O escritório inglês Pogust Goodhead reuniu, em evento em Brasília, juristas brasileiros que defendem a legitimidade de ações movidas por municípios no exterior contra mineradoras e outras empresas envolvidas com o rompimento de barragem em Mariana (MG). A legitimidade das ações é alvo de questionamento em processo que será analisado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Pogust Goodhead abriu o processo no Reino Unido em 2018, representando, além de 46 municípios, 700 mil atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana, em 2015. A ação internacional é possível, afirma o escritório, porque a Samarco é parte controlada pela australiana BHP.
Em ação inicialmente financiada pela BHP, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) busca no STF a declaração de que os municípios não têm legitimidade para mover ações judiciais no exterior quando relacionadas a fatos ocorridos no Brasil.
As estimativas são de que, pela via internacional, as indenizações totalizem R$ 230 bilhões, volume inferior aos R$ 100 bilhões propostos pela BHP, Vale e Samarco para um acordo com a União que, segundo sinalizou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, poderá ser fechado em outubro.
ADPF
O Ibram protocolou, em junho, uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) argumentando que os municípios estariam usurpando a competência da União para manter relações com países estrangeiros “mediante seleção oportunista de foro”. O relator sorteado no STF, ministro Flávio Dino, determinou que a ADPF seja analisada pelo plenário da Corte.
No evento desta terça-feira, 10, estavam presentes juristas como José Eduardo Cardozo, ex-AGU e ex-ministro da Justiça, e o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay. Para eles, a ADPF, por ter efeito vinculante, terá consequências permanentes para Estados e municípios. Além de suspender o processo no caso Samarco, a decisão teria impacto imediato em ações movidas por municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho (MG).
Ao Broadcast, José Eduardo Cardozo diz que a ADPF “é uma vergonha federativa” e também poderá inviabilizar convênios, contratos e parcerias de Estados e municípios com instituições estrangeiras. “Veja que interessante, uma empresa estrangeira invoca a soberania do Brasil para não ter que pagar danos para brasileiros. Já nisso envolve um paradoxo”, avalia.
Pela perspectiva de impacto geral, Cardozo diz que o ideal seria que representantes de governos estaduais e municipais entrassem como amicus curiae (“amigos da corte”, terceiros interessados) na ADPF. “A aparência que se tem é que nessa ação só está se discutindo o caso de Mariana, que por si só já é muito relevante. Mas está se discutindo coisa acima. Está se discutindo a autonomia de Estados e municípios para o futuro, para aquilo que podem fazer”, afirma.
Ação inglesa
O processo movido pelo escritório Pogust Goodhead tem julgamento marcado para outubro, em Londres, com duração de 14 semanas. Na ação, a busca é de responsabilização específica da mineradora anglo-australiana BHP.
Entre os reclamantes, estão indivíduos, mais de 10 mil indígenas e quilombolas, 46 municípios e mais de 2,5 mil empresas, autarquias e instituições religiosas. Segundo o Pogust, esta é, pelo número de representados, a maior ação coletiva ambiental do mundo.
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