As informações
são do jornal O Estado de S. Paulo.
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