Com perfil técnico e um rico currículo no setor de petróleo, a executiva assume o comando da maior empresa brasileira com o desafio de tentar equilibrar os interesses do governo e dos acionistas. Vai conseguir?
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Chambriard compartilha com o governo a prioridade para o papel social e econômico da Petrobras para o Brasil (Crédito:Antonio Scorza/AFP)
Olhar para a Petrobras é se deparar com um eterno déjà vu. Nos últimos 70 anos, a petroleira produziu, com imensa capacidade, resultados que tiveram o efeito de desgastar presidentes ou exaltar governos — algumas vezes, ambos os cenários em uma mesma gestão. Nos anos 1990, quando virou uma sociedade mista, passou a criar tensões com o mercado e animosidades com a sociedade civil. Nos últimos oito anos, oito presidentes. Alguns instituíram uma política de mercado, potencializando os lucros. Outros subsidiaram o combustível e trancaram investimentos. Agora, durante a terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, há uma espécie de retorno ao passado — para o bem ou para o mal, dependendo do ponto de vista de quem analisa.
A entrada de Magda Chambriard no comando da empresa sinaliza o interesse do governo em usar a petroleira como parte do projeto econômico nacional, e não, nas palavras de Lula, “reduzir a Petrobras a uma empresa de prateleira, para impressionar o mundo e dar aos acionistas lucros exorbitantes”.
Se, por um lado, o plano do petista é acelerar investimentos e usar a companhia como catalisador econômico e de transformação sustentável, por outro, os desafios envolvendo distribuição de dividendos e defasagem no preço dos combustíveis se apresentam na mesma proporção das oportunidades.
Para entender como a Petrobras entrou nessa sinuca de bico é preciso olhar pelo retrovisor. Especificamente para 1997, quando a empresa, até então totalmente pública e nacional, passou a ter capital misto, colocando nessa equação os interesses de acionistas que cobram sustentabilidade financeira de longo prazo e dividendos parrudos.
• Tal queda de braço permeou a primeira gestão de Lula, mas com a descoberta do pré-sal, em 2007, a perspectiva de ganhos ainda maiores fez o mercado aceitar a mão de Lula nas decisões estratégicas da companhia. Mas não demorou para o pré-sal decepcionar os ansiosos, e a economia enfraquecer.
• Já no governo Dilma, os escândalos de corrupção envolvendo a petroleira e a redução artificial dos preços dos combustíveis também ficaram insustentáveis, custando cerca de R$ 100 bilhões para o capital da empresa e resultando na explosão da inflação quando os valores foram reajustados.
• Em 2013, a estatal assumiria o vexatório posto de empresa mais endividada do mundo, segundo relatório do Bank of America (BofA). Assim, criou-se a sensação de que era o poder público o grande vilão da Petrobras.
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Em 2016, após o afastamento de Dilma Rousseff, a entrada de Michel Temer em seu lugar colocou a estatal em uma nova era.
• Sob comando de Pedro Parente, a petroleira adotou a paridade no preço dos combustíveis com os valores praticados no exterior, política conhecida como PPI, culminando no período de menor ingerência do governo da história.
• Em 2019, quando Jair Bolsonaro assume o Palácio do Planalto, há uma narrativa de manutenção das diretrizes de Parente, mas essa impressão dura pouco. Bolsonaro trocou o presidente da petroleira quatro vezes, com alguns ficando poucos meses no cargo. O motivo era o custo do capital político com a alta do petróleo.
• Como acabar com o PPI era um sinal errado para os anseios liberais defendidos por Bolsonaro, então a solução foi criar subsídios. Tanto diretos (com a redução de impostos) como indiretos (auxílio a caminhoneiros).
Analistas políticos atribuem a queda de Bolsonaro à impopularidade gerada pela gasolina próxima a R$ 10 em estados como Acre e Pernambuco e ao preço do diesel mais caro do que a gasolina, o que ocorreu pela primeira vez na história — e segue até hoje.
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COMO FICA AGORA?
Entre prós e contras dos modelos adotados nos últimos anos, o que vale agora é o tom de Magda. Quem antecipou essa nova cara foi o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, um dos que pressionaram pela queda do antigo presidente, Jean Paul Prates.
