segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Nova lei tributária dos EUA cria brecha que favorece cooperativas


Nova lei tributária dos EUA cria brecha que favorece cooperativas


ADM, Bunge e Cargill se tornaram símbolos da agricultura empresarial nos EUA, com alcance nacional e receitas bilionárias. Mas uma cláusula pouco notada na recente reformulação fiscal aprovada no país está obrigando esses titãs agrícolas a estudar a possibilidade de partir para algo mais frequentemente associado a pequenas cidades americanas: o cooperativismo.

A Bunge, que tem valor de mercado superior a US$ 10 bilhões, confirmou ao "Financial Times" que estuda até abrir sua própria cooperativa. Isso porque a reforma tributária aprovada em dezembro nos EUA criou um forte desestímulo para que os agricultores vendam seus produtos a tradings, favorecendo, em vez disso, as vendas para cooperativas.

Empresas menores, desde uma processadora de amêndoas da Califórnia até uma refinaria de etanol de Nebraska, também estão avaliando formar uma cooperativa ou estabelecer parcerias com cooperativas a fim de manter suas relações com os produtores rurais.

A situação ilustra como até cláusulas relativamente obscuras da lei tributária estão tendo consequências imediatas, amplas e, às vezes, surpreendentes sobre o mundo dos negócios americano. Orrin Hatch, presidente da Comissão de Finanças do Senado, reconheceu que a lei está "tendo efeitos não premeditados sobre os mercados agrícolas", e prometeu encontrar uma solução que "não escolha vitoriosos e perdedores".

A cláusula da lei tributária em questão, conhecida como Artigo 199A, permite que agricultores que vendem produtos a cooperativas deduzam 20% da receita de seu rendimento tributável no Imposto de Renda federal. Os que vendem para outros tipos de empresas podem abater também 20%, mas do lucro líquido – ou seja, um valor menor. Em alguns casos, a nova dedução pode "zerar completamente o Imposto de Renda federal devido de um agricultor", segundo um estudo de Scott Greenberg, do centro de análise e pesquisa Tax Foundation.

Embora os dirigentes do Congresso tenham prometido corrigir a disparidade, as tradings estão examinando estratégias de sobrevivência para o caso de uma solução legislativa demorar a sair. 

"Temos um Plano A, um Plano B e talvez até um Plano C que podemos acionar no caso de o Congresso deixar de fazer o que deveria. Mas acreditamos que fará", disse Soren Schroder, CEO da Bunge. Entre as alternativas estão "criar cooperativas ou parcerias com cooperativas". Mas, de acordo com ele, "seria uma besteira ter de recorrer a isso".

A Cargill disse ter esperança de que a Comissão de Finanças do Senado tome providências para mudar a lei. "Como está agora, a cláusula criará uma proliferação de cooperativas agrícolas e de outros setores. A Cargill continuará a planejar formas de manter a competitividade no mercado americano", informou. Juan Luciano, CEO da ADM, disse na semana passada que sua equipe foi tranquilizada de que haverá uma correção no "futuro próximo".

Mas muitos produtores rurais já mudaram os contratos de vendas na direção das cooperativas, ao fazer os planos de comercialização das safras deste ano, conforme um executivo de uma empresa de grãos do Meio-Oeste americano.

Nas áreas agrícolas dos EUA, as cooperativas, controladas por seus membros – algumas grandes, como a CHS, de Minnesota, que registrou receita de US$ 32 bilhões em 2017 -, concorrem com Bunge, ADM, Cargill e outras empresas na compra de milho, trigo e soja dos produtores.

Outras companhias também buscam alternativas. Se a lei continuar como está, "o agricultor nunca mais voltará a fazer negócios com uma empresa privada. Se tivermos de nos transformar em uma cooperativa, faremos isso", disse Dale Beyer, diretor financeiro da Minn-Kota Ag Products, uma revendedora de grãos e insumos de controle familiar com sede em Dakota do Norte.

Na Califórnia, processadoras privadas de amêndoas já estão em processo de se transformar em cooperativas, a fim de manter sua competitividade. "Se um agricultor fornece a uma não cooperativa, fica em desvantagem de 13 a 14 centavos de dólar por libra-peso (453,59 g), o que é bem significativo", afirmou Jeff Tatsumura, diretor da auditoria e consultoria K-Coe Isom.

A Green Plains, produtora de etanol de milho com ações negociadas na bolsa de Nova York, disse a analistas, na semana passada, que já formou uma cooperativa no Estado do Kansas para adquirir grãos dos agricultores em condições mais competitivas.

Segundo o Conselho Nacional de Cooperativas Agrícolas dos EUA e a Associação Nacional de Grãos e Rações, a intenção do Congresso com a legislação foi reeditar o tratamento fiscal anteriormente dado a membros de cooperativas agrícolas.

Greenberg, da Tax Foundation, disse que a nova dedução das cooperativas vale também para as empresas não agrícolas. "O que mais preocupa", escreveu ele, "é que isso poderá criar uma nova grande brecha no sistema tributário dos EUA" (Financial Times )

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