terça-feira, 24 de outubro de 2017

Corrupção define Brasil, mas não o brasileiro, diz estudo

Corrupção define Brasil, mas não o brasileiro, diz estudo

A corrupção é o comportamento que melhor define o Brasil de hoje, mas é a honestidade que melhor caracteriza o brasileiro.

Esta contradição está entre os resultados da inédita Pesquisa Nacional de Valores de 2017, encomendada ao Datafolha pela consultoria Crescimentum, em parceria com o instituto britânico Barret Values Centre.

O levantamento investiga quais os valores pessoais dos brasileiros em 2017, aqueles que constituem a cultura atual do país e os da cultura desejada para o Brasil.

Para isso, em agosto deste ano, 2.422 pessoas em todas as regiões do país foram apresentadas a listas com cerca de 90 valores entre os quais precisavam apontar os dez que melhor definiam quem elas são, que delimitavam o Brasil de hoje e que representavam como o país deveria ser.

Enquanto no campo individual os brasileiros elegeram a amizade, a honestidade, o respeito, a confiança e a paciência como valores que os definem, no campo da cultura nacional emergiram a corrupção, a violência, a agressividade e a discriminação racial.

"Não tem nenhuma correspondência entre o que cada um percebe como seu valor individual e o que ele percebe como a cultura ao seu redor", avalia o escritor e cientista social Eduardo Giannetti.

Para ele, o brasileiro não se reconhece naquilo que vê ao seu redor, mas que é o "resultado da interação de todos nós juntos". "Este é um traço definidor da nossa cultura: o brasileiro é o outro", explica.

"Brasileiro fala do brasileiro na terceira pessoa, e se dissocia", avalia o economista Guilherme Marback, diretor da Crescimentum, que aponta para o aumento na percepção dos problemas do país.

Essa percepção subiu de 51% em 2010, quando a pesquisa foi feita pela primeira vez, para 61% em 2017.

Entre os problemas, reina a corrupção, que em 2010 era destacada por 54% dos entrevistados e, em 2017, foi apontada por 72% deles.

Nas pesquisas de opinião do Datafolha, a corrupção chegou a ser citada por 37% dos entrevistados como o maior problema do país em março de 2016. Em setembro deste ano, este escore era de 18%.

Entre 2010 e 2017, há um aumento na percepção de que a agressividade é um traço cultural nacional, bem como há o advento da discriminação racial, antes ignorada. "O Brasil vivia uma negação com este tema, que finalmente entrou na agenda da preocupação pública", diz Giannetti.

 
PROTAGONISMO

 
Tanto no contexto pessoal ("aprender sempre") como no da cultura desejada ("oportunidades de educação"), a educação, antes ausente, surge como valor importante.

"Diante do cenário de crise, cresce a perspectiva individualista, e as pessoas querem investir nelas mesmas", diz o cientista social Fernando Abrucio, da FGV.

Segundo ele, a percepção de que é possível avançar pelo mérito individual é resultado também da melhoria nas condições de vida dos últimos 20 anos. "Sem isso, ninguém apostaria em educação porque o problema era mais embaixo."

Confiança e coragem são outros valores pessoais novos em relação a 2010. Para Marback, apesar de sutil, essa mudança indica "a tomada de consciência de que temos de tomar as rédeas de nosso destino e do país".

Para Maria do Socorro Braga, professora de ciência política da Universidade Federal de São Carlos, a ênfase no comportamento individual pode também ser fruto de desamparo por parte do Estado e das instituições. "As pessoas acham que têm de resolver a situação por elas mesmas."

De acordo com o sociólogo Demétrio Magnoli, colunista da Folha, há uma cisão entre os valores desejados para o país em 2010 e 2017, quando justiça social, moradia confortável e redução da pobreza deram lugar a oportunidade de educação, compromisso, honestidade e cidadania.

"O que antes derivava do discurso do governo de 2010 [do PT], que perdeu força, hoje deriva da ideia chave de acabar com a corrupção e o desperdício de recursos" 

(Folha de S.Paulo, 24/10/17)

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