PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO
As regras de conteúdo local em licitações do governo brasileiro são
"muito problemáticas, não são livre comércio e equivalem a 'roubar na
balança' [putting your fingers on the scale]".
Foi com essa crítica dura que Rebecca Blank, secretária interina de
Comércio dos Estados Unidos, descreveu a principal reclamação dos
empresários americanos que querem investir no Brasil.
Rebecca está no país com representantes de 16 empresas americanas
interessadas em exportar produtos e serviços de infraestrutura ou
investir em grandes obras.
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Folha - Tem havido atrasos nas licitações para grandes obras de
infraestrutura e concessões no Brasil, muitas vezes devido à falta de
interesse de investidores por causa da baixa taxa de retorno. Isso
preocupa os potenciais investidores ou exportadores dos EUA?
Rebecca Blank - Não é incomum que licitações de projetos muito
grandes atrasem. As empresas de infraestrutura sabem que o setor é
assim. Já em relação à taxa de retorno, não tenho como comentar.
O que incentivaria investimentos em infraestrutura no Brasil hoje?
O mais importante é o anúncio do governo de que haverá um total de US$
500 bilhões em investimentos em infraestrutura no país nos próximos
anos. Isso interessa muito às empresas americanas. Mas há uma
preocupação porque o Brasil é um mercado mais fechado para investimentos
e exportações do que muitas empresas americanas desejariam.
Nós já tivemos várias conversas com autoridades brasileiras sobre a alta
nas tarifas de importação e as exigências de conteúdo local. Acho que,
no longo prazo, o Brasil só tem a ganhar trazendo empresas de países de
todo o mundo, que têm expertise e vão ajudar a criar conhecimento local e
produção. Ao trazer investimento de fora é que o Brasil cresce e se
torna parte da economia global.
Muitas dessas medidas desaceleram o país no longo prazo. Isso nos
preocupa muito, e nós estamos trabalhando com autoridades brasileiras
para abrir o mercado.
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Moacyr Lopes Junior/Folhapress |
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Rebecca Blank, secretária interina de Comércio dos Estados Unidos, em hotel em SP | | | |
Houve uma mudança na legislação de licitações que dá preferência a
produtos e serviços nacionais nas licitações públicas, mesmo com preços
até 25% acima dos estrangeiros. Essa legislação faz parte das regras de
conteúdo local que preocupam?
Sim. [Essa regra] é muito problemática. Isso não é livre comércio, na
verdade isso é roubar na balança ["putting your finger on the scales"].
Significa que vai ser muito difícil para empresas internacionais
ganharem licitações em algumas áreas.
Em algumas áreas de serviços avançados, como design e questões
ambientais, os EUA têm muita experiência. Com essas regras, fica mais
difícil para empresas americanas participarem, o que vai tornar mais
difícil realizar esses projetos.
A senhora discutiu isso com autoridades brasileiras?
Não nesta viagem. Mas tivemos muitas conversas sobre esse tema quando estive em Brasília dois meses atrás.
Mesmo com a preferência de até 25%, as empresas americanas ainda são competitivas aqui?
Depende da licitação. Em algumas áreas não. Mas. em licitações que não
se baseiam somente em preço, em áreas em que o Brasil tem menos
expertise, empresas de fora terão alguma chance.
Essas regras de conteúdo local prejudicam a economia brasileira?
Se você quer fazer esses projetos direito, você quer contratar a
companhia de maior qualidade, que pode ser nacional ou estrangeira. Se
você está modernizando um aeroporto e quer que o projeto dê certo, você
quer o fornecedor de maior qualidade, deveria deixar todos competirem em
pé de igualdade.
Em comparação com outros países, como é o ambiente para fazer negócios no Brasil?
O Brasil retrocedeu um pouco por causa das regras de conteúdo local e o
aumento de tarifas. Outros países têm se engajado muito mais no comércio
global e estão tentando reduzir barreiras.
As negociações da Parceria Transpacífico [PTP] mostram que há países que
crescem muito rapidamente e estão mais famintos por investimentos e
exportações, embora talvez não estejam no mesmo estágio de
desenvolvimento que o Brasil.
O Brasil tem muitas vantagens, mas, para funcionar de forma global e
eficiente, precisa tornar mais transparente e fácil o processo de atuar
no país e ter regras similares para todos os países que atuam no Brasil.
Países que participam da negociação da PTP como Peru e Chile têm
acordos de livre comércio com os EUA e vários outros países, o que, da
nossa perspectiva, oferece menos barreiras para fazer negócios lá.
RAIO-X REBECCA BLANK
CARGO
vice-secretária de Comércio dos Estados Unidos desde março de 2012; atualmente é secretária interina de Comércio
FORMAÇÃO
formada em economia pela Universidade de Minnesota; tem um doutorado em
economia pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology)
NATURALIDADE
Nascida em Missouri, EUA