Rodrigo Caetano/Istoé
O
professor Raj Sisodia, guru do mundo dos negócios que conquistou a
atenção de empresários do porte de Abilio Diniz, está navegando por
novas águas. Fundador do movimento Capitalismo Consciente, que incentiva
as empresas a se pautar por um propósito e não somente pelo lucro, o
indiano naturalizado americano propõe uma nova abordagem para o
feminismo no mercado de trabalho. O assunto está em voga, especialmente
depois dos escândalos sexuais que abalaram diversas indústrias, de
Hollywood ao turismo. Nessa guerra dos sexos, sobram acusações e falta
diálogo, especialmente nas redes sociais. Mas Sisodia acredita que a
questão não é sobre sexo ou gênero, mas sobre poder. “Esses homens
poderosos sentem que podem fazer qualquer coisa a qualquer pessoa”, diz o
professor. “É uma questão de acabar com essa noção de dominação
masculina.” Em visita ao Brasil, Sisodia conversou com a DINHEIRO sobre
como a valorização de conceitos femininos, como compaixão, empatia e
incentivo, pode não só ajudar a acabar com essa disputa, mas também a
formar líderes melhores. “O trabalho já tem muito de masculino.
Precisamos elevar o feminino”, diz Sisodia.
Confira a entrevista:
DINHEIRO – O sr. propõe um novo enfoque para a questão do feminino no mundo do trabalho. Qual seria?
RAJ SISODIA – O enfoque é a liderança. Por
toda a nossa história, a liderança sempre foi ensinada e vista por um
ponto de vista masculino. Praticamente toda instituição na sociedade foi
liderada por homens, usando um leque limitado de recursos masculinos. É
o que chamamos de hipermasculinidade. Dominação, agressividade,
competição, resultados a todo custo, sempre com um estilo militarizado.
Claro que também existem conceitos masculinos que são positivos, como
força, disciplina e coragem. Mas o que se vê na sociedade é que valores
femininos, como cuidado, compaixão, incentivo, vulnerabilidade, empatia,
são vistos como fraquezas, sem um lugar no conceito de liderança. Eles
pertencem ao lar e à família. As mulheres e os valores femininos foram
suprimidos. Entretanto, valores masculinos e femininos existem tanto nos
homens como nas mulheres. E mesmo os homens não se permitem demonstrar
esse lado. Garotos são ensinados, desde criança, a não demonstrar
emoções, ou serão ridicularizados. Isso é bastante prejudicial, pois
invalida um aspecto importante da própria humanidade. Os líderes
precisam ser mais femininos.
DINHEIRO – A ideia, então, é mais avançada
do que se supõe em relação a essa demanda por mais mulheres no mercado
de trabalho e em cargos de liderança. Não adianta apenas aumentar a
presença feminina, é preciso também tornar a cultura empresarial mais
feminina?
SISODIA – Uma combinação de masculino e
feminino. O trabalho já tem muito de masculino. Precisamos elevar o
feminino. Não somente isso: promover a masculinidade e a feminilidade
maduras. Não queremos substituir um pelo outro. Nós queremos a força, a
coragem e a disciplina masculinas, mas não a competição excessiva e a
agressividade. A ideia é se tornar uma pessoa completa. Como disse Carl
Jung (psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica), todo homem
tem uma mulher interior e toda mulher tem um homem interior.
DINHEIRO – O que os líderes devem fazer para se tornarem essa pessoa completa?
SISODIA – O primeiro passo é
autoconhecimento. É preciso entender o seu modo padrão, quais qualidades
que expressa com mais evidência. A partir desse conhecimento, há
diversos exercícios, que apresento no livro Liderança Shakti (HSM,
2016), sobre como cultivar outros aspectos. Mas é uma jornada de longo
prazo de desenvolvimento pessoal.
DINHEIRO – Essas características estão
relacionadas ao gênero da pessoa, ou um homem pode reunir mais
qualidades femininas em seu estilo de liderança, por exemplo?
SISODIA – A questão é ser uma pessoa
completa. Não se trata de ser mais masculino ou feminino. A linguagem,
algumas vezes, pode ser uma barreira. Homens não querem ser chamados de
femininos e mulheres não querem ser chamadas de masculinas. Então, tento
usar a ideia de energias masculina e feminina. Mas também podemos falar
de força versus amor. Nós queremos os dois. Então, podemos adotar uma
linguagem que não tem relação com gênero. Uma frase que utilizo é que o
líder deve se tornar um “sábio tolo de amor forte”. Ele precisa ter a
habilidade de ser duro, mas amável. Deve ter sabedoria, mas também a
ingenuidade de uma criança. Seu modo padrão pode ser o de uma pessoa
sábia e rigorosa. Entretanto, deve aprender a ser carinhoso e
desenvolver um senso de humor. Outra pessoa pode ser brincalhona e
rigorosa. Donald Trump, por exemplo, é um tolo rigoroso, o tempo todo.
Ele precisa desenvolver a sabedoria e o seu lado amoroso.
DINHEIRO – O sr. está propondo essa
discussão em meio a uma grande crise entre os sexos, com acusações de
assédio sexual aparecendo em diversas indústrias. Como o sr. espera que
homens e mulheres reajam?
