O
comércio é tônica permanente desde a Antiguidade. Realizavam-no então,
entre si, as circunscrições geográficas de poder e continuam os Estados
modernos a fazer o mesmo, para equilibrar e buscar superávit em sua
balança de pagamentos. Ao inaugurar o Reino Unido do Brasil, Portugal e
Algarves, em 1808, Dom João VI abriu os portos brasileiros ao comércio
internacional, abertura essa que se manteve quando da instauração do
império brasileiro, em 1822.
Muitos são os prismas pelos quais pode,
historicamente e na atualidade, ser estudado o comércio do Brasil.
Entretanto, não se tem notícia de um exame sob a ótica dos tratados
internacionais de comércio, que o Brasil tenha concluído, até a defesa
da dissertação de mestrado denominada Brasil e as Normas dos Acordos
Internacionais em Matéria Comercial, orientada pelo professor doutor
Masato Ninomiya e defendida, há pouco, na Faculdade de Direito da USP,
por Marcel Rodas Cezaretti
[1].
Por
ser trabalho científico, a primeira parte do trabalho é dedicada a
sumariar os substratos teóricos que fundamentam a elaboração da pesquisa
a ser feita: tratados internacionais; organizações internacionais,
(Gatt/OMC, UNCTAD, Aladi e Mercosul); Direito do Comércio Internacional
(acordos de comércio e contratos internacionais); e ministérios,
comissões (Camex e Apex) e instituições brasileiras (CNI) relacionados
ao comércio internacional.
A segunda parte da dissertação,
dedicada ao fulcro do trabalho, reuniu cerca de 430 tratados de cunho
comercial, concluídos pelo Brasil, desde 1822, com a finalidade de
perquirir a função que eles cumpriram e vêm cumprindo no contexto do
comércio internacional brasileiro. Cada um dos referidos tratados foram
objeto de uma ficha, cujo preenchimento permitiu visão radiográfica de
seus principais aspectos. O conjunto dos tratados foram divididos em
cinco blocos: bilaterais; relativos à OMC; relacionados à Aladi;
concernentes ao Mercosul; e principais tratados vigentes e em
negociação. A conclusão de cada um desses blocos contém considerações
técnico-jurídicas e político-econômicas. A formulação destas últimas
encontraram subsídios, também, nas entrevistas feitas com autoridades da
área.
As conclusões quanto aos tratados bilaterais, mostraram:
(i) a grande utilização de acordos em forma simplificada, pois os
tratados comerciais definidores das grandes regras são pactuados,
geralmente, sob a forma solene; sendo suscetíveis de efetivação, por
meio dos referidos acordos; (ii) no século XIX, os tratados eram
majoritariamente em forma solene; (iii) no século XX, a minoria era em
forma solene; certo número relegava à escolha das partes considerá-lo
solene ou em forma simplificada; enquanto que grande maioria era em
forma simplificada; (iv) no século XXI, vem sendo mantida a mesma
tendência do século anterior. Relativamente à natureza das partes, no
século XIX, todos os tratados foram concluídos entre Brasil e um Estado
(nessa época ainda não havia organizações internacionais
intergovernamentais); no século XX, 301 tratados foram concluídos entre
Brasil e um Estado e 7 entre Brasil e organizações internacionais (esse
número é pequeno, pois se trata apenas de tratados bilaterais); no
século XXI, 32 entre Brasil e um Estado e 3 entre Brasil e organizações
internacionais.
As partes - Estados e organizações - com as quais o
Brasil concluiu tratados permitem medir a amplitude da diplomacia
bilateral comercial brasileira
[2].
No referente à finalidade, os tratados do século XIX consignam, mais
genericamente a facilitação do comércio e a navegação; enquanto que nos
sécs. XX e XXI, mais especificamente, estabelecem comissões mistas e
cláusula da nação mais favorecida. Finalmente quanto ao status dos
tratados, daqueles concluídos no século XIX, 6 encontram-se em
tramitação, 3 são vigentes e 3 não vigentes; do século XX, 51 em
tramitação, 114 vigentes e 145 não vigentes; enquanto que do século XXI,
3 em tramitação e 33 vigentes. Entre os tratados vigentes, contam-se
tanto os que continuam operantes, quanto aqueles cujo cumprimento
exaurem seu objetivo. Por seu turno, naqueles em tramitação, estão tanto
os que aguardam formalidades para a sua entrada em vigor, quanto os
que, no meio do caminho, foram abandonados pelas partes, atingidos pela
“mortalidade infantil” dos tratados internacionais. São tidos como não
vigentes, os que tiveram seus prazos expirados ou sofreram denúncia
pelas partes.