Segundo ele, a petroleira irá retomar a nacionalização dos processos, mas isso sem “ferir ou prejudicar o andamento do mercado financeiro”. Esta não será uma tarefa fácil.
Um dos pontos defendidos pelo governo foi a revisão da distribuição de dividendos com a nova Política de Remuneração aos Acionistas. Com ela, foi reduzido de 60% para 45% o percentual mínimo de participação da distribuição de dividendos no fluxo de caixa livre trimestral da empresa. Deu certo? Não exatamente, e aí Magda terá que agir.
Essa iniciativa apontava na direção de redução do patamar de dividendos pagos, entretanto, ao não atacar a flexibilidade dessa política, possibilitou a distribuição de mais de R$ 105 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio sob comando de Prates, o equivalente a 68,5% do lucro líquido gerado no período. Também entra nessa conta a forma como Magda explicará ao mercado como a empresa perdeu, entre maio do ano passado (quando caiu o PPI) até março deste ano, R$ 9,4 bilhões de receita bruta, segundo dados da associação de refinarias privadas Refina Brasil.
Há também bons horizontes neste caminho.
• Prates
elevou os indicadores operacionais da companhia, em especial no
segmento de exploração e produção (E&P) e no uso intensivo de
complexo industrial.
• Magda assume ainda uma Petrobras com uma cartilha estruturada para Transição Energética e Sustentabilidade, com a promoção da descarbonização da matriz nacional com projetos de baixo carbono.
Potencial também é visto na recuperação das reservas da petroleira no longo prazo, pensando em novas fronteiras, como a Margem Equatorial, mas incluindo outros potenciais exploratórios onshore no Nordeste e nas bacias offshore de Pelotas e Margem Leste, o que também agrada acionistas e governo.
Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, ressaltou a importância da Petrobras para ampliar a infraestrutura de escoamento de gás natural. “Temos que estudar como aumentar a oferta de gás no Brasil e diminuir o preço. É inadmissível que tenhamos o gás saindo do gasoduto a mais de US$ 10 e chegando ao consumidor final a mais de US$ 14.”
APRENDIZADOS DO PASSADO
Para o ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco, que pilotou a companhia entre 2019 e 2021, equilibrar os pratos e os interesses em uma empresa de capital misto como a Petrobras é algo próximo a enxugar gelo. “A impressão que eu tenho é que, ano a ano, fica mais evidente que o arranjo institucional que se acostumou chamar de economia mista é um erro. Um formato que precisa agradar forças antagônicas [ente público e privado] não tem como ser sustentável por muito tempo”, disse.
Defensor da privatização, ele mesmo diz ter sentido pressão durante sua passagem pela Petrobras. Segundo Castello Branco, o então presidente Jair Bolsonaro chegou a cobrar uma redução artificial dos preços. “Mas eu não aceitei. Havia uma tendência de alta que não quebraria com uma queda pontual. Fazer isso seria não cumprir o papel para o qual fui escolhido.”
Na esteira da impopularidade gerada pelo fator Petrobras, cresceu nos últimos anos a tese de que a privatização é a melhor saída. Mas algumas bravatas neoliberais, especialmente da dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, nunca se converteram em coragem para vender a maior empresa brasileira.
À DINHEIRO, o ex-presidente da estatal Pedro Parente, que comandou a companhia entre 2016 e 2018, afirmou que soluções para os entraves da empresa não se limitam ao simplismo da privatização. “Privatizar não é a única solução, visto que há empresas, como a estatal norueguesa [antiga Statoil, hoje chamada de Equinor], que atua como a Petrobras e tem uma gestão parecida com a que tive na Petrobras”, afirmou. “Na minha época, a condução da Petrobras foi tranquila porque havia um alinhamento claro entre os interesses da empresa e a expectativa do governo sobre ela.”
Nem todos os ex-presidentes da Petrobras entendem que a privatização é o melhor caminho. Um deles, que atuou durante as gestões do PT, afirmou em condição de anonimato à DINHEIRO ter conversado com o presidente Lula após a demissão de Prates, e que não havia insatisfação com a condução da petroleira, mas um ruído entre Prates e os ministros Alexandre Silveira e Rui Costa (Casa Civil). “Não foi uma mudança estrutural. Não haverá grandes viradas. Só uma troca de interlocutor.”
