A sensação é recorrente: sempre
que volto de eventos sobre gestão de pessoas, venho com alguma esperança
sobre o desenvolvimento de líderes. Esse otimismo, porém, termina na
primeira conversa com algum executivo sobre sua carreira e o ambiente
corporativo.
O psicólogo norte-americano Philip Zimbardo estudou o comportamento humano para entender por que, em determinadas situações, algumas pessoas consideradas boas são capazes de cometer as mais diversas atrocidades.
Zimbardo conduziu um ensaio na Califórnia em que pessoas normais eram colocadas em situações limite para verificar seu comportamento. O famoso estudo da penitenciária imaginária de Palo Alto mostrou que indivíduos comuns, quando colocados na posição de carcereiros, faziam maldades com os presos, mesmo sabendo que eles eram pessoas como eles e que estavam em um estudo.
Essa tendência de uma pessoa produzir o "mal" quando lhe é conferido poder foi chamado de "efeito Lúcifer". O pesquisador fez diversos ensaios para entender esse movimento. E, se pudéssemos resumir a jornada de Zimbardo, a conclusão seria de que o poder e a pressão transformam as pessoas.
Quando analiso o cenário de negócios em que nossos líderes estão mergulhados, vejo que estamos em uma fábrica de "Lúcifers". As empresas estão cada vez mais pressionadas para obterem resultados em um ambiente global de alta competição.
Se analisarmos a realidade do Brasil, além da disputa internacional, temos nossas mazelas internas conhecidas e não resolvidas: um sistema engessado com custos elevados, salários indexados por dissídios coletivos incompatíveis com os custos, regime tributário pesado, leis trabalhistas ultrapassadas e problemas estruturais graves de logística, apenas para citar alguns. Enfim, a tempestade perfeita para tornar cada vez mais difícil a vida dos executivos.
Somo a todos esses fatores acionistas e conselhos de administração preocupados com o longo prazo no discurso, porque a cada reunião do conselho analisam o curto prazo com uma ferocidade capaz de eliminar o mais genial executivo que não cumpre as metas do trimestre. Há uma distorção evidente, consequência da imaturidade da estrutura de governança de grande parte das empresas.
Considerando o risco da ascensão ao poder para desencadear o efeito Lúcifer acrescido de doses fortes de pressão, instabilidade de mercado e intensa dificuldade para produzir resultados, temos a fórmula mágica para produzir líderes agressivos, com agenda pessoal acima da organização e com alto poder de destruição emocional de suas equipes.
Não vejo um futuro promissor para o desenvolvimento de líderes se não mudarmos a formatação e o cenário no qual eles estão inseridos. Não faz sentido investir em programas de treinamento falando sobre líder servidor ou inspirador. Isso termina quando cruzamos a porta de entrada da empresa.
Percebo uma esquizofrenia entre a realidade e o discurso sobre liderança. É como treinar as pessoas para agirem como monges orientadores e desembarcá-los na Normandia, no próprio Dia D.
Essa mudança precisa vir do topo. Acionistas agressivos e com expectativas somente de curto prazo não podem esperar líderes comprometidos, inspiradores e resilientes. Entendo os cansativos e repetitivos discursos sobre carência de líderes e apagão de talentos. Porém, recomendo uma reflexão acima dessa linha.
A maior carência não está no nível executivo. O verdadeiro apagão está na ausência de uma revisão transparente, coerente e realista dos valores e expectativas sobre o papel dos executivos.
Uma cúpula feroz não produzirá lideranças agregadoras. A tríade parece armada: acionistas endiabrados, conselheiros diabólicos e o próprio Lúcifer como CEO.
Se as organizações seguirem nesse caminho estarão rapidamente se especializando em um novo negócio: berçários do efeito Lúcifer ou sanatórios para executivos. E cuidado! Logo farão um IPO para abrir o capital e buscar expandir o negócio.
Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado
O psicólogo norte-americano Philip Zimbardo estudou o comportamento humano para entender por que, em determinadas situações, algumas pessoas consideradas boas são capazes de cometer as mais diversas atrocidades.
Zimbardo conduziu um ensaio na Califórnia em que pessoas normais eram colocadas em situações limite para verificar seu comportamento. O famoso estudo da penitenciária imaginária de Palo Alto mostrou que indivíduos comuns, quando colocados na posição de carcereiros, faziam maldades com os presos, mesmo sabendo que eles eram pessoas como eles e que estavam em um estudo.
Essa tendência de uma pessoa produzir o "mal" quando lhe é conferido poder foi chamado de "efeito Lúcifer". O pesquisador fez diversos ensaios para entender esse movimento. E, se pudéssemos resumir a jornada de Zimbardo, a conclusão seria de que o poder e a pressão transformam as pessoas.
Quando analiso o cenário de negócios em que nossos líderes estão mergulhados, vejo que estamos em uma fábrica de "Lúcifers". As empresas estão cada vez mais pressionadas para obterem resultados em um ambiente global de alta competição.
Se analisarmos a realidade do Brasil, além da disputa internacional, temos nossas mazelas internas conhecidas e não resolvidas: um sistema engessado com custos elevados, salários indexados por dissídios coletivos incompatíveis com os custos, regime tributário pesado, leis trabalhistas ultrapassadas e problemas estruturais graves de logística, apenas para citar alguns. Enfim, a tempestade perfeita para tornar cada vez mais difícil a vida dos executivos.
Somo a todos esses fatores acionistas e conselhos de administração preocupados com o longo prazo no discurso, porque a cada reunião do conselho analisam o curto prazo com uma ferocidade capaz de eliminar o mais genial executivo que não cumpre as metas do trimestre. Há uma distorção evidente, consequência da imaturidade da estrutura de governança de grande parte das empresas.
Considerando o risco da ascensão ao poder para desencadear o efeito Lúcifer acrescido de doses fortes de pressão, instabilidade de mercado e intensa dificuldade para produzir resultados, temos a fórmula mágica para produzir líderes agressivos, com agenda pessoal acima da organização e com alto poder de destruição emocional de suas equipes.
Não vejo um futuro promissor para o desenvolvimento de líderes se não mudarmos a formatação e o cenário no qual eles estão inseridos. Não faz sentido investir em programas de treinamento falando sobre líder servidor ou inspirador. Isso termina quando cruzamos a porta de entrada da empresa.
Percebo uma esquizofrenia entre a realidade e o discurso sobre liderança. É como treinar as pessoas para agirem como monges orientadores e desembarcá-los na Normandia, no próprio Dia D.
Essa mudança precisa vir do topo. Acionistas agressivos e com expectativas somente de curto prazo não podem esperar líderes comprometidos, inspiradores e resilientes. Entendo os cansativos e repetitivos discursos sobre carência de líderes e apagão de talentos. Porém, recomendo uma reflexão acima dessa linha.
A maior carência não está no nível executivo. O verdadeiro apagão está na ausência de uma revisão transparente, coerente e realista dos valores e expectativas sobre o papel dos executivos.
Uma cúpula feroz não produzirá lideranças agregadoras. A tríade parece armada: acionistas endiabrados, conselheiros diabólicos e o próprio Lúcifer como CEO.
Se as organizações seguirem nesse caminho estarão rapidamente se especializando em um novo negócio: berçários do efeito Lúcifer ou sanatórios para executivos. E cuidado! Logo farão um IPO para abrir o capital e buscar expandir o negócio.
Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado
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