Os tratados da OMC compõem-se de regras negociadas
pelos respectivos Estados- Membros, denominados acordos, conhecido em
seu conjunto como regras de comércio da OMC. São, geralmente, acordos
guarda-chuva, receptáculos dos deveres e direitos dos partícipes da
Organização, relativos ao comércio de bens, serviços propriedade
intelectual, que liberalizam o comércio. Além dos acordos que acabam de
ser descritos, há também na OMC, os acordos plurilaterais, versando
determinado assunto e de que são partes somente os Estados-Membros que a
eles aderirem. “O Gatt/OMC detém as rédeas formais das negociações que
os Estados-membros fazem com o intuito de criar o marco multilateral do
comércio mundial
[3]”. Dessa maneira foram geradas as regras do Gatt/OMC, bem como persistem as negociações para sua atualização e implementação.
Vinte
e oito tratados comerciais foram concluídos no contexto da Aladi,
divididos entre acordos de alcance regional e de alcance parcial de
complementação econômica. O Tratado de Montevidéu de 1980, instituidor
da Aladi “estabeleceu como instrumento de ação, a realização de acordos
de alcance regional e acordos de alcance parcial, com o intuito de, por
meio deles, colocar em prática a multilateralização progressiva, que
leva a convergência; bem como o tratamento diferenciado, segundo as
característica econômico-estruturais dos Estados-Membros
[4]”.
O
referido Tratado de Montevidéu, tratado solene, além de constitutivo de
organização internacional é também tratado guarda-chuva. Por essa
razão, os tratados de alcance regional ou de alcance parcial,
normalmente, são em forma simplificada, entrando em vigor pela
assinatura. Tais acordos são sucintos e similares em sua redação. O que
os diferenciam são as tabelas, que, por serem evolutivas, dão causa a
grande número de anexos e protocolos adicionais. A ampla utilização,
pelo Brasil, dos mecanismos criados pelo Tratado de Montevidéu de 1980 é
comprovado pelo vultoso número de tratados que concluiu sob o
patrocínio da Aladi. Um desses - o Acordo de Alcance Parcial 18 -
validou o Mercosul, no plano das regras da OMC, possibilitando a criação
do Mercosul.
Dos tratados firmados na esfera do Mercosul, 38 são
de cunho comercial, podendo ser subdivididos em três espécies: (i) os
que instituíram ou estruturaram o bloco econômico (exemplo: Tratado de
Assunção de 1991); (ii) criaram legislação interna do bloco (Protocolo
relativo ao Código Aduaneiro, de 1994); e (iii) acordos em matéria
comercial com organizações internacionais e com Estados.
O
Mercosul regula os assuntos importantes para o bloco por meio de tratado
internacional e não por decisões de seus órgãos. No que respeita às
tratativas do Mercosul com organizações internacionais, o Acordo Quadro
Inter-regional de Cooperação entre o Mercado Comum do Sul e a Comunidade
Europeia de 1995 - único com organização internacional de grande porte -
não teve sequência prática, até o momento. Os muitos tratados
concluídos entre Mercosul e Estados o foram com países em vias de
desenvolvimento e de menor potencial comercial, excepcionados os com
Cingapura, Israel e Coreia do Sul.
Os principais tratados
recentes, em vigor e em aplicação são os Acordos de Cooperação e
Facilitação de Investimentos (ACFIs), concluídos com Angola, Chile,
Colômbia etc. e alguns tratados na estrutura plurilateral da Aladi, com o
Suriname e Bolívia. Dentre os tratados em negociação figuram: ACFIs com
a África do Sul, Argélia, Marrocos etc.; Acordo de Livre Comércio entre
Mercosul e a União Europeia; e Acordo de Compras Governamentais com
Chile e Colômbia. Além da baixa importância da maioria dos tratados em
negociação, causa espécie o absentismo do Brasil em negociações do
porte: Trans-Pacific Partnership (TPP) etc.