SISODIA – Isso é resultado da
hipermasculinidade e do patriarcado na sociedade. Homens têm todo o
poder e as mulheres são secundárias. É uma questão de poder, e tem de
acabar. Não é sobre sexo, é sobre poder. Esses homens poderosos sentem
que podem fazer qualquer coisa a qualquer pessoa. Eles abusam de
mulheres e também de outros homens. É uma questão de acabar com essa
noção de dominação masculina. Eu acredito que este é o século em que
veremos a igualdade para as mulheres. O século 19 marcou o fim da
escravidão. O século 20, em grande medida, marcou o fim das ditaduras e
do totalitarismo. O século 21 marcará o fim da opressão do feminino e
das mulheres.
DINHEIRO – A sua proposta é de uma jornada
interior para que os líderes encontrem o seu lado feminino. Porém, o
que acontece hoje no mercado é que as mulheres recebem o equivalente a
70% do salário dos homens, para a mesma função. Essa não é uma agenda
mais urgente para o feminismo?
SISODIA – Acredito que são processos
paralelos. Pagamento igualitário pode ser uma questão de legislação. Nos
Estados Unidos, temos a Equal Rights Amendment, proposta muitos anos
atrás (a emenda constitucional foi redigida em 1923 e ainda não foi
ratificada por todos os Estados americanos). Mas isso vai acontecer,
assim como o casamento gay, que há 20 anos não era permitido. Na minha
visão, é uma questão de políticas públicas. E, nos EUA, em resposta a
Trump, muitas mulheres estão acordando para a política.
DINHEIRO – Os homens podem liderar essas
transformações, ou se trata de uma atribuição que deve ser encabeçada
exclusivamente pelas mulheres?
SISODIA – Eu vejo que as mulheres querem
que os homens sejam seus aliados. Não acredito que isso seja um
problema. Assim como homens não se comportam de uma maneira madura,
algumas vezes, mulheres também podem encarar a questão como uma batalha
dos sexos. Mas acredito que essa seja uma abordagem errada. Meu livro
trata de acabar com essa guerra, trazer conciliação. Homens e mulheres
completam um ao outro. Não é preciso haver vencedores e perdedores.
DINHEIRO – Mas os homens precisam ser mais femininos…
SISODIA – Precisamos do masculino. Haverá
exércitos, polícias e pontes para serem construídas. Os homens
construíram o mundo, de diversas maneiras. Mas as mulheres poderiam ter
feito mais, se fosse permitido. Hoje, o que está acontecendo é que os
meninos estão ficando para trás em relação às meninas. Elas estudam mais
e tendem a ser mais focadas, em idade escolar.
DINHEIRO – Como a discussão sobre gênero e os direitos dos homossexuais e transexuais se encaixa nesse modelo?
SISODIA – Eu tento não entrar nessa
questão de gênero. Estou falando de qualidades femininas e masculinas.
Homens e mulheres apresentam as duas qualidades, assim como homossexuais
e transexuais.
DINHEIRO – No fundo, a ideia é eliminar
essa questão do gênero da liderança, focando apenas nas qualidades que
um ser humano precisa ter para ser um bom líder?
SISODIA – Exato. Precisamos ser uma pessoa
completa. A maioria das pessoas tem pai e mãe, certo? Mas, algumas só
têm um dos dois. Nesse caso, elas precisam que esse pai ou essa mãe
reúna as qualidades de ambos: cuidado, compaixão, incentivo e também
regras, disciplina, força. Um líder, quase sempre, é uma só pessoa e ele
precisa ser completo, da mesma forma.
DINHEIRO – Por que o sr. resolveu tratar desse tema, num momento tão conturbado?
SISODIA – Trabalhando com as empresas do
capitalismo consciente, eu percebi que muitos valores presentes eram
associados ao feminino. São qualidades que as mulheres, naturalmente,
têm. Eu já vinha falando sobre a ascensão dos valores femininos, que vem
acontecendo há algum tempo. Um dos motivos para isso é a educação. O
ano de 1989 foi um marco por vários motivos, como a queda do Muro de
Berlim. Mas também foi o ano em que, pela primeira vez, os EUA tiveram
mais mulheres graduadas na faculdade do que homens. Cada vez mais
empregos requerem nível universitário. Os números mostram que essas
vagas serão dominadas por mulheres. Valores femininos se tornarão um
padrão, simplesmente porque as mulheres vão dominar o mercado de
trabalho. Esse ponto de virada está se aproximando.
DINHEIRO – Considerando os líderes políticos atuais, quem o sr. elegeria como o mais bem balanceado em relação a essa questão?
SISODIA – É uma pergunta difícil. Trump é
como uma criança durona. Barack Obama é sábio e amável e tinha alguma
firmeza. Hillary Clinton seria durona, como Trump, mas sábia, e não
infantil. Para responder, na verdade, eu teria de voltar no tempo e
pensar em alguém como Abraham Lincoln, Nelson Mandela ou Mahatma Gandhi.
O Dalai Lama também é assim. Mas, no mundo político atual, são poucos.
DINHEIRO – E Angela Merkel?
SISODIA – Ela é uma das mais poderosas
mulheres do mundo, mas é resultado quase que exclusivamente de pura
masculinidade. Ela veio do mundo comunista, onde não havia muitas
qualidades femininas. Eram todos iguais, mas viviam como homens.
DINHEIRO – E no mundo dos negócios?
SISODIA – Herb Kelleher, da companhia
aérea Southwest Airlines, é um líder que chega bem perto. O encontrei
algumas vezes. É brilhante, simpático e bem humorado, mas duro quando
tem de ser. Howard Schultz, da Starbucks, também reúne essas qualidades.
Paul Polman, da Unilever. Richard Branson, da Virgin, também. São
poucos, porque o nosso protótipo de líder não é esse.
https://www.istoedinheiro.com.br/os-lideres-precisam-ser-mais-femininos/
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