Desastres
ambientais em decorrência de chuvas vêm sendo recorrentes nos últimos
anos na maioria dos 336 municípios do Rio Grande do Sul que tiveram o
estado de calamidade pública decretado pelo governo federal por meio de
portaria recente. Levantamento da Agência Lupa, ao qual o Portal AMANHÃ
teve acesso, revela que 90,1% dessas cidades já decretaram alguma
situação de emergência ou estado de calamidade devido às chuvas ou
causas associadas entre 2013 e 2023, a exemplo de deslizamentos. Ao
todo, elas formam um grupo de 303 municípios e somam 953 decretos nesse
período. Desse número, 267 decretos foram publicados somente ano passado
— cerca de 28%. Esse foi o maior volume de decretos emitidos da série
histórica analisada. Em setembro do ano passado, as enchentes provocadas
por um ciclone deixaram 54 mortos. Até então, esse tinha sido o pior
desastre natural da história do Rio Grande do Sul. Isso aconteceu após
uma queda nos números de decretos registrada entre os anos de 2018 e
2022.
Os dados extraídos do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, indicam também que o número de cidades atualmente em situação de emergência ou calamidade é ainda maior do que no ano passado: ao menos 395 municípios foram duramente atingidos pelas chuvas desde janeiro no Rio Grande do Sul e estão sob o efeito de decretos. Além dos 336 das atuais enchentes, entre janeiro e abril, 59 cidades já haviam decretado emergência por conta de tempestades. Para essa análise, foram considerados apenas tipologias de desastres provocados por chuvas e tipologias associadas, excluindo assim incêndios, estiagem, doenças infecciosas virais e infestações de animais. Vale lembrar ainda que alguns dos desastres notificados, como deslizamentos, podem ter outras causas. Os dados analisados incluem decretos de situação de emergência ou estado de calamidade pública. Ambos os cenários ocorrem após uma situação anormal provocada por um desastre. A diferença, de acordo com o Decreto 10.593, de dezembro de 2020, está no comprometimento da capacidade de resposta do poder público.
Em casos de situação de emergência, o comprometimento da capacidade de resposta do poder público é parcial. O município, neste caso, não necessariamente vai precisar de apoio estadual ou federal. Quando há um desastre de grande magnitude, que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação, adota-se o estado de calamidade pública. Nesta situação, "o comprometimento da capacidade de resposta do Poder Público do ente atingido é substancial". Com a decisão, os municípios podem ter acesso a recursos federais de forma facilitada, fazer compras emergenciais sem licitação e ultrapassar as metas fiscais previstas para custear ações de combate à crise. Analisando a série histórica, é possível observar que o número de estados de calamidade pública decretados foi significativamente menor em comparação com os de situação de emergência: foram emitidos 65 decretos de calamidade, contrastando com os 882 decretos de situação de emergência. Esses números destacam a magnitude da tragédia que os gaúchos estão enfrentando atualmente: o total de cidades atualmente em calamidade pública (395) é cinco vezes maior do que a soma do registrado entre 2013 e 2023.
Ranking de municípios
A cidade de São Jerônimo, com cerca de 21 mil habitantes, lidera entre
2013 e 2023 o número de municípios que declararam situação de emergência
ou estado de calamidade, totalizando 13 decretos (11 de emergência, um
de calamidade pública e outro não identificado). Até a noite de
segunda-feira (6), aproximadamente 4,8 mil pessoas estavam desalojadas,
buscando abrigo com familiares ou amigos, enquanto outras 1 mil estavam
desabrigadas devido às fortes chuvas, de acordo com a prefeitura local. O
rio Jacuí estava 10,5 metros acima do seu nível e seguia baixando
lentamente. Seis municípios aparecem empatados em segundo lugar, com
nove decretos. São eles: Cachoeira do Sul, Cristal, Eldorado do Sul, São
Gabriel, Soledade e Venâncio Aires. O prefeito de Eldorado do Sul,
Ernani de Freitas Gonçalves, declarou que praticamente toda a cidade foi
submersa pela água. A estimativa é de que entre 20 mil e 30 mil pessoas
estejam desabrigadas. Ou seja, dos quase 40 mil habitantes, cerca de
75% foram atingidos. Já o prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa,
afirmou durante uma entrevista a uma rádio local que o cenário era de
"destruição total" devido ao alto nível do rio Taquari. Em Soledade,
município com quase 30 mil habitantes, as chuvas provocaram alagamentos,
levando à perda de móveis, eletrodomésticos, além de danos estruturais
em muitas casas. O mesmo ocorreu em São Gabriel, com 58,4 mil
habitantes. Por lá, cerca de 400 residências foram atingidas e 1,7 mil
pessoas tiveram as casas alagadas.
Autoridades e especialistas avaliam que o Rio Grande do Sul está enfrentando uma tragédia climática sem precedentes. O elevado volume de chuvas, combinado com fenômenos como correntes intensas de vento e a influência de um corredor de umidade proveniente da Amazônia, juntamente com um bloqueio atmosférico causado por ondas de calor, resultou em inundações e, até o começo da tarde desta quarta-feira (8), causou a perda de uma centena de vidas. O professor Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), disse recentemente, em entrevista ao site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que as chuvas no Rio Grande do Sul podem ser vistas como a materialização do aumento da frequência e da intensidade de eventos extremos previstos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). "Não há dúvida que esse aumento de enchentes, essas chuvas muito torrenciais, são definitivamente associadas com as mudanças climáticas e a aceleração dessas mudanças no nosso planeta inteiro", contextualizou.
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