Porto
Alegre segue debaixo d'água, e o tamanho do estrago ainda é
imensurável, mas o prefeito Sebastião Melo, do MDB, já anunciou o plano:
irá contratar a consultoria Alvarez & Marsal para recuperar a cidade.
A
história dessa contratação é tocante. “Um dos sócios dessa empresa é
gaúcho, porto-alegrense. Ele se sensibilizou com o processo e nos
procurou para ajudar”, disse Melo. A Alvarez & Marsal não irá cobrar
pelo trabalho nos primeiros seis meses – mas o plano já prevê
atividades para além do período gratuito.
A
benevolência esconde o contexto. Vou começar pelo mais básico. A
Alvarez & Marsal é uma consultoria que atua para recuperar aqueles
casos quase impossíveis de crise corporativa. Empresas envolvidas em desastres ambientais, em grandes condenações e de reputação duvidosa.
Aqui
no Brasil, por exemplo, atuou após os crimes ambientais de Mariana e
Brumadinho e com empresas que foram investigadas pela operação Lava
Jato, como o Grupo Odebrecht e as construtoras OAS e Queiroz Galvão.
(O
rol de clientes não impediu, no entanto, que Sergio Moro fosse
contratado pela consultoria logo após deixar o ministério da Justiça de
Bolsonaro, mas essa é outra história que você pode ler aqui.)
Nos
EUA, a Alvarez & Marsal atuou na reestruturação de Nova Orleans
depois do furacão Katrina em 2005 – uma tragédia que, devido à
magnitude, tem sido bastante comparada com o que está acontecendo no Rio
Grande do Sul. Na ocasião, 1,5 mil pessoas morreram e 80% da cidade
ficou debaixo d'água, completamente colapsada.
No domingo, o Fantástico fez uma reportagem em tom esperançoso mostrando como foi a recuperação de Nova Orleans – e o que os gaúchos podem aprender com ela.
A
história de superação da cidade pode ser, sim, lida com essa lente
inspiradora. Mas a economia de recuperação de desastres tem um lado
sombrio, e é a tempestade perfeita para os urubus da crise criarem novas
fronteiras de acumulação de capital – e implantarem as reformas e
medidas antipopulares que tanto desejam.
É o fenômeno descrito como capitalismo de desastre.
O caso de Nova Orleans, por exemplo, é um dos exemplos analisados pela
autora canadense Naomi Klein no seu livro "A doutrina do choque – a
ascensão do capitalismo do desastre".
Esse
conceito de "choque" vem do economista Milton Friedman, vencedor do
Nobel de Economia em 1976 e um dos principais influenciadores da linha
econômica liberal dos Chicago Boys.
Friedman
argumentava que só as crises econômicas poderiam produzir mudanças. Ou
seja: o período após um trauma coletivo é o mais propício para reformas
que, em outras ocasiões, dificilmente seriam aceitas. Privatizações
radicais, por exemplo.
Intercept Brasil
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