Ressaltem-se das
conclusões gerais da dissertação os seguintes pontos. O Gatt/OMC,
relevante na regulamentação liberalizante das trocas internacionais, na
determinação das melhores práticas e na resolução dos conflitos, assiste
a dissenção entre os Estados-Membros desenvolvidos, que preferem tratar
de “novos temas” e os em desenvolvimento, que insistem no incremento da
liberalização dos produtos agrícolas. Tal diferença de pontos de vista é
responsável, em parte, pelo relativo insucesso da Rodada Doha; que, no
entanto, tem apresentado pontos positivos, como a conclusão do Acordo de
Facilitação de Comércio, prestes a entrar em vigor. O Transatlantic
Trade and Investment Partnership (TTIP), o Transpacific Partnership
(TPP) e o Regional Compreensive Economic Partnership (RCEP), são, em
última análise, esquemas alternativos fruto da letargia do esquema
tradicional de negociação no seio da OMC. O Brasil, partícipe do GATT
(1947) e da OMC (1994) é reconhecido por seu apoio e protagonismo nas
negociações, bem como na consolidação do sistema de solução de
controvérsias.
O Brasil, seguindo o esquema da Aladi, tem
concluído inúmeros acordos, quer individual, quer conjuntamente com o
Mercosul, estando em andamento com Estados sul-amerianos cronogramas de
desgravação tarifária, com o intuito de se estabelecer área virtual de
livre comércio, até 2019.
Para o Brasil, o Meercosul mais do que
projeto de integração econômica representa projeto de desenvolvimento
nacional, buscando estabilidade e prosperidade regionais. Reavaliação
recente demonstrou a necessidade de se revitalizar a integração
econômica e comercial, com abertura tanto no mercado interno, quanto no
internacional. Vários são as razões para o relativo marasmo do MERCOSUL:
o fato de as decisões do bloco serem tomadas por unanimidade, crises
econômicas e políticas frequentes nos Estados-Membros; existência da
Resolução GMC 32/2000, pela qual os membros do Mercosul somente podem
participar, em bloco, de negociações com outros países etc.
A
“participação do Brasil no comércio internacional tem-se mantido
marginal diante do tamanho de sua economia, fato comprovado pelos
números sofríveis de seu comércio internacional”
[5].
Também, em razão de pressões de entidades privadas, recentemente vem-se
pretendendo incentivar o comércio exterior brasileiro por vários modos:
plano nacional de exportações (2015 e 2016), portal único de comércio
exterior; estabelecimento do Acordo de Cooperação e Facilitação de
Investimentos (ACFIs); mudanças estruturais na Apex-Brasil e na Camex;
diretrizes do Itamaraty, de 2017, majoritariamente dizendo respeito à
política comercial; renovação do Mercosul, com eliminação das barreiras
ainda altas dentro do bloco etc..
Apesar da pequena relevância, no
conjunto, dos tratados concluídos pelo Brasil em matéria comercial,
face ao “contexto atual, do perfil dos acordos já firmados (...) dos
acordos em negociação (...) é possível identificar uma tendência de
mudança no perfil do Brasil quanto à sua inserção no comércio
internacional. Se por um lado, no cenário atual, o Brasil é signatário
de uma rede de acordos concentrados na América Latina e com ênfase em
acordos de natureza tarifária, é possível identificar uma estratégia do
MRE e do MDIC, como resposta a pressões dos setores exportadores
brasileiros, de estabelecer acordos com uma rede variada de países em
termos geográficos, de perfil de desenvolvimento e de escopo (incluindo
temas de investimentos, serviços, compras governamentais e propriedade
intelectual)”
[6].
Há espaço para que os tratados ajudem a impulsionar o comércio internacional brasileiro, falta potencializar a vontade política.
[1]
Cezaretti, Marcel R.,“Brasil e as Normas dos Acordos Internacionais em
Matéria Comercial”, São Paulo, s. c. p., 2017, 421 páginas.
http://www.conjur.com.br/2017-jun-22/olhar-economico-tratados-internacionais-poderiam-impulsionar-comercio-brasileiro