Seus objetivos foram alcançados ontem, mas não sem custos para o próprio BC e para a economia como um todo, já sacrificada pelos juros
“arapuca” armada por Campos Neto para sabotar a queda dos juros
por Lauro Veiga Filho
Em meio à ofensiva já nítida desde abril passado para reverter a política de cortes de meio ponto percentual na taxa básica de juros, uma trajetória já tímida e insuficiente para liberar trilhões de reais estacionados no mercado financeiro para financiar o crescimento da economia, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, dedicou-se a colocar mais lenha na fogueira. Numa fala endereçada aos donos do dinheiro, aqui e lá fora, e contrariando o próprio consenso dos mercados até então, há coisa de suas semanas, Campos Neto lançou no ar a possibilidade, agora confirmada, de uma redução no ritmo de corte da taxa básica de juros na reunião seguinte do Conselho de Política Monetária (Copom), concluída ontem.
O discurso, que já deixava evidente a intenção de impor uma redução de 0,25 pontos percentuais sobre os juros até ali fixados em 10,75% ao ano, causou turbulências e trouxe intranquilidade ao setor financeiro, dividindo o mercado e analistas, além de insuflar a “onda austericida” alimentada pelos “malucos por ajuste fiscal”. Na prática, Campos Neto armou uma arapuca para sabotar a política de queda dos juros e manter a economia em estado de suspensão, minando as possibilidades de uma retomada mais vigorosa da atividade econômica.
A atuação de Campos Neto contraria frontalmente o que se espera de um banqueiro central, responsável em suma pela defesa da moeda, da estabilidade na economia e pelo combate à inflação. Preferencialmente, espera-se que a autoridade monetária tenha uma atuação firme em relação aos mercados, freando manipulações e jogadas especulativas; demonstre bom-senso e ponderação, diante de cenários de adversidades e de acirramento de ânimos; assumindo, enfim, uma visão equilibrada e desapaixonada da conjuntura e de seus desdobramentos à frente.
Racha no Copom
A tática de Campos Neto alcançou seu objetivo principal, qual seja, o de limitar a redução da taxa Selic (os juros básicos) e torpedear o lado real da economia. Conseguiu dividir os membros do Copom na reunião terminada ontem, num racha há tempos não observado. Liderados pelo presidente do BC, cinco diretores votaram a favor do corte de 0,25 pontos, finalmente adotado, e quatro assumiram a defesa da política já antecipada desde o final do ano passado, que previa pelo menos mais dois cortes de meio ponto percentual ao longo deste ano – numa redução bastante modesta diante dos níveis alcançados pela inflação, numa faixa ligeiramente abaixo de 4,0% em 12 meses, o que manterá a taxa real de juros ligeiramente acima de 6,30% ao ano. Ao lado do sabotador Campos Neto, marcharam Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Otávio Ribeiro Damaso e Renato Dias de Brito Gomes. A trincheira contrária foi assumida pelos diretores Ailton de Aquino Santos, Gabriel Galípolo (provável sucessor de Campos Neto ao final de seu mandato, em dezembro próximo), Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira.
Da mesma forma, os mercados ficaram divididos entre aqueles que decidiram se alinhar a Campos Neto, o que não surpreende, e uma parcela menos barulhenta que ainda acreditava numa redução de meio ponto percentual, para 10,25% – o que, de resto, faria os juros reais recuarem apenas para 6,10% ao ano, coisa ali para o depois da vírgula, com impactos meramente simbólicos sobre o lado real da economia, aquele que gera empregos e riquezas, ao contrário dos donos do dinheiro, que aumentam o patrimônio próprio no cassino dos juros.
Certamente faltaram a Campos Neto, em sua jogada pré-Copom, “serenidade e moderação” reclamadas pela ata resumida da reunião de ontem do Copom, divulgada ao final do dia. Numa reprodução, o texto recomenda que, diante da “conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, expectativas de inflação desancoradas e um cenário global desafiador”, a autoridade monetária tenha “serenidade e moderação na condução da política monetária”.
Complicações adiante
Ao que sugerem os termos da nota distribuída à imprensa (e à disposição no site do BC), os riscos para a estabilidade dos preços domésticos parecem se concentrar no front externo, relacionados a uma eventual persistência maior de pressões inflacionárias globais, o que levaria os bancos centrais a manter posição mais dura e mesmo adiar alguma “flexibilização de política monetária”, o que significaria postergar o início da redução dos juros. “O ambiente externo mostra-se mais adverso, em função da incerteza elevada e persistente referente ao início da flexibilização de política monetária nos Estados Unidos e à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países”, registra o Copom já no parágrafo que abre a nota.
Não por coincidência, o texto repete basicamente os argumentos sacados por Campos Neto há quase duas semanas, quando tratou de arrematar sua estratégia para torpedear a redução dos juros. Já em meados de abril, em outra fala controvertida, a pretexto da alteração das metas fiscais anteriormente anunciadas pelo Ministério da Fazenda, o presidente do BC considerou que era o momento para comentar, descontraidamente, que a alteração tornaria mais complicado o trabalho da “autoridade monetária” no combate à inflação.
Ficavam ali mais ou menos evidentes suas intenções de insuflar o “anarco-terrorismo-fiscal” que predomina nos mercados e na grande imprensa, gerando ele mesmo mais incertezas e turbulências, exatamente o oposto, vale reforçar, do que se espera de um presidente de banco central. O comentário foi reforçado, dias depois, quando o mesmo Campos Neto falou despretensiosamente aos mercados que talvez, quem sabe, seria mais adequado para a política de controle da inflação que os juros não caíssem assim tão depressa.
Seus objetivos foram plenamente alcançados ontem, mas não sem custos para o próprio BC e para a economia como um todo, já sacrificada pelos juros escorchantes em vigor. O racha no Copom pode gerar dissabores ainda maiores, a depender de como a crise anunciada pelos votos discordantes será administrada internamente pelo BC, o que certamente terá reflexos sobre o setor financeiro.
Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.
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