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INVESTIMENTOS
Se tem um assunto capaz de colocar em rota de colisão os interesses públicos e privados, são investimentos da Petrobras. A empresa tem dívida bruta de US$ 61,8 bilhões, dentro da faixa estabelecida pelo plano estratégico, e possui caixa para financiar projetos sem necessidade de financiamento.
O desafio, dizem especialistas, é ter bons projetos em carteira, realizados no custo e no prazo previstos. Para isso, a governança mais rígida é importante para evitar problemas como os envolvendo a Rnest e o Gaslub, além de refinarias como Abreu de Lima e Comperj, cujos custos finais ficaram muito acima do estimado inicialmente.
Segundo o ex-presidente da Petrobras que falou sob condição de anonimato, as obras embargadas por decisões judiciais foram retomadas porque concluiu-se que seria mais custoso desfazer do que terminar. “Esse são exemplos de obras decididas na emoção, com baixa governança e pouco filtro fiscal”, disse. Sobre as obras em questão, para a Rnest, a Petrobras aposta na ampliação do primeiro trem de refino, enquanto prepara o terreno para a licitação do segundo trem.
Já o polo Gaslub está com licitação em andamento para a implantação de unidades de produção de lubrificantes e óleo diesel de baixo teor de enxofre (S-10).
Para Fernando Coelho Filho, ex-ministro de Minas e Energia do governo Michel Temer, Magda precisará lidar com os fantasmas de gestões passadas para o mercado e provar a Lula que o processo de investimento precisa ser paulatino para não incorrer nos problemas anteriores. “Não é sobre o nome do presidente, é sobre entender as etapas”, disse.
Cláudio Frischtak, sócio-fundador da consultoria Inter.B, afirma que os investimentos da Petrobras em 2023 corresponderam a 0,6% do PIB do ano passado, quando o total de investimento de todas as empresas somadas foi de 16%.
OLHOS DA JUSTIÇA
Para tentar aumentar essa proporção, o governo aposta na exploração de petróleo na Foz do Amazonas. O desejo contraria, inclusive, a sinalização do Ibama, que entende que a empreitada não é viável. O órgão ambiental barrou a perfuração de poço no bloco 59 da bacia da margem equatorial pela primeira vez em maio de 2023. Desde então, em um vai-e-vem, a empresa reiterou o pedido para exploração e segue buscando o aval do Ibama, que não deu a palavra final sobre seu entendimento, mas fez novas exigências à estatal.
A briga virou uma bandeira de Silveira, ministro de Minas e Energia, que defende publicamente a exploração como parte do programa energético brasileiro.
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Outro nó de regulamentação começou a se desfazer na quarta-feira (22), quando o Cade aprovou a renegociação dos Termos de Compromisso de Cessação (TCC) da estatal. A medida desobriga a estatal a prosseguir com a venda de refinarias e da participação na transportadora de gás TBG, que era uma demanda do governo.
A companhia havia pedido revisão dos compromissos assumidos em 2019, no governo Jair Bolsonaro, quando foi determinado que a estatal teria que realizar desinvestimentos para estimular mais concorrência nos mercados de gás e refino.
A venda de refinarias havia sido suspensa no ano passado, quando o Ministério de Minas e Energia determinou uma interrupção da alienação de ativos pela estatal diante das novas diretrizes de política energética pelo governo federal. De refinarias que se propôs anteriormente a vender, a Petrobras conseguiu se desfazer da Rlam, Reman e SIX, mas não teve sucesso em negociações para alienar Rnest, Repar, Regap, Refap e Lubnor.
O conselheiro do Cade Gustavo Augusto apontou na quarta-feira (22) que o setor de refino no Brasil atraiu novos agentes independentes desde 2019, e não apenas em função dos desinvestimentos.
A Petrobras se comprometeu a divulgar diretrizes comerciais para entrega de petróleo por via marítima e a oferta de “contratos frame” a qualquer refinaria independente, além de relatórios sobre sua nova estratégia comercial para a oferta de derivados, como gasolina e diesel, após o abandono do PPI.
Com tudo isso em jogo, a Petrobras põe sentido, quase um século depois, às palavras do Senador Hollanda de Cavalcanti na data de fundação do Banco do Brasil. “Uma corporação com grande influência política. Ou o governo há de transigir com ela, ou ela é que dará governadores ao País”. Agora, a bola está com Magda.
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