Conjuntura
Pesquisa divulgada nesta
sexta-feira junto com a Agenda Global de 2014 do Fórum Econômico Mundial
mostra que habitantes da região se mostram os mais preocupados com a
forma como suas lideranças conduzem a política
A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro
(Iván Franco/EFE)
A questão da falta de liderança é motivo de
preocupação mundial não só pela dificuldade da população de se identificar com
seus representantes políticos, mas também porque poucos líderes, atualmente,
são reconhecidos por pensarem no bem comum. Pesquisa divulgada juntamente com a
agenda de 2014 do Fórum Econômico Mundial mostra
que na América Latina e na África Subsaariana a sociedade se mostra
mais preocupada com contravenções praticadas por seus representantes no
setor público — sejam funcionários de alto ou baixo escalão dos governos — do
que em todas as outras regiões do planeta pesquisadas. Numa escala de 0 a 5, sendo 5 o número
que classifica maior preocupação com a falta de liderança, os latino-americanos
mostraram pontuação de 4,04.
Sadako Ogata, chefe do escritório japonês do
Fórum Econômico Mundial, afirma que o principal motivo de insatisfação,
sobretudo dos jovens, é a percepção de que os líderes atuais não pensam em nada
além de seus próprios interesses. “Nós esperamos que os líderes não defendam
apenas seus pontos de vista, mas que sejam conduzidos por algo que nos
mova adiante e possa unir as pessoas”, afirma Ogata.
Para ilustrar o tema da falta de liderança no
documento que será apresentado em Davos, na Suíça, durante o encontro anual do
Fórum, há uma imagem da manifestação de professores em frente à Assembleia
Municipal do Rio de Janeiro, em outubro deste ano, quando pediam por mudanças
no sistema de ensino e melhores salários. Para Ogata, a educação é ferramenta
essencial para mudar a situação de descrença nas lideranças — não apenas porque
uma população mais educada tem mais acesso à informação e pode votar de forma
mais consciente, mas também porque, por meio da educação, cria-se massa crítica
para exigir melhorias e viabilizar mudanças.
Martina Gmür, coordenadora da agenda de
2014 do Fórum Econômico Mundial, falou ao site de VEJA sobre o problema da
descrença da população nas lideranças de hoje. Confira trechos da
entrevista.
O estudo do Fórum Econômico Mundial
mostra que hoje as pessoas estão fartas dos líderes que só pensam em seus
próprios interesses. Mas sempre foi assim, não?
O estudo mostra uma
preocupação crescente com a falta de valores nas lideranças. Especificamente percebemos
que os entrevistados da América Latina e da África estão mais preocupados com o
abismo que se abriu entre o comportamento e o desempenho da classe política e
as expectativas dos que escolhem os líderes, ou seja, da população. Eu
concordo em dizer que a quantidade de informação à qual as pessoas têm acesso
hoje ajuda a capturar os instantes em que seus líderes mostraram falta de
valores. Mas eu também preciso dizer que nosso mundo vivencia um período mais
complexo do que antigamente no que diz respeito aos caminhos de liderança.
O que é mais amedrontador no conceito de
falta de liderança: o fato de as pessoas estarem insatisfeitas com seus
líderes ou o fato de jovens brilhantes não desejarem o mundo da política?
Acho
que é a insatisfação com a perda de liderança. A falta de jovens
brilhantes na política é um problema justamente porque faltam jovens brilhantes
em muitas outras áreas. É preciso criar ambientes para que os jovens brilhantes
floresçam. Empresas precisam de grandes líderes, assim como a sociedade civil.
Sou otimista e acredito que sempre vai haver gente boa atraída pela política. O
desafio é criar um ambiente para que eles possam contribuir de forma positiva
para a sociedade.
Diante desse cenário de falta de
liderança, os jovens agem nas redes sociais para criar outros movimentos. Com
isso, a ideia de liderança se torna muito mais difusa. Você acredita que esse
conceito de liderança espalhada, sem um líder específico, seja o futuro?
As
multidões têm emergido com muita força nos recentes movimentos sociais mundo
afora. Por exemplo, eu não acho que o movimento Occupy (Wall Street) teria
ganhado importância se não tivesse essa característica descentralizada. Apesar
disso, ainda há espaço para o nascimento de líderes individuais. O Fórum (Econômico
Mundial), por exemplo, estimula isso. E como eu fui privilegiada em poder
conhecer muitos desses jovens líderes ao longo dos anos, me sinto muito
otimista com a nova geração e sua capacidade de liderar e seguir.
A ideologia perdeu espaço no processo de
nascimento de um líder. Quais são os efeitos disso?
A ideologia
tem papel menos importante na política da Europa Ocidental, mas claramente
define a política dos Estados Unidos. Não acredito que essa mudança na questão
do peso da ideologia afete o poder que um país exerce no mundo. Mas é inegável
que, hoje, o que leva um indivíduo a votar são questões muito mais profundas e
complexas do que antigamente, quando se seguia um partido e pronto.
A América Latina tem demonstrado
preocupação com a falta de liderança, segundo levantamento do próprio Fórum. A
corrupção tem que peso nessa piora da avaliação das lideranças?
A
força da ideia de corrupção está intimamente ligada à perda de valores de
liderança. Talvez o fator mais preocupante seja que a corrupção esteja presente
em muitos níveis das empresas e dos governos. E isso demonstra necessidade de
liderança e transparência em todas as esferas. Afinal, não adianta apenas um
líder que esteja no topo dissipar os bons valores. É preciso que todas as
esferas participem.